Depois de um tempo sem postar nada, pelos motivos de sempre, o redator:: teve a ótima notícia deque o Idelber Avelar, o popular “Biscoito Fino”, andou lendo Paul Virilio. Não tenho idéia de quais Virilio (conheço pelo menos seis…) – ele não informou. Mas como o objetivo é um livro sobre a violência, certamente esperarei ansioso. Não sei se o sócio-fundador do clube dos blogueiros favoritos de causa:: passou pelos seminais “Guerra pura – A militarização do cotidiano” e “Guerra e cinema”, mas esses dois textos, dos anos 1980 – são de abalar. Supõe este despretencioso redator:: (“despretencioso” a ponto de pretender pautar livros escritos pelos outros…) que ambos os títulos devam ter estado no meio das matutações do “Biscoito Fino”. Mas de qualquer maneira, é interessante trazer a questão da velocidade para o debate sobre a violência, visto que estamos todos envolvidos numa guerra, e cada estação de trabalho virou um “bunker glocal”. Por sinal, vale recomendar atenção nesse conceito “heterodoxo” bolado pelo professor Eugênio Trivinho, em artigo que aconselho a todos os membros de outro clube: o dos amadores de estratégia. Analisando o fundamento mediático do processo civilizatório contemporâneo, o professor Trivinho busca entender uma das principais, dentre as que ele identifica como suas múltiplas significações sociais-históricas: a “militarização velada” da vida cotidiana na era digital. Ele funde três noções, a de “bunkerização ampliada”, de “imaginário social” e “fenômeno glocal” – este um cruzamento de “global” e “local” possibilitado pelo surgimento da Internet. O “bunker glocal” é uma consequência do surgimento da cultura marginal digital, conhecida como “cibercultura”, e acaba sendo uma espécie de linguagem – que todos nós, praticantes de blogues, estamos aprendendo e praticando. Dentre o turbilhão de idéias do professor Trivinho, vale destacar algumas, que ele aponta como mitificações e/ou ingenuidades que acompanham a proliferação social dos media digitais: a de que o argumento mais apropriado às condições social-históricas do presente era aquele bifurcado entre global e local; a de que o espaço geográfico foi completamente superado em favor do tempo real; a de que a comunicação, sendo sustentáculo do regime democrático e da liberdade de expressão, constituiria processo absolutamente civil; a de que o contexto de interface interativa, prevalecendo civil, seria total e indiscutivelmente inofensivo, “lavado” de qualquer problema, fadado a vigorar como reduto exclusivo de homeostase lúdica, de condutibilidade pré-simbólica entre ente humano, objeto tecnológico e rede em tempo real (o redator:: confessa, candidamente, que não entendeu direito esta última parte, mas… vá lá.).
Ainda assim, as quatro teses do professor parecem caber como uma luva em nosso panorama político. Estamos em uma guerra, enfim, e o que observamos é um amplo movimento, no qual agentes com posturas estratégicas e táticas se movem num contexto onde o local – o bunker – se projeta para o global, tendo a velocidade como paradigma. A guerra se transforma em uma espécie de diversão para essa gente ocupando os ”bunkers glocais”, à direita e à esquerda. Aí parece residir um processo de militarização da vida civil. Os fundamentos da vida militar – disciplina, unidade de princípios e de doutrinas, hierarquia verticalizada, coordenação de ações – tornam-se princípios da vida dentro dos bunkers. E o amplo domínio dessa tecnologia – democrática ao ponto de poder ser operada por exércitos amadores de internautas e blogueiros em tempo real – constituiu abalo não previsto pelas elites convencionais.
Claro que gente como o Pedro Dória tem chamado atenção para esse fenômeno, e multidões de acadêmicos pensam sobre ele nas universidades. Mas este redator:: acha que as considerações têm de ser ampliadas, e a idéia de exércitos que se divertem fazendo a guerra se torna… digamos… fascinante. Por exemplo, o panorama internacional dos últimos vinte ou trinta anos pode nos acrescentar alguma coisa? Vejamos como: um outro livrinho bastante razoável: “O belo futuro da guerra“, de Phillipe Delmas (uma resenha bastante enxuta, aqui), publicado nos anos 1990.
