Atualizando os velhos camaradas e uma notícia estapafúrdia::

Estava eu inventando desculpas para não começar a trabalhar (não vivo do causa::, infelizmente, mas quem sabe um dia…), quando tive a idéia de visitar o ótimo blogue do Comandante James Bond (i.e. MBSantigo Jr), e tive a surpresa de descobrir que, mais uma vez, o Comandante mudou de endereço. Não tem problema – dentre os que conheço, ainda é o melhor redator de blogues: elegeu um objeto inusitado, os temas abordados são interessantes e sobretudo, os textos são muito bem escritos e complementados. O comandante Bond sempre gostou muito de falar de armamento, e fala bem, principalmente porque consegue a proeza de colocar bom humor num assunto que pode ser tudo, menos bem humorado. Esta característica sempre me desperta uma vontade danada de comentar os postos específicos, e, desta feita, encontrei dois deles. Não que discorde do conteúdo, mas porque fico achando que poderia, quem sabe, acrescentar alguma coisa (é inveja, mesmo  – quem quiser dar uma olhada, clique aqui e aqui, leia o texto e, em seguida, vá até os comentários). O fato é que, procurando dados para complementar meus comentários, acabei dando de cara com um que achei extremamente interessnte. Pois é – passo ao assunto, com o devido reconhecimento do comandante Bond::

É fato que a União Soviética foi, durante as décadas posteriores à 2ª GM, foi a maior produtora de armas do mundo. Os EUA ficavam em segundo lugar, mas não exatamente porque abominem as armas e amem a paz, mas porque seus aliados, notadamente Inglaterra (terceirona) e Alemanha (a partir dos anos 1960, quarta, com honras), as produziam em quantidades mais do que suficientes. A URSS, ao contrário: tinha de equipar seus mais de três milhões de militares e mais de um milhão de policiais militarizados, e suprir boa parte das necessidades dos cerca de dois milhões de militares de seus aliados do Pacto de Varsóvia.

A questão é que, desde antes da guerra, os planejadores soviéticos, seguindo as diretrizes emanadas da ditadura stalinista, colocaram muita ênfase na indústria militar. Não é por outro motivo que, em 1939, os soviéticos tinham mais tanques, peças de artilharia e aeronaves do que qualquer outro país, inclusive a Alemanha. Por sinal, a Alemanha não seria termo de comparação – as FFAA soviéticas eram três vezes maiores do que as alemãs.

Foi o planejamento centralizado, implantado no final dos anos 1920, que permitiu, através do direcionamento dos recursos disponíveis, fortalecer certos ramos da produção em detrimento de outros, e certas regiões, em detrimento de outras. Numa economia capitalista, as demandas do mercado indicam para onde se voltam os investimentos e a competição determina o dinamismo econômico; numa economia socialista, os investimentos são decididos de antemão, segundo o que seriam, na opinião dos planejadores, as necessidades da sociedade como um todo. A “coletivização da agricultura”, uma espécie de reforma agrária feita à ponta de baioneta, é um exemplo radical de como funcionou essa coisa. A reorganização da agricultura liberou, em cinco anos, recursos que se encontravam presos, de forma arcaica e improdutiva, nas inumeráveis propriedades pertencentes a milhões de camponesses, que não tinham sido atingidos pela Revolução de 1917 e ainda continuavam numa economia de base capitalista e especulativa. Isso significou que terras cultiváveis, gado, fontes de água, áreas potencialmente produtoras de madeira e minerios, foram desapropriadas, e a mão-de-obra excedente, desalojada pela racionalização da produção agrícola, extrativista e minerária, foi deslocada para outros setores da produção, notadamente a indústria. Esses recursos entraram no circuito econômico repentinamente, e permitiram um notável surto econômico. Por outro lado, e ao mesmo tempo, esse processo provocou uma verdadeira epidemia de fome em regiões que, apesar da miséria endêmica, não conheciam a escassez de comida. Os “Planos Quinquenais”, que aconteceram junto a esse processo, estabeleceram metas de produção, que eram pensadas paralelamente às metas econômicas.

