Minha comemoração particular do fim da Segunda Guerra Mundial::Idéias absurdas que ajudaram a vencer a guerra3::Lugares esquisitos que puderam ser visitados durante a Guerra: Islândia::

Em setembro de 1940, o presidente Roosevelt negociava com a Inglaterra o famoso acordo “destróieres-por-bases”, no qual cinquenta obsoletos “flush deckers-four pipes” mantidos na reserva pela Marinha dos EUA foram cedidos à Marinha Real. Os “flush deckers” (algo como “convés reto”, ou “convés livre”) de fato eram três classes de navios, deslocando cerca de 1200 toneladas cada um, construídos em massa (273 foram lançados ao mar) no final da Grande Guerra, entre 1917 e 1918. Em troca, a Grã-Bretanha cedia, por 99 anos, a concessão de diversas bases navais britânicas no Hemisfério Ocidental. O acordo causou surpresa não apenas nos círculos políticos londrinos, mas até mesmo nos EUA. Não foram poucas as observações tipo “a Inglaterra cedeu seu império em troca de alguns navios obsoletos”. Para a opinião pública nos EUA, os motivos também eram um tanto obscuros, já que qualquer participação em uma “guerra estrangeira” era alvo de grande implicância. Políticos, diplomatas e militares viam a coisa de modo diferente: as bases, situadas principalmente na região do Caribe, poderiam, rapidamente, ser estratégicas para a defesa dos EUA.

Para a Grã-Bretanha, por outro lado, a coisa era simples assim: a cessão dos contratorpedeiros, naquele momento, era vital para a sobrevivência da Inglaterra, cujas linhas de comunicação com a América do Norte – Canadá e EUA – estavam sendo esmigalhadas pela campanha submarina dos nazistas. Os destróieres (ou “contratorpedeiros”, em nossa língua) permitiriam aos britânicos montar um sistema de comboios mais eficaz, principalmente depois que os nazistas estenderam a zona de guerra até águas próximas da Islândia, em 11 de março de 1941.

Era um lugar literamente perdido no meio do Atlântico Norte, varrido por ventos cortantes e banhado por águas escuras e geladas, mas, naquele momento interessava aos EUA tanto quanto as paradisíacas ilhas do Caribe. A ilha, desde 1919 uma província soberana do Reino da Dinamarca, tinha sido ocupada pela Marinha Real, seguida por tropas canadenses, quase um ano antes, em maio de 1940. O ataque alemão contra o Reino da Dinamarca, em abril de 1940, resultou em uma campanha militar de seis horas de duração, com doze guardas-fronteiras dinamarqueses mortos e seis alemães feridos. Curiosamente, o estado  dinamarquês não foi dissolvido pelos nazistas, com o rei Cristiano sendo mantido formalmente como chefe de estado e o governo, de posições surpreendentemente anti-nazista, continuando no cargo, lógico que sob supervisão de funcionários diplomáticos nazistas, da Gestapo (“Polícia Secreta do Estado”, subordinada ao Ministério do Interior do Reich) e do sinistro Serviço de Segurança da SS (Sicherheitdienst, ou SD, chefiado pelo mais-que-sinistro gruppenführer Reinhardt Heindrich). A defesa, as relações exteriores e a econômia passaram a ser controladas pelos nazistas. Um dos principais motivos para a inédita atitude alemã foi o interesse em manter o fluxo de alimentos que vinha da produtiva zona rural dinamarquesa, com a qual os alemães mantinham intensa relação econômica. Mas, imediatamente, o OKW (Estado-maior das Forças Militares alemãs), preocupado com as linhas de suprimentos do ataque contra a Noruega, estava interessado em uma enorme base aérea situada na província da Jutlândia, que colocava quase todo o território e a costa noruegueses ao alcance da Luftwaffe. Um dos termos diante dos quais o rei Cristiano foi colocado, ao ser retirado da cama, na madrugada do dia 9 de abril, pelo embaixador alemão junto à Corte, foi que “posições de interesse militar” fossem abertas às Forças Armadas alemãs. A Islândia certamente cabia nessas “posições de interesse militar”, mas era muito longe, e entre ela e o continente estava a “Esquadra Metropolitana” da Marinha Real, a competentíssima Home Fleet. Embora os alemães confiassem em sua superioridade aérea como forma de superar o domínio dos mares britânico, era um projeto para o futuro.

A insistência do governo da Islândia em manter a posição de neutralidade que a Dinamarca tinha tentado adotar até ser invadida pela Wehrmacht foi a razão para a invasão britânica. A população local tinha diferenças culturais e políticas significativas com relação à metrópole dinamarquesa, e não queria tropas estrangeiras em seu solo, fossem quais fossem. A província dinamarquesa resolveu manter o status de “província independente” do governo metropolitano poucos dias depois da neutralidade dinamarquesa ser “colocada sob a proteção do Reich“. Ainda assim, as autoridades britânicas e norte-americanas manifestavam grande preocupação com um hipotética presença alemã na ilha, que fica a cerca de 1650 quilômetros da costa norueguesa e mais ou menos a mesma coisa da Escócia.  Uma razão para essas preocupações era a posição estratégica da Islândia, situada bem no meio do chamado GIUK Gap (“Greenland-Iceland-United Kingdom” – “Brecha Groenlândia-Islândia-Reino Unido”). Esse espaço de centenas de milhares de quilômetros quadrados de água gelada constitui uma passagem muito pouco frequentada entre o Mar do Norte e Atlântico Norte. Ainda hoje, os EUA mantèm uma base naval na ilha por este motivo. Com a ocupação da Noruega, os fiordes, um tipo de enseada longa, estreita e com águas calmas e profundas, tornaram-se lares adoráveis para os U-boats alemães, que, através do GIUK penetravam o Atlântico Norte – e a festança entre 1940 e 1942, não sem razão, foi chamada pelos submarinistas alemães de “tempos felizes”. Entretanto, a “neutralidade” norte-americana impedia qualquer ação que violasse a neutralidade islandesa. Os ingleses resolveram agir e enviaram um regimento de fuzileiros navais para a ilha, em uma flotilha de contratorpedeiros comandada por um cruzador ligeiro (naquele momento, era o máximo de que podiam dispor). Essa pequena força ocupou a capital, Reykjavik, em aproximadamente 12 horas, sem encontrar resistência.

Este ato, por outro lado, deu tanto a Roosevelt quanto a Hitler a desculpa de que precisavam para estender a todo o Atlântico Norte. No caso dos alemães, em setembro de 1940 a campanha submarina só não tinha interrompido as linhas de suprimento entre a Terra Nova e a Grã-Bretanha devido à falta de submarinos aptos a atuar em mar aberto – em setembro de 1939 a Marinha de Guerra Alemã dispunha de apenas uma dúzia capazes de sair em patrulha oceânica; em setembro de 1940, eram uns 40, mas dificilmente a metade estava operacional. Quanto ao governo norte-americano (o povo queria manter-se longe da guerra “européia”), este estava resolvido, após o desastre de Dunquerque, a rearmar as forças armadas britânicas e prover aos britânicos todo apoio que fosse possível sem ter que explicar ao Congresso e aos eleitores.