Em resumo, Delmas defende que, a Guerra Fria, uma ameaça de destruição apocaliptica produziu, paradoxalmente, estabilidade porque engendrou uma ordem mundial, que soviéticos e americanos reconheciam, pois seriam destruídos caso tentassem rompê-la pela simples imposição da força. Optaram pela diplomacia baseada no próprio poder de dissuasão ao invés da guerra aberta. O apocalipse em caso de conflito entre as duas superpotências e os alinhamentos com um dos blocos tiveram por conseqüência suprimir, na Europa, diversas disputas menores porque estas poderiam descambar em conflitos potencialmente mais perigosos. As superpotências transferiram seus embates para a periferia, de forma indireta: as guerras limitadas na Ásia e na África e o “desfile de bandeira” nos mares e ares. A GF terminou de forma repentina e inesperada para quase todos os analistas e aí começa o paradoxo: a ordem mundial baseada na supremacia absoluta americana não gerou estabilidade, e idéia de um direito internacional ampliado e do desenvolvimento econômico resultando em estabilidade duradoura revelou-se uma falácia. A tese de que a supremacia econômica e militar americana produziriam um tipo de “Pax Brittanica” modernizada e “justa” não custou a mostrar seus limites. Os conflitos decorrentes da fragilidade dos estados ex-Socialismo Real, as guerras na África, a narcoguerrilha latino-americana, a multipolarização da política constituíram e o surgimento de agentes não-estatais com capacidade de ação ofensiva, geraram um cenário onde os focos de tensão se mostram muito mais difíceis de dissolver, e o aparato diplomático se mostra de pouca utilidade.
Na época que escreveu o livro, Delmas se preocupava com a difusão da tecnologia nuclear e de mísseis balísticos nesse ambiente. Durante a GF apenas as cinco potências – as que tinham assento no Conselho de Segurança da ONU – detinham tecnologia de explosivo nuclear e condições de empregá-la. Isso ajudou a impedir a deflagração de uma guerra generalizada e obrigou as potênias a criarem um sistema global. No momento em que se dissolveu a estabilidade criada nesse contexto, o monopólio de armas nucleares e mísseis balísticos deixa de ser um fator estabilizador: vários paises em condições de adquirir artefatos nucleares se vêem desimpedidos de fazê-lo. Isto aumentou os riscos de um conflito nuclearizado localizado, de conseqüências até agora não modeláveis.
Lendo o texto do Idelber, o redator:: ficou matutando: esse conjunto de condições não se reproduz, de modo miniaturizado, na política brasileira atual? O crescimento, lento e seguro, do PT – com um programa estratégico de longo prazo que trouxe à cena grupos sociais que antes eram considerados apenas como massa de manobra -, somado à crise das mídias convencionais e à difusão dos meios telemáticos (a tal “burkerização”) não constituiriam fatores de mudança que, no nível do quadro político brasileiro, constituiriam fator de desestabilização semelhante aqueles surgidos com o fim da GF?
A questão do surgimento do PT como partido dominante merece umas palavrinhas. Ao que parece, a elite brasileira tradicional não tinha elementos para projetar os possíveis cursos de ação do novo agente. No primeiro governo Lula, um fator complicador a mais: a estratégia econômica daquele momento resultou na tese de que o partido, no governo, teria de abandonar seu programa – o que, em 2002, alguns analistas chamavam de “desapropriação de Lula pelas elites”. A estabilidade começou a se romper com a aplicação do princípio de distribuição de renda, e parece que a elite conservadora levou certo tempo até notar que o PT continuava onde sempre esteve. E parece que, como na época do “fim do socialismo” quando a esquerda ficou com as calças na mão, aqui foram os conservadores que não tiveram ferramentas para elaborar uma resposta funcional. É uma visão um tanto simplista, esse redator:: admite, mas o simplismo aqui tem a função de deixar em primeiro plano o quadro geral, e o quadro geral aponta uma mudança de paradigmas.
Como se lê no “Biscoito”: “A coisa ali é de uma velocidade estonteante. Facilita a circulação de informações, mas nem sempre estimula o raciocínio mais sofisticado e crítico.” Por “ali” o blogueiro quer dizer o Twitter, mas este redator:: amplia – por “ali”, temos de entender uma multidão de formadores de opinião “bunkerizados”, e a diversidade de agentes permite, em princípio, o “raciocínio mais sofisticado e crítico”. Mas, por outro lado, esse raciocínio é, de imediato, necessário? Parece a este redator:: (cujo raciocínio é muito pouco sofisticado…) que não. Afinal, numa guerra, o objetivo inicial é derrotar o inimigo. As tratativas ficam para depois. E, neste ponto, nosso general tem razão – o objetivo deve ser eliminar o outro lado.