Deu certo? Deu: em uma década, o PIB sovietico cresceu mais de cem por cento. O dinamismo soviético impressionou até mesmo grandes capitalistas norte-americanos e europeus. Por outro lado, o Estado determinava tudo (o que mais tarde revelou-se um problema), inclusive como seriam direcionados os investimentos públicos. A guerra enfrentada entre 1918 e 1920, que envolveu inclusive a participação de tropas estrangeiras, e vencida pelo recriado Exército Vermelho, organizado por Trotsky e por alguns oficiais militares convertidos ao socialismo, convenceu os novos governantes que, antes de qualquer coisa, a URSS precisaria de armas, e que não as conseguiria do exterior. Assim, desde antes da implantação dos “Planos Quinquenais”, foi posta grande ênfase naquilo que, hoje em dia, chamamos “indústria de defesa”. Depois da 2ª GM, a URSS, com grandes planos expansionistas, não chegou a desmobilizar suas enormes FFAA, até pelo contrário. O setor militar foi reforçado, e, em decorrência disto, também outros setores relacionados, particularmente a pesquisa básica, a pesquisa aplicada, as universidades e os laboratórios especializados. A vantagem inicial soviética na corrida espacial, por exemplo, deveu-se à pesquisa desenvolvida para conseguir vetores funcionais que levassem até o território norte-americano as bombas nucleares conseguidas no início dos anos 1950. Os lançamentos de satélites e de “cosmonaves” conduzindo animais e, pouco depois, homens, deveram-se aos testes com sistemas que permitissem calcular de modo eficaz as trajetórias e pontos de impacto dos vetores, bem como monitorá-los e influir nas diversas fases do vôo. Ou seja: a corrida espacial é um produto da corrida armamentista que caracterizou a Guerra Fria. A superioridade inicial dos soviéticos devia-se a necessidades militares prementes, as quais os norte-americanos, inicialmente, pensavam não ser preocupação.

O fato é que a sociedade soviética era, bem mais que as ocidentais, uma sociedade altamente centralizada e burocratizada – quer dizer, a aplicação das decisões implicava numa capilaridade perversa (a expressão é do teórico alemão oriental Rudolf Bahro, no livro Crítica ao Sorex – Socialismo Realmente Existente). Segundo esse teórico, que conseguiu a proeza de ser dissidente nas duas Alemanhas, numa ordem dominada pelo aparato do estado e do partido, que monopoliza todo o poder, e que sufoca a vitalidade da ordem econômica e social, por sufocar a prática política, a posse dos meios de produção significou, simplesmente, seu controle pela máquina do estado.  Dizendo de outra maneira, o planejamento centralizado poderia até ser eficiente para certos aspectos da organização econômica, mas não chegou a resolver certos nós da economia propriamente dita.

Um desses nós é que, no capitalismo, a competição determina o dinamismo econômico: as indústrias querem, em última análise, lucrar, e, independente das explicações teóricas, na prática isto só acontece se os produtos forem vendidos. A inovação acaba sendo fator determinante no processo como um todo, pois possibilita melhores produtos para enfrentar a competição. Na sociedade socialista, em princípio, o Estado seria o dono de tudo, o que tornaria quase desnecessária a competição. Existia, é claro, um “mercado socialista”, balizado – pelo menos segundo os teóricos socialistas – pelas reais necessidades da sociedade. Na prática, o que aconteceu, de fato, é que o “planejamento socialista” criou uma burocracia gigantesca, cuja função última era manter o poder político. Boa parte desse enorme conjunto de funcionários acabava por duplicar (quando pouco…) o trabalho das outras partes, e gerava, no processo, enorme ineficiência. Não é que faltasse recursos – estes existiam, até em boas quantidades, mas eram mal distribuídos ao paradoxo; não é que a mão de obra fosse de baixa qualidade – o problema era a política de “pleno emprego socialista”, que impedia o gerenciamento eficaz do trabalho; não é que os produtos fossem mal concebidos – o problema é que entre a prancheta e a fábrica, o processo era de tal forma complexo, confuso e desorganizado que acabava sendo mais simples colocar um satélite em órbita do que produzir bicicletas de boa qualidade.