A permanência dos britânicos na Islândia mostrou-se problemática por diversos motivos. Embora as autoridades locais tenham se dirigido à população para que considerassem os britânicos como “convidados”, os ilhéus não demonstraram grande simpatia pelos ocupantes, e surgiram vários problemas com a população civil. A situação iria piorar conforme chegaram outras tropas para consolidar o controle britânico sobre a ilha. A população da ilha era de mais ou menos 120.000 pessoas, e os britânicos colocaram lá duas brigada do exército inglês, outra canadense, unidades de artilharia antiaérea, da Marinha, do Comando Costeiro da RAF e pessoal civis, chegando o total, cerca de seis meses depois, a quase 25.000 pessoas, o que provocou a necessidade de construir instalações em diversos lugares da ilha, a principal das quais o complexo de Hvalfjordhur. O ambiente não era agradável para as tropas birtânicas. A paisagem local era inóspita, com um clima frio e ventoso e praticamente não haviam árvores. A língua falada lá era difícil de entender por ser muito diferente do inglês – de fato, fala-se na Islândia uma versão do norueguês medieval, difícil até mesmo para dinamarqueses.

Mas o maior problema é que os britânicos precisavam das tropas estacionadas lá em outros lugares, e assim ficou estabelecido que a manutenção da ilha passaria para a responsabilidade dos EUA. As relações com os EUA já existiam, visto que, desde o rompimento com a Dinamarca, a Islândia tinha aberto uma legação em Nova York. Embora não houvessem propriamente planos em nenhum dos lados, os diplomatas islandeses chegaram a consultar os norte-americanos em torno da colocação da ilha sob proteção norte-americana. A invasão britânica interrompeu as conversações, embora tenham acontecido consultas entre britânicos e norte-americanos sobre o destino da ilha, em caso da entrada dos EUA na guerra. Em abril de 1941 funcionários norte-americanos procuraram a representação islandesa, pois o crescente envolvimento dos EUA na guerra – principalmente no combate à camapanha submarina alemã contra a navegação no Atlântico voltou a colocar ilha sob o foco dos EUA.  O presidente Roosevelt ofereceu, em 28 de mio para que os EUA assumissem a responsabilidade pela defesa da ilha, oferta que foi prontamente aceita por Churchill, que via no fato mais uma oportunidade  para trazer os EUA para perto das hostilidades. O problema maior era, como sempre, a posição isolacionista da opinião pública norte-americana, que ressoava fortemente no comportamento dos políticos locais. O gabinete d Rooselvelt resolveu que qualquer movimentação de tropas para a ilha só seria feita caso precedida de um pedido formal por parte dos locais.  Após o estabelecimento de termos que incluiam o total respeito à soberania islandesa, autodeterminação em termos administrativos e garantia de retirada logo que terminassem as hostilidades, o convite foi feito no final junho, e uma brigada de fuzileiros navais da Marinha dos EUA foi preparada para deslocar-se para a Islândia. Embora os britânicos não escondessem que estavam doidos para sair de lá, problemas com a preparação de uma grande unidade de infantaria, a 5ª Divisão acabaram por adiar a partida. A 5ª Divisão substituiu os fuzileiros navais na ilha, e foi seguida por uma série de outras unidades militares norte-americanas.

Em abril de 1942 as forças britânicas estavam quase totalmente fora da ilha, e no início do verão, a maioria daqueles já tinha sido removida, restando apenas elementos do Quartel general, que foram desmobilizados em agosto de 1942. Permaneceram, entretanto, unidades da RAF e da Marinha Real, envolvidos com o patrulhamento do GIUK e escolta de comboios – estes permaneceriam até o final da guerra. Conforme a maré da guerra ia mudando, até mesmo as autoridades britânicas em Londres pararam de falar em “ataque alemão” – ataque que, mesmo em 1940 tinha sido tão provável quanto o vôo de um porco. Os norte-americanos se convenceram, em 1943, que não eram necessários 15.000 infantes e um batalhão de tanques leves para defender a ilha, e despacharam a maioria dos elementos da 5ª Infantaria (três regimentos) para a Inglaterra. Ainda permaneceram por lá unidades de combate terrestre, de artilharia antiaérea, de artilharia costeira engenharia e tropas de apoio, bem como a maioria das unidades de patrulha aérea da Aviação Naval e vasos de superfície da Marinha dos EUA. Estes ficariam até o final da guerra. Embora a “Batalha do Atlântico” tenha sido incontestavelmente vencida pelos aliados em 1943, os U-boats continuariam a ser uma ameaça nada desprezível durante o restante da guerra.  

Quanto à Islândia, o acordo de soberania com a Dinamarca, estabelecido em 1919, deveria passar por revisão 25 anos depois, mas a invasão alemã colocou a questão sob outro foco. Em 1943, as autoridades locais, após consulta à população, resolveram romper unilateralmente com o governo dinamarquês, repudiando a monarquia e estabelecendo uma república. O novo estado foi oficialmente estabelecido em 17 de junho de 1944. Uma pequena força militar foi criada, sob a supervisão dos EUA. Os principais elementos dessa força eram (e ainda são) a Polícia Nacional, que pode ser convocada em caso de necessidade, e uma Guarda Costeira, composta de vasos de patrulha costeira e uma pequena dotação de aeronaves de patrulha.

Os ingleses deixaram a ilha em meados de 1945, quando os últimos elementos da Marinha Real voltaram à Grã-Bretenha. Alguns elementos da RAF foram deixados na ilha em função de necesidades de controle de tráfego aéreo. Os norte-americanos, apesar do acordo assinado com os islandeses, permaneceram. A Guerra Fria criou um novo panorama estratégico, e a “brecha GIUK” continuava lá – apenas os submarinos eram outros. Em 1946 um novo acordo foi assinado, garantindo aos norte-americanos a utilização das instalações militares e a presença de efetivos militares da marinha e da Força Aérea. Em 1949 a Islândia juntou-se ao Tratado do Atlântico Norte::

Minha comemoração particular do fim da Segunda Guerra Mundial::Idéias absurdas que ajudaram a vencer a guerra2::Rosie the Riveter ou A mulher americana entra na guerra::

Rosie the Riveter, por Norman Rockwell. Trata-se da versão mais conhecida do icone da mulher norte-americana na guerra

Rosie The Riveter’ (“Rosinha, a Rebitadora”) nunca existiu. Ela foi inventada por diversos artistas e publicitáriosnorte-americanos, no momento em que idéias estapafúrdias eram mais do que necessárias para ajudar a tirar o país da maior encrenca em que já se vira metido (e não é de hoje que os EUA são criativos para se meterem em encrancas…): uma guerra mundial para qual não estavam preparados.