É uma constatação dura? É. No fundo, essa não é uma brincadeira para mocinhas de colégio de freiras. No momento em que se dispõe a exterminar reputações e figuras públicas, convocando ao linchamento público, a “oposição” – incluído aí o “partido grande imprensa” – está jogando exatamente esse jogo. Tal como durante a GF, parece que, até dez anos atrás, os padrões de confronto estavam estabelecidos, ainda que com alguma vantagem para o lado conservador. É interessante, neste momento, lembrar da época da imprensa alternativa – o redator:: já encanecido, não saberia dizer se existe alguma contigüidade com as mídias digitais de hoje, mas lembra a proliferação de tablóides e as táticas para mantê-los circulando – que faziam surgir, às vezes, dois ou três títulos por semanas, impressos em gráficas cuja principal característica era a capacidade de serem escondidas. Circular era crucial, pois implicava em criar canais de difusão de informação e debate. A época era outra, e o aspecto militar, mais evidente – na época a “oposição” era outra e a situação, também.
Assim, o redator:: tem certeza que testemunhamos e participamos de uma guerra, se pergunta se dela não resultará o fim da política tradicional. Um tipo de democracia ainda difícil de projetar, mas que tem por base uma multidão de agentes altamente disciplinados, formados em torno de princípios, aplicando táticas baseadas na difusão de informação em tempo real (seria o princípio do movimento levado ao paroxismo – o exército não para nunca de se deslocar, procurando posições de vantagem). A indisciplina que se fala imperar na Internet (a tal “homeostase lúdica” de que fala o professor Trivinho) é uma falácia: um blogueiro tem de ser disciplinado ao ponto de reordenar seu tempo para incluir nele uma atividade extra, e saber medir as vantagens de manter essa atividade.
Essa incapacidade das elites responderem à onda Lula e ao movimento PT é interessante e certamente dará o que falar por gente mais qualificada. Mas faz todo o sentido as invocações a espantalhos sacados, pela direita, da esquerda tradicional – Hugo Chávez e o “ataque à liberdade de imprensa”, os principais. Por sinal, observem que Reinaldo Azevedo e Merval Pereira não irão ao Clube Militar falar sobre “o perigo totalitário” – eles irão falar da “restrição à liberdade de imprensa”. Claro – RA e MP não são idiotas, longe disso. Eles sabem muito bem o que significa “liberdade de imprensa” – até aqui, tem sido das principais armas do arsenal das elites . Neste ponto, o redator:: concorda (outra vez) com a avaliação de Idelber: “Discordo dos camaradas que dizem que o governo contemporizou demais com os conglomerados máfio-midiáticos. O governo agiu corretamente com eles: 1) Garantiu a liberdade de imprensa: Globo, Veja, Folha e Estadão jamais foram censurados, apesar das insistentes referências a Hitler e Mussolini na imprensa brasileira; 2) Iniciou a comunicação direta com a população, através de órgãos como o Blog do Planalto e o Blog da Petrobras; 3) Democratizou a circulação das verbas de publicidade, o que realmente enfureceu os caras; 4) Realizou a Confecom, que envolveu a sociedade civil e estabeleceu as bases para um outro modelo de comunicação.“
Observe-se que o “Biscoito Fino” aponta exatamente para o que pode constituir ameaça de fato ao “bunker” da elite – o governo meter-se no “bunker glocal” do professor Trivinho e, de lá, passar a fazer guerra de “movimento paradoxal”. Esse movimento teria como principal vantagem acelerar uma mudança de paradigma da política tradicional. Vamos esperar para ver, mas parece que, entre velocidade, burkers e paradigmas, essa guerra tem um belo futuro pela frente::
Um adendo (às vezes o redator:: dá uma dentro): Conferindo os “bunkers glocais” (nunca mais a palavra “blogue” aparecerá aqui no causa::), o redator acabou tendo a atenção chamada para o toque do “Biscoito Fino” sobre uma manifestação surgida no sítio da CNBB, de autoria de um bispo filofascista). Parece que o doutor Idelber absorveu bem os ensinamentos do Virilio. Não poderia ser de outra maneira. Como não dá para dirigir diretamente ao tópico que interessa, causa:: reproduz – e aproveita, já que perguntar não ofende… Ô Biscoito, não dá prá você dar um jeito de linkar cada um dos tópicos? “A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil manteve em seu portal, durante 72 horas, uma carta hidrófoba do Bispo Luiz Gonzaga Bergonzini que fazia explícita campanha contra Dilma Rousseff e acusava o PT de ser “contra os valores da família”. A carta foi retirada quando o dano já havia sido causado. Agora está lá uma nota genérica e neutra sobre as eleições. No entanto, a carta hidrófoba circula em vários fóruns da internet assinada por Dom Bergonzini, mas apresentada como se fosse a palavra da CNBB (como se vê aqui ou aqui). Digamos que, nos dias de hoje, se eu demorar 72 horas para corrigir algo no blog, é melhor deixar o erro lá. A correção não faz muita diferença se for tão lenta.”