Tudo acabava na dura realidade de que os países socialistas – URSS à frente – apesar dos feitos no campo social, não conseguiam nem chegar perto dos padrões econômicos do Ocidente, embora tivessem igualado e, em certos casos, até superado os ocidentais em áreas como a educação, as ciências puras, certos ramos da medicina, da produção agrícola, e por aí vai. Uma questão discutida até a exaustão entre os comunistas de todo o mundo era o motivo da União Soviética não conseguir igualar a qualidade de vida dos países capitalistas em coisas simples como, por exemplo, a distribuição de bens de consumo. As explicações por vezes chegavam a ser pueris – “na URSS as pessoas são mais conscientes da necessidade de  fazer sacrifícios” ou “na URSS todos tem suas necessidades resolvidas, de modo que não sobra muito para os gastos conspícuos e suntuários”. O fato que não podia ser amplamente debatido é que o ambiente de liberdade não apenas incentivava a competitividade como a criatividade. No Ocidente, não eram apenas os artistas que podiam fazer o que bem entendessem, mas também os pensadores e cientistas. Na URSS, a partir do stalinismo, o estado se metia a determinar até mesmo o que era “arte socialista”, e chegaram a absurdos como tentar estabelecer a existência de uma “biologia dialética”, em oposição à uma “biologia burguesa”. O fato é que nem todo mundo se dispunha a achar aceitável o horrível “realismo socialista” ou tentar encontrar a dialética na natureza, e daí, milhões de pessoas tornavam-se pouco confiáveis aos olhos dos detentores do poder. O resultado é que o estado desconfiava de tudo e a sociedade era estritamente vigiada. Após a desestalinização da era Khrushchev (1953-1964), certas bobagens, embora não admitidas oficialmente, passaram ser toleradas, como o contrabando de músicas dos Beatles – que eram extremamente populares entre a juventude soviética -, o uso de calças blue-jeans fabricadas a partir de macacões distribuídos aos operários e a leitura de histórias em quadrinhos francesas e alemãs. Mas os aspectos falhos do socialismo não podiam ser debatidos, pois perigava de se chegar até os nós do regime, tais como o excesso de centralismo, a burocracia como entrave ao planejamento e a má organização econômica como razão para a incapacidade distributiva. A ideologia, veiculada através do aparelho de estado acabava por explicar tudo. Claro que havia ideologia na sociedade ocidental, mas esta transitava dentro de limites bem mais estreitos que na União Soviética e o amplo debate, por vezes autofágico, tornava mais difícil o controle da opinião – e da criatividade.

A ineficiência soviética manifestava-se até mesmo nas áreas do mais alto interese do estado. Um dos ramos da indústria que, internamente, era menos ineficiente era a indústria de defesa. Durante a 2ª GM, a URSS deu uma demonstração de vontade coletiva e determinação que certamente será difícil de encontrar em outros eventos, ao longo da história. Por outro lado, é sempre preciso esclarecer que, não fosse o apoio dos aliados, notadamente dos EUA, a URSS provavelmente teria sucumbido. Mas o apoio aliado se deu principalmente em termos de alimentos, matérias primas e insumos (por exemplo, enorme quantidade de gasolina de aviação e lubrificantes de vários tipos, bem como produtos químicos diversos foram cedidos à União Soviética ao longo da guerra). Os equipamentos bélicos (tanques, aeronaves, armas pesadas e individuais, munição) e outros equipamentos foram fabricados pela indústria soviética, cuja eficiência e capacidade de improvisação tornaram-se quase lendários.  Terminada a guerra, as forças soviéticas tinham um efetivo de aproximadamente 15 milhões de homens e mulheres (e crianças, já que adolescentes de até 13 anos foram convocados), mas estavam também equipadas com 40.000 tanques, 80.000 veículos blindados de todos os tipos, 100.000 canhões de todos os tipos, 700.000 veículos não protegidos, cerca de 30.000 aeronaves de todos os tipos, aproximadamente 300 belonaves de primeira linha (dentre as quais 150 submarinos) e 2.000 outros navios de uso militar. Os especialistas concordam que oitenta por cento desta quantidade saiu de linhas de produção soviéticas. Outras fontes dizem que boa parte dos caminhões e outros veículos não protegidos foi também fornecida pelos EUA. O importante, no caso, é que quando as hostilidades se encerraram, praticamente os únicos setores da produção soviética que estavam plenamente organizados eram aqueles voltados para suprir as necessidades militares. Existiam instalações industriais gigantescas, organizadas segundo um processo semelhante ao fordismo, denominado “stakhanovismo“, capazes de produzir em escala comparável a do Ocidente.  Um exemplo espetacular é a cidade de Chelyabinsk, sítio de inúmeras indústrias metal-mecânicas e químicas instaladas nos anos 1930. A partir de 1941, a lugar começou a receber as plantas industriais responsáveis pela produção do tanque médio T34, e rapidamente as indústrias locais voltaram-se para atender exclusivamente ao fabrico do blindado, que, durante toda a guerra, chegou a números de quase 50.000 unidades.