A idéia de ter mulheres em funções de combate hoje em dia não chega a despertar estranheza; a idéia de que mulheres trabalhem fora de casa, então, não chega a espantar qualquer pessoa. Mas nem sempre foi assim. Até o ataque japonês a Pearl Harbour, fato que lançou os EUA na 2ª GM, a quase totalidade da força de trabalho norte-americana era masculina. Até mesmo nas grandes cidades, era algo incomum encontrar mulheres em postos de trabalho remunerado. A partir dos anos 1920, alguns tipos de trabalho passaram a ser ocupados majoritariamente por mulheres, como, por exemplo, telefonistas, secretárias e professoras do ensino básico. Eram normalmente trabalhos adequados “à natureza feminina”: não exigiam força física (que, segundo se dizia, as mulheres não tinham) nem muita agilidade intelectual (idéia que até hoje surge por aí…) e lhes permitiam expressar a delicadeza e a “graciosidade”. De fato, o lugar reservado para as mulheres, na sociedade, era mesmo a família, cuidando de crianças e fazendo biscoitos…

Para que as mulheres deixassem tal posição, seria preciso uma crise grande o suficiente para que faltasse mão-de-obra no mercado de trabalho. Ao longo do século 19, as crises não chegaram a tal ponto: haviam homens suficientes para ocupar os postos de trabalho existentes sem que os salários aumentassem muito. O interessante é que, durante a segunda metade do século 19, conforme a economia se expandia com a Segunda Revolução Industrial, não houve guerras muito grandes e longas, que obrigassem a convocação de número considerável de homens adultos. A coisa mudou com a 1ª GM: a convocação maciça da porção masculina da sociedade, notadamente após 1916, chegou a obrigar alguns países europeus a lançar mão de grande número de mulheres jovens como força de trabalho industrial, embora tais números não tenham chegado a provocar uma inversão notável na composição da mão-de-obra. Nos EUA, a entrada tardia na guerra, e o número relativamente pequeno de efetivos enviados à Europa, a partir da segunda metade de 1917, não chegou a constituir problema sério para a constituição da força de trabalho. Nos anos posteriores ao fim do conflito, a expansão da economia criou postos de trabalho para todos aqueles que retornavam do front. A crise geral de 1929, por sua vez, expulsou do mercado de trabalho, nos EUA, cerca de vinte por cento do trabalhadores, e reduziu drasticamente o salário dos restantes. Nessa conjuntura, as mulheres permaneceram em casa enquanto os homens perambulavam pela rua a procura de uma ocupação.

O enfrentamento da crise econômica só seria encaminhado a partir de 1932, com a implementação do conjunto de políticas intervenconistas denominado “New Deal“. De início, as políticas de revitalização econômica através de fortes investimentos governamentais em obras públicas e assitência social não incluíram as forças armadas, cujo tamanho tinha sido drasticamente reduzido depois da 1ª GM. Além do mais, durante os anos 1930 a crise não deu sinais de que recuaria rapidamente, de modo que a eclosão da guerra na Europa encontrou a “grande depressão” apenas parcialmente resolvida. Isto explica, em parte, a conhecida relutância dos EUA em encarar uma possível participação no conflito, ainda que seus interesses nacionais no Pacífico estivessem fortemente ameaçados. Mas o país tinha sido tomado, após o fim da Grande Guerra, por forte mentalidade isolacionista, e o grosso da população, maltratada pela crise econômica, tendia a enxergar os problemas europeus como “problemas estrangeiros”. Ainda assim, a partir de 1940 o governo norte-americano passou a projetar uma participação “relativa” na guerra, com o presidente Franklin Delano Rooselvelt disposto a auxiliar os ingleses em sua luta contra o nazismo através de apoio econômico e industrial (concretizados na política de “Empréstimos e aluguel” – Lend-lease – concretizada no início de 1941). O potencial militar dos EUA (aquela altura, nada muito considerável) seria empenhado apenas na defesa hemisférica – defesa das águas domésticas no atlântico norte e apoio e liderança às políticas de defesa dos países latino-americanos.

Entretanto, a mobilização propriamente dita começou no final de 1939 e se acelerou no clima um tanto deprimente (para o governo Rooselvelt) dos sucessos militares alemães da primavera de 1940. Esta fase, uma transição ordenada prevista no plano de mobilização industrial de 1939, logo foi abandonada. De fato, os planos de mobilização industrial e militar já vinham sendo elaborados desde 1930 e examinaram detalhadamente a forma como o país organizaria a administração civil, as forças armadas e a indústria numa possível guerra generalizada. A base era a doutrina de que a gestão da economia e particularmente o controle da indústria nessa possível guerra seriam funções presidenciais por excelência. Essas funçôes seriam delegadas à agências executivas, em grande parte compostas por civis especializados e chefiadas por um staff de total confiança do chefe da nação. O planejamento antecipado foi uma boa solução: a idéia era de que o problema, quando e se surgisse, provavelmente seria maior do que qualquer serviço ou departamento, sozinho, poderia dar conta. Em 1940 a equipe presidencial convocada já dispunha de um projeto que previa os métodos e instrumentos de controle econômico em tempo de guerra, a partir de listas de necessidades e prioridades para instalações, indústrias e produtos, para o controle do comércio exterior, e até mesmo para o estabelecimento de empresas estatais de emergência, controle de preços e da opinião pública.

Em maio de 1940, o Roosevelt lançou, numa mensagem dirigida ao Congresso dos EUA, o desafio dos “50 mil aviões” (uma Força Aérea de 50.000 aeronaves e a produção de outras 50.000 a cada ano) e encaminhou um pedido de dotação orçamentária suplementar para a defesa. Paralelamente, montou, no gabinete presidencial, o “Escritório de Gerenciamento de Emergências”, que deveria coordenar o esforço de mobilização. A “Comissão Consultiva de Defesa Nacional”, mais ampla, avaliaria os problemas de mobilização de recursos e prepararia planos abrangentes para vários estágios do processo. Essa comissão se não durar um ano, e foi sucedida pelo “Escritório de Gestão da Produção”, também logo dissolvido. O clima político não foi lá muito receptivo a uma mobilização em escala industrial e a população também olhava a guerra como um problema europeu.