Uma dessas fábricas gigantes é a IZH, também conhecida como “Izhmash”. Situada na cidade de Izhevsky, esta indústria metal-mecânica foi fundada em 1807 e estatizada em 1928. Sempre associada à fabricação de armas leves, Izhmash tornou-se, durante a 2ª GM, a principal fornecedora de armamento individual para os expercitos da URSS. na segunda metade dos anos 1940, com as submetralhadoras descontinuadas, a empresa voltou-se totalmente para a produção do fuzil de assalto Kalashnikov AK47 e todas as suas variantes. Calcula-se que, dos 80 milhões de AKs existentes (algumas fontes falam em 100 milhões), algo em torno de 55 milhões tenha saído das linhas da IZH. Desde a guerra do Vietnã, essa arma encontra-se nas mãos de praticamente todos os combatentes de guerrilha e milicianos do mundo, além, claro, de milhões de combatentes e policiais regulares (causa:: já publicou um longo estudo sobre essa venerável família de armas de infantaria).

Qual a razão da existência de tantos AKs? Segundo especialistas da própria Rússia, o temor perene de uma guerra com o Ocidente, principalmente a partir dos anos 1950, fez com que a URSS investisse na indústria de defesa enorme quantidade de recursos. Depois do fim da 2ª GM, enquanto o Ocidente, em particular a Europa, procurava desmobilizar rapidamente suas FFAA, a URSS manteve as dela, como forma inclusive de manter quietas as populações dos países, em sua esfera de influência, tornados socialistas. Desde o período stalinista, as forças armadas soviéticas, por qualquer padrão, eram, mesmo em tempo de paz, gigantescas. Em caso de guerra – guerra que, segundo as lideranças, era sempre iminente – o país deveria ser capaz de mobilizar rapidamente milhões de reservistas, o que significava dar-lhes armas e equipamentos muito rapidamente. Foi assim que a produção de equipamento bélico cresceu de modo exponencial. Um motivo que deu argumentos às lideranças comunistas foi a Guerra da Coréia. Embora os chineses tenham se saído bastante bem em garantir a sobrevivência do regime norte-coreano, pareceu claro que apenas uma grande quantidade de tropas mobilizadas rapidamente e se deslocando em alta velocidade poderia compensar a arrasadora superioridade aérea do Ocidente. Ainda assim, a vantagem chinesa, conseguida conseguida através da rápida intervenção de mais de 300.000 “voluntários” através da fronteira, dependeu de um fluxo constante de armas e munições, inclusive várias centenas de aeronaves inicialmente pilotadas por soviéticos depois, por chineses. A quase totalidade das armas era proveniente dos enormes estoques que tinham “sobrado” da “Grande Guerra Patriótica” (como o soviéticos chamavam a 2ª GM): submetralhadoras PPSh, tanques T34, canhões ZIS-3 de emprego geral, foguetes Katyusha montados em caminhões GAZ. Tal procedimento não deve provocar estranheza, porque os EUA fizeram exatamente a mesma coisa: lutaram com os estoques de armas estocadas desde a 2ª GM. Apenas a partir da metade do conflito algumas novidades foram sendo introduzidas. Só que as novidades soviéticas dificilmente chegavam aos seus aliados orientais, em função da desconfiança que sempre atravessou as relações sino-soviéticas.

Como já vimos aqui mesmo no causa::, o AK47 surgiu em 1947 mas levou pelo menos dez anos até chegar às mãos das forças regulares em números consideráveis. A partir de 1956, a produção começou a crescer, conforme a arma passou a equipar as FFAA dos países satélites, geralmente produzidas pela própria indústria local. Ainda assim, ao longo de trinta anos, uma quantidade astronômica saía da Izhmash, boa parte da qual acabou em depósitos. Esses depósitos foram parcialmente esvaziados ao longo da Guerra do Vietnã – ao contrário do que parece, a maioria das armas utilizadas pelo Vietnã do Norte era de origem soviética, e não chinesa. Bem antes de 1974, quando começou a difusão do AK74, as armas estocadas já eram distribuídas para exércitos de países do Terceiro Mundo, nos quais a URSS buscava influência. Assim, todas as nações do Oriente Médio receberam grandes quantidades do fuzil soviético e algumas delas, como o Egito se tornaram capazes de produzir cópias autóctones; a Índia recebeu enormes quantidades, e depois passou a fabricá-las localmente; Bangladesh poderia não ter lá muita comida para seus 140 milhões de habitantes, mas tinha muitos AKs fornecidos pela URSS e pela Índia; Iraque, Sudão, Nigéria, Angola, Moçambique, Rodésia, Iran, etc., etc., beberam todos nas enorme capacidade soviética de produzir AKs de todos os tipos. Os movimentos insurrecionais também, mas a maior parte das armas soviéticas que lhes chegavam era fornecida através de traficantes, que constituiam uma espécie de versão eficiente da tal “capilaridade perversa”.

Com a crise da URSS, o fim da política de disputa global com os EUA e a crise econômica que comprometeu todos os ramos do estado soviético, a Rússia já não tinha nem disposição nem recursos para financiar exércitos e movimentos insurrecionais pelo mundo. Ainda assim, os AK, fossem 47 ou 74 continuaram chegando em grandes quantidades aos interessados. Por outro lado, a incapacidade russa em subsidiar as vendas as fez cair notavelmente, isto somando-se ao fato de que o ex-bloco soviético também começou a desovar seus próprios estoques. Como a Izhmash não parou de produzir AK74 (o modelo 47 teve sua produção muito reduzida a partir dos anos 1980, mantida apenas uma linha voltada para exportação), a Rússia continuou a comprá-los. O que faz sentido, já que, na época, as armas de infantaria eram praticamente o único produto da IZH, que também produzia (e continua) outras armas militares, armas esportivas, carros e motocicletas. O fato é que a perda do mercado cativo da União Soviética criou enormes problemas para a empresa, e a Rússia continuou com os subsídios da época do comunismo.

O problema é que a Rússia não podia dar-se ao luxo de deixá-la falir ou ser comprada, a preço de banana, pela diretoria, como aconteceu por exemplo, com a indústria petrolífera e parte – a parte boa, lógico – da indústria química e da indústria mecânica). Izhmash, acredite se quiser, é agora praticamente a única fábrica de armas de infantaria da Rússia, pois as “filiais” que eram mantidas nas ex-repúblicas – por motivos exclusivamente políticos – passaram à propriedade dos novos governos. A ineficiência do processo mostrou, então, sua face real: não havia planejamento e  a direção da empresa insistia em manter a linha AK em produção sem levar em consideração a redução da demanda. A produção era mantida artificialmente alta, pois fossem quais fossem os números, as FFAA e as forças policiais as compravam, por determinação do governo.  Para piorar as coisas, o AK74 e suas variantes se mostravam ultrapassados desde os anos 1980. Diante da demanda das FFAA por uma nova arma, a empresa insistia em apresentar modelos que não passavam de variantes da família AK, que eram sistematicamente recusados pelas forças armadas.

No momento, a IZH está trabalhando em uma nova versão do AK, destinada a substituir todas as anteriores – esta seria denominada AK12. Segundo a empresa, os testes de campo, em unidades operacionais do exército de da marinha russos deverão se iniciar antes do fim do corrente ano. A questão é que Ministério da Defesa da Rússia tem mostrado muito pouco interesse pela nova arma, exatamente em função do fato de que se trata de uma maquiagem sobre o velho AK74 – a versão do AK para o cartucho 5.45X39 mm, que já acumula 38 anos de serviços. Embora a empresa – que atravessa sérias dificuldades desde os anos 1990 – afirme que se trata de um novo armamento, adaptado às demandas das modernas forças armadas e do moderno campo de batalha, projetada sem abandonar as qualidades que tornaram a família AK sinônimo de fuzil de assalto, especialistas têm dito que, de fato, se trata de um projeto muito parecido com o do AN94 Nikonov, um aperfeiçoamento do AK74 projetado nos anos 1980 por um engenheiro da própria IZH, e que acabou distribuído apenas para forças especiais. O que parecia eficiência era, um planejamento cronicamente ineficaz arraigado por todo o estado soviético. Além do “caso Nikonov”, houve também a maluquice do AEK.