A mobilização propriamente dita começou no final de 1939 e se acelerou no clima um tanto deprimente (para o governo Rooselvelt) dos sucessos militares alemães da primavera de 1940. Esta fase, uma transição ordenada prevista no plano de mobilização industrial de 1939, logo foi abandonada. Se por um lado o ataque aéreo contra Pearl Harbour  mobilizou a população para a causa da guerra, por outro o problema mostrou-se ainda maior do que tinha sido imaginado: o teatro do Pacífico exigia intervenção imediata, os ingleses queriam mais do que ajuda econômica e os soviéticos, tornados aliados a partir de junho de 1941, passaram a clamar pela abertuda de uma “segunda frente”. A mobilização da sociedade passou a ter como objetivo aguentar o tranco até a montagem de forças armadas grandes o suficiente para intervir em todas essas frentes, mas seriam necessários, para começo de conversa, algo em torno de 1.o00.000 de efetivos no Exército, 50.000 na aviação e 300.000 na marinha,  e num prazo de aproximadamente seis meses.  É claro que as forças armadas precisariam de equipamentos e munições, e essas teriam de proceder das fábricas que as próprias forças armadas iriam esvaziar. Inicialmente, se pensou em uma convocação que preservaria as áreas mais sensíveis da produção. Foram precisos apenas poucos meses para que ficasse evidente: não ia dar certo. A sucessão de vitórias japonesas, ao longo da primeira metade de 1942, e a campanha dos submarinos alemães contra a navegação mercante na costa oriental dos EUA mostrou que a magnitude da convocação exigiria soluções radicais.

Pouco antes, o o governo começara a encarar seriamente a convocação de mulheres para ocupar os postos de trabalho que iriam vagar com a incorporação dos homens adultos às forças armadas. As pesadas baixas iniciais mostraram com clareza e crueza a crise em que o país se via mergulhado. Em função da propaganda, não seria difícil fazer com que as mulheres aderissem ao esforço de guerra, mas não se poderia esperar que elas o fizessem de forma absolutamente espontânea, como os homens estavam fazendo no que tange ao alistamento nas forças armadas. Seria preciso apelar ao sentimento patriótico das mães e esposas norte-americanas, e isto teria de ser feito através de grandes campanhas publicitárias.

O governo norte-americano passou a montar, a partir de 1942, com a assistência de grandes agências, sucessivas campanhas que conclamavam as mulheres a assumir,  na indústria, funções até então vistas como masculinas. Tais funções seriam indicadas tais funções como “postos de combate” de um “frente interna” (em inglês, Homefront) que exigiria a participação de todos. É interessante observar que a campanha We can do it!, lançada em fevereiro de 1942 – quer dizer, logo no início da guerra –, mostra uma mulher jovem, com o rosto determinado, fazendo um gesto tipicamente masculino. Era a  primeira cara de Rosie, the Riveter (“Rosinha, a rebitadora”), personagem que se tornou o símbolo da mulher norte-americana durante a 2ª GM.

A imagem foi criada pelo artista J. Howard Miller, por encomenda do Comitê de Coordenação da Produção de Guerra da empresa The Westinghouse Company, indústria eletroeletrônica produtora de peças para aeronaves de combate. A mais famosa dessas imagens foi baseada em uma fotografia feita numa fábrica da empresa em Michigan, e retratava uma trabalhadora de 27 anos de idade chamada Geraldine Doyle. Nessa época, a personagem não era chamada de “Rosie”, nome que, por incrível que pareça, só foi adotado no final dos anos 1970, ou seja, mais de quarenta anos depois do lançamento.

A campanha teve enorme sucesso e o objetivo inicial foi rapidamente cumprido: a indústria conquistou a força de trabalho feminina. O setor aeronáutico viu crescer de forma notável o número de mulheres em suas linhas de produção. Mais de 310.000 delas trabalhavam nessa indústria em 1943, representando mais de 65 por cento do total da força de trabalho dessa indústria. A magnitude desse porcentual não precisa ser frisada: em 1939, cerca de um por cento da mão de obra dessa indústria era composta por mulheres. A indústria de munições também passou a recrutar trabalhadoras em grande número.

O sucesso feminino nas novas atividades devia-se, em parte, às características do trabalho desenvolvido. De fato, fabricar aviões ou preparar cartuchos não exigia força física, já que a força propriamente dita era feita pela máquina. A indústria moderna, organizada no final do século 19, colocava os trabalhadores como operadores de máquinas, e o conjunto máquina-operador executava pequenas tarefas de forma mais ou menos automatizada e altamente repetitiva. O conjunto dessas tarefas resultava no produto acabado. Os movimentos realizados eram poucos e simples (apertar um gatilho ou acionar uma alavanca ou um pedal, por exemplo), em posições próximas uma das outras. O operário não precisava se deslocar, ou o fazia em extensões muito pequenas, visto que o objeto do trabalho é que se deslocava, ao longo de uma linha. Ferramental acionado por força eletromecânica, pneumática ou hidráulica tinha de ser deslocado até um ponto bastante preciso dentro de um objeto maior. Dessa forma, o operário não precisava entender plenamente o que estava fazendo, desde que seguisse a risca uma série de instruções. Caso tivesse dúvidas, remetia-se a um esquema gráfico que indicava por imagens ordenadas sucessivamente o que tinha de ser feito. Um operário desses precisava ter um grau de instrução relativamente baixo, e o treinamento era muito fácil, aprendido na própria linha de montagem. O decorrer do trabalho era supervisionado o tempo todo por capatazes – estes, em geral, do sexo masculino. E, apesar da admitida necessidade da força feminina para o esforço de guerra, isto não significou vantagens salariais: dificilmente uma operária ganhava mais do metade do ordenado pago a um operário. Os capatazes quase nunca eram mulheres, e os cargos de supervisores e gerentes eram virtualmente fechados ao sexo feminino.

Conforme as mulheres se juntavam às linhas de produção, as campanhas começaram a mostrar as qualidades que se esperava de uma “combatente da frente interna”: forte, disciplinada, dedicada. Masculinizada, mas sem perder certas características femininas. Essas campanhas começaram a apresentar, a partir de maio de 1943, a nova “Rosie”. Esse redesenho da personagem aparece com uma ilustração do artista gráfico Norman Rockwell, na capa da revista Saturday Evening Post. Rockwell é conhecido por seus desenhos altamente realistas do americano comum, apanhado em cenas cotidianas. Sua “Rosinha”, entretanto, incorpora todos os atributos geralmente atribuídos aos operários industriais, inclusive o macacão de zuarte (um tecido de mescla de algodão, juntando fios mais grossos e mais finos, muito parecido com os blue-jeans), que os fazia serem chamados de “colarinhos azuis”, em oposição aos “colarinhos brancos” da administração. Ela é mostrada na hora do almoço – um sanduiche, que pode ser consumido rapidamente nos vinte minutos de intervalo que as operárias tinham para almoçar. É interessante observar que a cena, um verdadeiro discurso patriótico feito com imagens, incorpora a “arma” da “combatente”: um rebitador, mas de proporções bem maiores do que aqueles usados na indústria de equipamento militar (que tinha aproximadamente as proporções de uma furadeira elétrica de impacto), uma enorme bandeira dos EUA e, debaixo dos pés de Rosinha, um exemplar do “Mein Kampf”, o panfleto de Hitler transformado em livro sagrado dos nazistas. O mais interessante nessa imagem são as proporções masculinas que Rockwell atribuiu à sua personagem, a começar pelos braços musculosos. Alguns intérpretes afirmam que essa imagem tem atributos das imagens religiosas compostas durante a Renascença, e que a composição teria sido intencional, feita para dar tons religiosos à mensagem patriótica buscada com a composição.