Trata-se do fuzil de assalto AEK971, desenvolvido pela  empresa Usina de Fabricação de Máquinas Kovrov, ligada ao ateliê engenheiro S.I. Koksharov. A arma foi desenhada para participar do concurso “Abakan”, no final dos anos 1980, vencido pelo Nikonov. Apesar de ter sido desqualificado, o AEK971, que, de fato, já estava em produção, foi oferecido às forças policiais e para exportação. No início do século 21, pequenos lotes foram fabricados por encomenda do Ministério dos Negócios Interiores, que tinha suas próprias tropas, um grupo de forças especiais (Spetsnaz) especializadas em lidar com distúrbios civis, que teve importante papel em garantir o governo Gorbatshev, quando da tentativa de derruba-lo. A arma não “colou” de jeito nenhum, e quando a Krokov foi reestruturada, em 2006, deixando de fabricar produtos militares, o AEK acabou de vez, por não ter compradores nem usuários. Embora o governo tenha ordenado que o maquinário usado para a produção militar fosse transferido para outra empresa, na mesma cidade, a diretoria da AEK, tendo “adquirido” a fábrica, recusou-se a executar a transferência, sob a alegação que se tratava de patrimônio privado. O AEK, como não podeia deixar d ser, era outro clone maquiado do AK74.

O fato é que se fala cada vez mais, nos círculos profissionais de defesa da Rússia, na necessidade de um fuzil de assalto totalmente novo. Como o sistema Future soldier já está sendo discutido lá, tanto quanto nos EUA, França, Alemanha, Inglaterra e até mesmo no Brasil, a questão do armamento individual torna-se premente. Mas o que fazer com as quantidades oceânicas de AKs em depósito? Planejadores do Exército declararam, ano passado, que a quantidade de AK74 era “mais de dez vezes superior às necesidades das forças armadas e policiais pelos próximos anos”, citaram números  de 17 milhões de exemplares. Em função desse excesso, e do desenvolvimento, em curso de uma nova arma individual, que deverá substituir todo o armamento das FFAA russas, a aquisição de unidades novas de fábrica foi interrompida, por determinação do Chefe do estado Maior Geral das FFAA russas, general de exército Nikolai Makarov. Por enquanto, a “nova” arma é o AK200, que não passa de outra versão do AK74, com algumas novidades visando fazê-la parecer mais moderna, e já pensando na provável recusa do AK12::

A batalha do Rio de Janeiro::The show must go on::

Acabo de escutar no rádio que a entrada das forças policiais-militares no Complexo do Alemão começou hoje, e está acontecendo sem resistência. Parece que a “batalha do Rio de Janeiro” se encaminha para o fim. Segundo um oficial superior da PMERJ, do estado-maior da operação, estão empenhados em campo uns dois mil homens, força com o efetivo de três batalhões de infantaria motorizada leve (caso somemos, apenas para termo de comparação, policiais militares – por volta de 600 –, fuzileiros navais – uns 100 –, pára-quedistas – uns 800 – e policiais civis estaduais e federais – uns 600), apoiada por elementos aéreos. Ainda não se sabe se os criminosos, diante do deslocamento das forças do Estado e sua exibição de poder, abandonaram suas “armas pesadas” e apelaram à maior vantagem de que desfrutam: são, em boa parte, membros daquela comunidade e se ocultam em meio a ela. Estão, como dizia Mao Zedong, “como peixes dentro d´água”. Respeitemos, entretanto, o inventor das modernas táticas de guerrilha. Quem ler a carta de Mao, escrita em 1920, verá que ele fala o tempo todo de organização política. Guerra revolucionária é um fato político. Não é o caso do Rio de Janeiro. De fato, qualquer um que saiba do que fala não tirará conclusão diferente.

Ou seja: o “crime organizado”, investindo num confronto direto com o Estado, encontrou seus limites – bastante estreitos, diga-se de passagem. Não poderia ser diferente: como vimos no posto anterior, trata-se tão somente de uma turba de pés-rapados com armas longas, elevados à condição de “inimigos do Estado”. Como puderam chegar lá? A fórmula não poderia ser mais simples: três décadas de inércia e inépcia de todos os níveis de governo, absoluta falta de políticas públicas para amparar os setores mais desassistidos da sociedade, militarização da segurança pública e o sensacionalismo, por vezes irresponsável, da imprensa.

Esse sensacionalismo parece ter culminado com a exibição, em repetições intermináveis, das cenas, filmadas de um helicóptero, da fuga do “exército do tráfico”. Não havia o que analisar: eram apenas marginais armados, sem nenhum grau perceptível de organização ou disciplina, correndo para salvar a própria pele. Foi curioso (e, como sempre, irritante), ver a locutora global Fátima Bernardes tentando forçar o capitão reformado da PMERJ e analista de segurança Rodrigo Pimentel a encontrar naquela cena incompetência por parte das autoridades policiais e militares. Não conseguiu. E então, tome-lhe a repetição, ad nauseam, da mesma cena.

Todos que lêem causa:: regularmente (os – agora – dez assíduos, bem contados), sabem que moro em Belo Horizonte, depois de uma vida passada entre Rio de Janeiro e Petrópolis. O que talvez não saibam é que foi uma vida que passava diariamente em frente às favelas do Complexo do Alemão; uma vida olhando os campos de futebol, pistas de atletismo, escolas públicas, pracinhas, pequenas lojas. Me chamem de idiota, mas eu achava estranho ver pessoas, de manhã cedo, praticando jogging numa pista fronteira à Linha Vermelha. Favelado também se preocupa com a barriga?.. Pois é, aquilo não era “outro mundo”: eram cenas absolutamente comuns, até um pouco bucólicas. Foi um de meus encontros mais brutais com a realidade da ideologia. Tenho pensado muito nisto, nos últimos dias.

Deslocado para Minas, continuo carioca como era quando vivia em Petrópolis: sem nenhum entusiasmo. O Rio de Janeiro é minha cidade, para bem e para mal, só que, agora, à distância. Continuo consumindo muita informação sobre a cidade, mas pelo rádio, já que nem sempre tenho tempo para os jornais, e, depois do segundo turno da batalha de 2010, exige cada vez mais paciência aturar o PIG.

A batalha do Rio de Janeiro tem chegado até mim via rádio CBN, televisão, jornais e Internet, nessa ordem. Curioso: a mais antiga das mídias eletrônicas é ainda uma ótima fonte de informação. Os jornalistas “de campo” e “de redação” da CBN, que escuto via Internet, enquanto escrevo, parecem mais objetivos (não digamos “imparciais” – seria dizer besteira) que seus colegas da imprensa escrita e da televisão. Deve ser impressão, eu penso, mas parecem lidar com a informação de modo mais direto e, aparentemente, com menor distorção.

Em comparação, as imagens produzidas pela Rede Globo parecem saídas de um filme – na última quinta-feira, foi impossível não pensar em um filme. “Tropa de elite 3”? “A transmissão ao vivo e sem comerciais para o Rio de Janeiro da operação da polícia fluminense no Complexo do Alemão, uma espécie de Tropa de Elite 3, está rendendo muito ibope para a Globo” observou o jornalista Lauro Jardim, no dia da escalada militar, quinta-feira, 25 de novembro.

Ainda mais interessante foi o jornalista Merval Pereira. O dito gastou as duas mil palavras de sua coluna diária, que intitulou “Capitão Nascimento”, para desfiar um discurso incompreensível ao longo do qual disse não saber se o fato do “capitão” ter se tornado herói nacional ser “um bom sinal”. A coluna foi replicada dezenas de vezes, em dezenas de blogues conservadores. Não era possível entender direito o que jornalista pretendia dizer. Surpreendente: afinal, um renomado especialista em encontrar defeito e má-intenção em tudo que o governo federal faça ou deixe de fazer deveria conseguir ser mais direto. A explicação para a aparente paralisia verbal do MP, entretanto, estava clara: não só ele, mas a imprensa toda pisava em ovos, em função do aparentemente inesperado fato de que as autoridades estaduais (argh!), com apoio das federais (arghhh!!) estarem fazendo exatamente o que todos eles sempre reivindicaram, em situações do gênero: tomando uma providência (arghhhhh!!!), e pior ainda, com amplo apoio da sociedade.

Não vou esmiuçar o texto, cheio de contradições: ora a situação é grave, ora o tráfico é “poderoso”, ora a reação da polícia “deu a sensação de ter sido bem coordenada”, ora “a realidade lá fora mostrava uma cidade apavorada”. Mas… Lá fora onde, cara-pálida? Fora dos estúdios da Rede Globo? Possivelmente: a realidade “real” estava na tela da Globo, onde “tudo era mostrado ao vivo pelos helicópteros das televisões, que deixaram os telespectadores espantados com o poder de fogo dos bandidos, e a quantidade de pessoas envolvidas nessa guerra”. Segundo Merval, essa “realidade real” não estava nos planos do governo, que acabaria por render-se à evidência de que não pode com o tráfico. Pelo menos não este governo…