As campanhas publicitárias prosseguiram por toda a Guerra. As revistas ilustradas estampavam reportagens fotográficas com “Rosinhas da vida real”: uma rebitadora da General Motors na cidade de North Tarrytown, NY, que instalou 3.345 rebites em um bombardeiro Avenger, merecendo pelo feito uma carta de agredecimento do presidente Rooselvelt. Essas “mulheres da vida real” passaram a merecer atenção da imprensa não propriamente como trabalhadoras empenhadas em funções industriais regulares, mas como ocupantes de funções ”masculinas” num momento atípico em que os homens não estavam disponíveis::

Minha comemoração particular do fim da Segunda Guerra Mundial::Idéias absurdas que ajudaram a vencer a guerra1::Red Ball Express::

Pois é… Ano passado, pela primeira vez em alguns anos, deixei de comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa primeira no evento fixo mais fixo que o blogue das boas causas observa chegou a me deixar um tantinho chateado, proque realmente penso que essa data devia merecer comemorações muito mais animadas do que merecem, atualmente. Principalmente agora, que recrudescem as idéias neonazistas, na Europa da crise financeira. Esta é, de fato, uma das maiores provas de que a humanidade tem memória de ameba e, como diz o bom Lulu Santos, caminha com passos de formiga. Assim, resolvi não perder a data, embora o timing tenha deixado a desejar, já que estamos com uma semana de atraso. Este ano, por motivos que nem eu mesmo sei explicar, resolvi abordar algumas idéias absurdas que ajudaram a ganhar a guerra. Não foram poucas, e algumas, de fato, mudaram o mundo inclusive depois de terminado o conflito. O artigo que se segue coloca um dos principais problemas que até hoje afligem as forças armadas dos EUA – o estilo perdulário de fazer a guerra, que se expressa sobretudo no vício em gasolina manifestado pelas forças armadas norte-americanas. Eu não tinha o assunto em mente, até descobri-lo meio por acaso. Poucos dias atrás, recebi de um amigo um filme feito em 1952, “Arrancada da Morte” (Red Ball Express), dirigido por Budd Boetticher, um diretor de westerns que incursionou raramente (ainda bem…) pelos filmes de guerra. Todo mundo que se interessa pela história militar e técnica da 2ª GM já ouviu falar do “Expresso Bola Vermelha”, mas eu nunca havia atribuído a ele maior importância – apenas mais uma proeza numa guerra em que a logística foi o aspecto predominante. O filme, por outro lado, é tão absurdo que tive curiosidade de checar alguns dos eventos descritos lá. E o pior é que é quase tudo verdade. Passei algum tempo fazendo uma grande-pequena pesquisa, e agora posso garantir que o assunto é interessante. Este será o primeiro artigo da comemoração. Outros se seguirão. Espero que se divirtam tanto quanto eu me diverti::

Em 6 de junho de 1944, tropas aliadas desembarcaram na Normandia. Era o primeiro passo na direção da libertação da França, ocupada desde 1940 pelos alemães. Ao longo de junho e julho, as tropas aliadas combateram duramente para ampliar a cabeça de praia estabelecida na primeira semana, mas não sem encontrar decidida resistência do adversário. Mais de um mês depois, em 25 de julho, forças americanas comandadas pelo general-de-divisão (tenente-general, na nomenclatura norte-americana; tanto no Exército dos EUA quanto no EB, general de três estrelas) Omar N. Bradley, envolvidas na “Operação Cobra” romperam as defesas alemãs na extremidade ocidental da cabeça de ponte e se lançaram através da brecha, conduzindo o restante do Terceiro Exército dos EUA. Esta grande unidade tinha sido colocada em operação em 1º de agosto, sob comando do notório general-de-divisão George S. Patton Jr.

Foi o início de uma das mais bem sucedidas campanhas do Exército dos EUA na 2ª GM. O Terceiro Exército percorreu um estreito corredor entre o Sétimo Exército alemão e o mar, desarticulou o flanco de toda a linha inimiga na Normandia e acabou por romper a retaguarda alemã. As forças de Patton avançaram em todas as quatro direções de forma coordenada. No sul, avançam em direlção ao rio Loire; a oeste buscaram a península da Bretanha; no norte, o objetivo era a junção com os britânicos nas proximidades de Falaise; a leste, lançaram-se em direção ao Sena, tendo Paris como objetivo.

Até então, as forças aliadas, acotoveladas em um estreito território, estavam engajadas em um típico combate de infantaria. Após 25 de julho, tendo diante de si o território francês pouco acidentado e servido por uma rede de estradas ainda relativamente intactas, as forças dos EUA puderam fazer valer sua arrasadora superioridade em meios, e a campanha tornou-se uma operação mecanizada. Um observador desavisado diria que a blitzkrieg era invenção americana, e não alemã: pontas de lança blindadas lideravam a infantaria, em boa parte montada em veículos de todos os tipos. No alto, caças-bombardeiros patrulhavam as estradas adiante, relatavam as condições do teatro e atacavam qualquer força alemã que tivesse a ousadia de expor-se à luz do dia. As forças alemãs na Normandia quase entraram em colapso e por pouco escaparam do pior pesadelo de um exército: cair num bolsão. Com o exército de Patton sempre nos calcanhares, recuaram desabaladamente na direção da Alemanha, sofrendo, no trajeto, baixas arrasadoras em efetivos e equipamentos. Em 15 de agosto, as forças aliadas invadiram o sul da França e se juntaram ao sistemático esmagamento da Wehrmacht. Com os restos de dois grupos do exército alemão em plena retirada, o Comandante Supremo Aliado, general-de-exército (coronel-general, na nomenclatura norte-americana; tanto no Exército dos EUA quanto no EB, general de quatro estrelas) Dwight D. Eisenhower, por natureza bastante comedido, deixou circular, no início de setembro, a notícia de que o exército alemão na França tinha sido derrotado.

Com o Terceiro Exército se aproximava da província francesa da Lorena (em francês, Loraine), na fronteira entre França e Alemanha, a inteligência do Terceiro Exército dos EUA, avaliando informações que chegavam de todos os setores sobre as condições da Wehrmacht, convenceu-se de que a guerra estava praticamente terminada. O alto comando aliado tendeu a concordar. Contrapostas tais informações com aquelas conseguidas através do sistema Ultra (conjunto de unidades de decodificação e análise de mensagens criptografadas do Exército Britânico), a conclusão foi que a fronteira franco-alemã podeia ser considerada praticamente aberta, e que levaria algum tempo (cerca de um mês, nas expectativas mais pessimistas) para que a situação fosse reorganizada. As informações das unidades motorizadas de reconhecimento davam conta de estar um longo trecho do rio Mosela praticamente desguarnecido, e Patton não viu motivos que impedissem suas tropas de tomar as cidades de Metz e Nancy, romper através da Lorena e invadir a Alemanha através do rio Reno, em Mannheim e Mainz.

Aquela altura, tanto comandantes quanto comandados acreditavam que a Lorena eram favas contadas – cairia rapidamente, e os tanques de Patton tomariam a Alemanha antes do final do ano. Todos se enganaram: as previsões se mostraram excessivamente otimistas e a batalha pela Lorena viria a durar três meses, e, ainda por cima, seria a mais sangrenta dentre as campanhas cumpridas pelo Terceiro Exército dos EUA.

Limitada a oeste pelo rio Mosela, a leste pelo Saar, ao norte pelo Luxemburgo e pela floresta das Ardenas, e ao sul pelos montes Vosges, a província da Lorena é o caminho mais direto entre França e Alemanha – exatamente por este motivo tem sido, por séculos, a rota de invasão mais tradicional entre as regiões leste e oeste da Europa Ocidental e alvo de disputa entre as formações políticas francesa e alemã ao longo de toda a Idade Média e Moderna. Desde 1766 considerada parte da França, a Lorena, juntamente com a Alsásia, passou ao Império Alemão Hohenzollern depois da derrota francesa na Guerra Franco Prussiana de 1870. A partir de 1919 voltou a fazer parte da França, e, após a derrota francesa de 1940, foi um dos poucos territórios da Europa Ocidental anexados à Alemanha.

Curiosamente, a grande estratégia aliada não considerava a província como rota primária para a invasão da Alemanha. Isto se explicaria pelo fato de que o SHAEF (alto comando aliado para o teatro europeu de operações) considerava o território como possuidor de poucos objetivos militares compensadores. Não se tratava da região mais populosa da Alemanha, e nem mesmo a área industrial do Sarre, embora significativa, se comparava a do Ruhr, mais ao norte, no esforço de guerra alemão. As cidades da região do Alto Reno que não eram mais as principais da Alemanha.

De fato, o plano básico para a campanha européia punha o maior esforço mais a norte, na zona do 21° Grupo de Exércitos, onde estavam os objetivos militares e industriais considerados vitais. Depois de atravessar a província e entrar na Alemanha o Terceiro Exército viu-se sem objetivos militares de primeira ordem e seu comando, sem ter como justificar as requisições de reposições e suprimentos. Após a conclusão da campanha, o próprio Patton teria declarado ao Departamento de Guerra dos EUA que, depois do fim do conflito a província deveria ser deixada aos alemães. Segundo o general, não poderia haver maior castigo, pois tratava-se de região sem atrativos, muito chuvosa e cuja maior riqueza constituia-se de “variadas pilhas de estrume”.

Além do mais, a Lorena mostrou-se, nas avaliações, difícil campo de manobra para atacantes. A ondulante paisagem rural era ponteada por bosques e charnecas, com inúmeras pequenas cidades e aldeias, algumas das quais tinham sido fortificadas ao longo dos séculos anteriores. O solo ondulado erguia-se de leste para oeste, e os atacantes se veriam encalacrados no sopé de colinas que tinham de ser transpostas. Os rios e riachos eram inúmeros, correndo geralmente do sul para o norte, direção oposta da penetração norte-americana (o que, dependendo do porte do curso d´água, dificultava a transposição), e a fronteira com a Alemanha opunha duas linhas de fortificações: a “Maginot”, praticamente desativada, e, já no solo alemão, a “Siegfried”, chamada pelos nazistas de “Westwall” (“Muralha Ocidental”). Segundo estimativas da inteligência, a “Muralha Ocidental” tinha sido melhorada, nos anos anteriores, com bastiões antitanques praticamente invulneráveis a ataques aéreos. A única vantagem que os aliados conseguiam antever era a falta crônica de efetivos treinados, observada na Wehrmacht depois da debacle francesa. Essa poderia, entretanto, ser contrabalançada pelo fim do apoio incondicional da população civil local, que lá era majoritariamente alemã e tinha recebido, durante a guerra, alguns acréscimos, dentro da política de redistribuição populacional dos nazistas.

Com tão poucos atrativos, o que fazia Patton preocupar-se com a Lorena? O motivo não vinha dele, mas de Eisenhower. O comandante supremo tinha em mente destruir tantas forças alemãs quanto possível, a  oeste do Reno, de modo a diminuir a capacidade inimiga em se opor na região do esforço principal.

O chefe de Patton, general Bradley, comandante do 12º Grupo de Exércitos dos EUA, concordava, e determinou que todos os exércitos aliados deveriam pressionar na mesmo sentido, um amplo arco na direção do centro da Alemanha. Com o portão da Lorena escancarado, Patton, ególatra incorrigível e embriagado pelo sucesso dos meses anteriores, não via motivo para não seguir em frente e levar tudo de roldão. Assim, uma série de fatores deixou de ser levada em consideração.

O principal deles era o fato de que a Lorena ficava a mais de 750 quilômetros de distância das praias normandas, início das linhas de suprimentos através das quais o Terceiro Exército obtinha a maior parte de seus suprimentos. Uma das coisas que os norte-americanos aprenderam durante a 2ª GM é que a guerra moderna, mecanizada por excelência, demanda quantidades oceânicas de combustível e suprimentos. Um estudo feito após a campanha da França calculou que cada efetivo em combate necessitava de aproximadamente 200 quilos de materiais os mais diversos, a cada dia. Trata-se de um cálculo estatístico muito complexo, que envolvia não apenas os suprimentos necessários para manutenção física do soldado (alimentos, roupas, produtos diversos, medicamentos, e por aí vai), mas também os diversos armamentos e equipamentos, munições diversas, combustíveis e lubrificantes de toda espécie, peças de reposição e outros itens utilizados diariamente na frente de combate e na retaguarda. Levando-se em consideração que haviam uns 800.000 norte americanos na frente de combate, basta multiplicar um número pelo outro para chegar a um número espantoso.

Não é o caso discutir aqui o fato de que o exército britânico era infinitamente menos perdulário, e o alemão, então, nem se fala. O fato é que o problema existia e provocou uma enorme crise, no segundo semestre de 1944. O combustível e a munição eram, de longe, o maior problema. Durante a corrida através da França, em agosto, o Terceiro consumira por volta de 1 milhão de litros de combustível por dia e mais de dois milhões de cartuchos de munição para armas de infantaria e, dependendo da operação, entre trinta e quarenta mil cargas de artilharia a cada 24 horas. O Primeiro Exército consumia mais ou menos a mesma coisa, talvez um pouco menos, visto que o general de divisão Courtney Hodges, o comandante, era um tanto menos perdulário do que Patton. Essa demanda foi suprida pelo Comando de Suprimentos através de uma proeza logística que recebeu o nome de “Red Ball Express”.

Tratava-se de uma linha sem escalas de caminhões que ligava os enormes depósitos armados na Normandia diretamente aos exércitos em campo. A idéia veio do primeiro-tenente John Bridener Guthrie Jr., oficial da reserva lotado numa unidade de  suprimentos. Guthrie, que chegou ao fim da guerra como major ad hoc e foi condecorado pelo feito, conseguiu organizar o plano em apenas 36 horas. Em sua época de maior atividade, o “Expresso Bola Vermelha” chegou a empregar, de uma vez, quase 6.000 caminhões que rodaram dia e noite, numa média de velocidade de 75 km/h, transportando mais de 12.300 toneladas de suprimentos, metade das quais constituída por combustíveis.

O plano foi lançado em 25 de agosto de1944. O nome vinha do fato de que o percurso era marcado por placas estampando enormes bolas vermelhas. As estradas marcadas com a “bola vermelha” eram interditadas a qualquer espécie de tráfego civil, inclusive de pedestres, e recebiam apenas viaturas de alta prioridade. Por volta de dezembro de 1944, a disponibilização do portos de Caen e Antuérpia, bem como a reorganização da rede ferroviária francesa permitiram que os caminhões fossem colocados novamente em seu regime normal de trabalho. Um sistema semelhante, em escala menor, foi acionado novamente durante a Batalha do Bulge (a contraofensiva das Ardenas).

A palavra “proeza” não é exagerada para descrever essa operação: três divisões de infantaria ficaram totalmente sem caminhões, requisitados pelo comando. Segundo depoimentos dados depois da guerra, o “Expreso Bola Vermelha” foi uma aposta arriscada. Impossibilitadas de se deslocar pela falta de transportes, as divisões de infantaria que ficaram sem caminhões talvez pudessem fazer falta, como unidades combatentes, nunca se sabia. Mas o problema é que as viaturas, os caminhões de três eixos, 6X6 capacidade de 2,5 toneladas (o principal deles era o GMC CCKW) iriam ser totalmente detonadas: rodavam sobrecarregadas, em velocidades superiores às razoáveis, dirigidas por motoristas inexperientes e intencionalmente não eram submetidas aos padrões usuais de manutenção do Exército dos EUA. O consumo de combustível aproximava-se de 1 milhão de litros diários – quase o mesmo que os exércitos em campanha que abastecia.

Além do mais, os motoristas eram em sua maioria negros convocados a partir da Guarda Nacional, num exército ainda totalmente segregado. As unidades de transporte eram comandadas por oficiais brancos, e os efetivos passavam por um treinamento especializado que durava, em média, três dias, além das seis semanas de treinamento básico de infantaria. Diante da alta média de acidentes, correu o boato de que os motoristas, por serem negros, não exergavam bem à noite. É muito provável que os inúmeros atropelamentos de civis e de gado, e os acidentes registrados se devessem mais ao baixo padrão de treinamento e à manutenção deficiente do que a qualquer dificuldade visual dos motoristas.

Dentre outros, a falta de sono era reconhecida como um problema. Os motoristas eram frequentemente obrigados a dirigir durante doze horas, à noite, sem intererrupção, em condições estressantes: comboios com excesso de veículos, iluminados apenas por luzes  de blecaute e em alta velocidade. Foram registrados alguns ataques realizados por caças bombardeiros da Luftwaffe, mas, aquela altura, esse era o menor dos problemas do “Expresso Bola Vermelha”. De toda maneira, unidades de artilharia antiaérea ligeira acompanhavam os comboios, embora fossem consideradas desnecessárias.

Ainda hoje se discute se o “Expresso Bola Vermelha” foi mesmo uma boa idéia, mas o fato é que a crise dos suprimentos exigia soluções radicais. O Exército dos EUA aprendeu muito com a operação dos comboios de transportes, e a organização de unidades dessa especialidade, na corporação, ganhou em eficiência após essa operação. E, sem dúvida, os milhares de motoristas e auxiliares que viviam praticamente dentro de seus caminhões e perderam noites de sono na estrada e dias preciosos da vida – quando não a própria vida – deram enorme contribuição para mandar o fascismo para a lata de lixo da história. Em seguida, um “videoclipe” que achei… Vocês sabem onde. A música é de autoria do cantor “country” Scott Miller. Admito que não é lá grande coisa, mas como eu gostaria de ver um de nossos grupos de rock, ou, quem sabe, o Antônio Nóbrega, fazendo uma música em homenagem a nossos pracinhas…::

Sobre avanços notáveis e recuos explicáveis::Leopard 1, EE T1 Osório e o destino da indústria de blindados no Brasil::

Vamos continuar no assunto.  No último post, falamos alguma coisa sobre o M8 Greyhound, que viria a se tornar um dos grandes sucessos de um dos grandes sucessos do regime militar brasileiro: a Indústria Nacional de Defesa (que chamaremos, a partir de agora, pelo carinhoso aplido de “INF”). Pois é  – por incrível que pareça, aconteceram, durante o período em que vigorou a “Redentora”, avanços notáveis. Sei que muita gente talvez discorde, um desses “avanços notáveis” foi a IND. Nos anos 1980, chegou a ser criada no país certa capacidade de projetar e fornecer equipamentos dos quais as FFAA brasileiras. Os governos civis posteriores à redemocratização deixaram o setor de defesa definhar até quase acabar, em função de políticas equivocadas, particularmente nos dois períodos FHC. Não vamos propriamente falar da indústria de defesa e de seu quase desaparecimento, nos anos 1990, mas sobre uma das mais interessantes experiências do período, que alcançou a capacidade de produzir um blindado capaz de competir com os fornecedores tradicionais. Esse artigo resultou de uma pesquisa que, embora tendo resultado em dados muito interessantes, ficou muito longa. Pois bem: para aumentar a diversão dos dez ou doze assíduos, publicaremos em três partes::

Com a aquisição de 250 Carros de Combate Leopard 1A5 pelo Exército Brasileiro fica consolidada a opção por este veículo como espinha dorsal de sua Arma Blindada. Atualmente, existe um número que alcança pouco mais de 350 unidades. Esses veículos substituíram totalmente os carros de combate leves M41C que durante mais de quarenta anos foram a espinha dorsal as unidades de blindados do EB. A opção por estes modelos, iniciada em meados dos anos 1990, tem uma história complicada, que se articula ao esforço desenvolvido a partir dos anos 1950, em desenvolver uma indústria de armamentos nacional.

Mas não é do Leopard 1 (ou “Leo”, como tem sido chamado no EB) que iremos falar. O tema, aqui é o EE T1 “Osório”, ponto máximo do conjunto de processos que, dentre outras consequências, tornou o Brasil um dos maiores produtores de blindados do Ocidente. O “Osório” foi a cristalização da tentativa de criar um carro de combate pesado brasileiro, capaz de disputar com os modelos mais avançados então existentes. O projeto foi desenvolvido pela empresa Engesa S.A. (acrônimo de “Engenheiros Especializados”), empresa paulista de mecânica fundada no início dos anos 1960. A No auge do regime militar, a empresa chegou a ser uma das cinco maiores fabricantes de material bélico do mundo com exportações para mais de 50 países.

O projeto do “Osório” foi desenvolvido nos anos 1980, e, embora concebido por engenheiros civis, acompanhava as idéias sugeridas pelos especialistas militares, que pretendiam reorganizar a arma blindada do EB. A intenção de produzir um blindado sobre esteiras no próprio país surgiu, por um lado, do sucesso da indústria nacional com os blindados sobre rodas, e, por outro, da recusa dos EUA, desde os anos 1950, em fornecer armamento atualizado para os países latino americanos. O fornecimento, financiado pelos programas de assistência militar implementado pelos EUA no âmbito dos tratados de defesa hemisférica, era realizado conforme a visão dos EUA da posição estratégica secundária ocupada pela América Latina, no contexto da Guerra Fria. No início dos anos 1960, diante da necessidade de modernização das FFAA brasileiras, alguns lotes de tanques leves M41A3, um tanque leve, foram cedidos atraves do Programa de Assistência Militar. O EB chegou a cogitar a aquisição de tanques pesados, mas a recusa dos EUA em fornece-los e a falta de recursos para adquirir modelos europeus fez o projeto ser engavetado.

A partir dos meados dos anos 1960, a renitente insistência dos EUA em recusar ao Brasil acesso a armamento atualizado fez com que as autoridades brasileiras procurassem os governos europeus. Esta iniciativa daria alguns resultados, mas também mostraria limites. Os europeus se mostravam renitentes em vender a um país que vivia com problemas de recursos. Nesta época, a situação parecia ter mudado: em função do “milagre brasileiro”, os recursos pareciam não ser problema. Assim, os europeus pareceram ver com bons olhos a oportunidade de vender ao Brasil – Inglaterra, França e Alemanha fecharam grandes contratos com o Brasil, entre os  final dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1970. Neste ponto, a interferência dos EUA mostrou-se um obstáculo – os acordos de restrição davam aos diplomatas e militares norte americanos a prerrogativa de resolver quais equipamentos europeus poderiam ser vendidos ao Brasil. Aqueles que incorporassem tecnologia de ponta ou peças de origem norte-americana poderiam ter a venda embargada.

No entanto, este era apenas um dos problemas. Mesmo que fossem encontrados fornecedores mais amigáveis, grandes compras não resolveriam todos os problemas do cotidiano. Os equipamentos das FFAA encontravam-se, nesta época, perigosamente obsolescentes, quando não fora de operação. Em princípio, seria preciso trocar quase tudo, e diante das prioridades de planejamento estratégico, o EB acabava ficando em último lugar. Restava à Força Terrestre tentar se virar com o que estava disponível – no caso, enormes quantidades de materiais fabricados nos EUA durante a 2ª GM ou nos anos posteriores. Nessa época, começaram a ser concebidos alguns projetos de repontencialização dos blindados de origem norte-americana disponíveis em números consideráveis nas FFAA brasileiras. O uso extensivo de material de segunda mão pelas Forças de Defesa de Israel e pela África do Sul, com momentos de grande sucesso, como a Guerra dos Seis Dias, era acompanhado com grande interesse por setores técnicos do EB. O ponto forte dessa opção é que, desde os anos 1950, havia no país uma dinâmica indústria mecânica voltada para a produção de veículos automotores, implementos agrícolas e máquinas em geral. Essa indústria mostrou-se capaz de sustentar projetos do tipo, visto que a tecnologia de motores usadas em tratores e caminhões era muito semelhante à utilizada em veículos militares. E durante a guerra,  as indústrias metal mecânica, automobilística e de transportes tinham tornado os EUA o “arsenal da democracia”.

Os projetos eram desenvolvidos pelos Parques Regionais de Motomecanização do Exército, enormes oficinas industriais equipadas para a manutenção do equipamento militar. Essas oficinas tinham sido criadas nos anos 1940, quando o afluxo de equipamento de origem norte americana, observado após o fim da 2ª GM tornou necessário montar a infra estrutura de suporte que permitiria ao próprio EB manter seus novos equipamentos funcionando. Com o tempo, diante da necessidade de manter operacionais equipamentos já obsoletos, os engenheiros do Exército começaram a projetar modificações nesses equipamentos, conforme eram estabelecidas demandas pelas forças blindadas e motorizadas. Eram realizadas experiências para a adaptação dos veículos à tecnologias mais modernas, ou pelo menos não tão desatualizadas quanto aquelas aplicadas ao equipamento. Outra questão encarada pelos engenheiros militares era o fato de que os equipamentos tinham características bem pouco econômicas, como o uso de motores a gasolina e de peças de reposição que tinham de ser encontradas no mercado externo, a preços proibitivos. Este talvez fosse o principal problema.

Alguns veículos eram modificados e serviam para avaliar as mudanças propostas. O principal objetivo buscado era sempre conseguir fazer modificações que tornassem a operaçao menos complexa e mais econômica. Uma vez considerados prontos, eram escolhidas indústrias que fossem capacitadas para desenvolver os projetos. Entre 1965 e 1980, toda uma série de veículos blindados norte-americanos foi modernizada e, em alguns casos, reconcebida – como foi o caso do carro de combate X1A2, “Carcará” desenvolvido a partir de uma proposta do Exército a partir do M3A1 “Stuart”, que existia em grande quantidade no país a 2ª GM. A conjuntura vivida pelo país nesta época – o “milagre brasileiro” – favorecia a parceria do EB com certos ramos da indústria, que viam nas necessidades da corporação um nicho de mercado a ser explorado.

Mas os motivos são mais amplos, alguns de ordem econômica e outros de ordem não econômica que levaram à implementação da IND no país. Dentre os da ordem não econômica, talvez o mais importante seja estratégico: o país procurava garantir-se contra a interferência político diplomática, em particular dos EUA, sobre a aquisição de equipamento militar; dos motivos de ordem econômica, a produção de armamento poderia estar no âmbito das políticas de substituição de importações, que eram buscadas no país desde os anos 1950. É lógico que as duas ordens de motivos se combinam, e não se pode falar apenas em uns ou outros, mas o fato  é que os motivos políticos parecem anteceder os econômicos, e tiveram peso maior no início do processo.

O interesante é que a prática de repotencializar equipamento obsolescente criou na indústria certa capacidade de fazer projetos. Isso vinha desde os anos 1950, quando o Centro Tecnológico do Exército (CTEx), criado a partir de um departamento de normalização para armamentos e munições, começou a desenhar projetos de armas. Alguns desses projetos foram repassados para empresas privadas selecionadas em função da capacidade de desenvolve-los.

A história é longa. Continuará com outra parte ainda esta semana e a última, dentro de uns dez dias::