Mas havia o fator “apoio a eles”, então… Como meter o pau sem meter o pau? Claro, não pegaria lá muito bem falar mal do governo-estadual-incompetente-apoiado-pelo-governo-facção-federal-criminoso-que-nos-roubou-a-eleição. Mas se podia tentar, desenhando idas e vindas, nas quais a cada aparente elogio (“é preciso apoiar a ação do governo”) corresponde distorção igual e diretamente contrária (“mesmo que a Secretaria de Segurança não planejasse a ocupação da Vila Cruzeiro, ela se tornou inevitável depois que a TV Globo mostrou aquelas imagens…”). Ao fim e ao cabo, Merval não parece ter sido muito bem sucedido na tarefa de engarrafar fumaça, e, no dia seguinte (sábado), com a expectativa da “batalha sangrenta” contra 600 “criminosos armados” nas vielas do Complexo do Alemão – que infelizmente não aconteceu –, o “vibrante” resolveu soltar alguns de seus cachorros mais ferozes.

Mas tenho de agradecer ao MP (algum dia ainda vou fazê-lo pessoalmente): foi graças a ele que lembrei do livrinho magnífico do Guy Debord. Este artista (inventou os “itinerários afetivos”), crítico de arte e filósofo, morto em 1994, publicou, em 1967, um estudo intitulado “A sociedade do espetáculo” (o livro todo está na Internet – podem deixar para me agradecer depois…). Trata-se de uma obra complicada, toda escrita em forma de aforismos (ou “teses”, como diz ele). Na minha opinião, aquele que melhor sintetiza a idéia geral de Debord está logo no início e tem o número 2: “As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.”

Escutei, ontem, o comandante da PMERJ incitando os bandidos a se entregarem. Aplausos: bandido tem de ser preso. E ponto. É exatamente o que tenho dito, em algumas oportunidades, aqui no causa:: Hoje de manhã, o encarregado de relações públicas da corporação, tenente-coronel Lima Castro, continuava a convidar os marginais a se entregar. É curioso: aquilo que deveria ser decorrência – a autoridade emanada do Estado – acaba adquirindo uma espécie de aura de espetáculo. Declarações, embora pertinentes, de autoridades e especialistas de todos os graus, acabam parecendo bombásticas. A cobertura da imprensa transforma a re-imposição da autoridade do Estado sobre uma região do território nacional formal em mero espetáculo, sucessão de cenas dramáticas: tanques, tiroteios, helicópteros em manobras rasantes, gente ferida, armas em profusão. E o apoio da população, fato reconhecido pelo capitão da reserva da PMERJ e professor univeristário Paulo Storani – além de diversos outros – como “algo inédito em trinta anos”.

Se levarmos Debord em consideração, esse lado “espetáculo” da “batalha do Rio de Janeiro” era para ser esperado, visto que “… toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação.” A realidade se transforma em encenação, e autoridade do Estado só pode ser vivida através de um espelho. Não basta mais o tal “monopólio da aplicação da força”, de que falam os cientistas políticos, uma das bases do estado moderno, é preciso que essa condição seja um espetáculo. O espetáculo, ao mesmo tempo que é instrumento de unificação, é também relação entre os agentes sociais, que estabelecem relações através de imagens. O espetáculo é, ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente, e sendo projeto-resultado, repete-se de forma perene. O espetáculo cria sua própria condição de existência: “a liberdade ditatorial do Mercado temperada pelo reconhecimento dos Direitos do homem-espectador.”

Ou seja – a partir da tela da Globo se institui a “realidade real”, aquela “lá fora”. Mas se as imagens, “o espetáculo em geral”, não forem bem absorvidas, surge a imagem-da-imagem (resultado-projeto e projeto-resultado). A imagem-da-imagem não precisa ser explicada: está nas manchetes garrafais e fotografias sensacionalistas. Foi assim que o “vibrante matutino”, nosso bom e velho “O Globo”, tornou o TBP M113 o principal personagem do evento.

O interessante é que as reportagens nem mesmo chegavam a dar detalhes corretos sobre os veículos, que chamam, genericamente, de “tanque”. Faz diferença? Claro que não. O que importa são as imagens. As pessoas fotografavam a passagem das colunas blindadas em miniatura, como se quisessem perenizar o espetáculo. Até mesmo os intelectuais pareceram se entusiasmar com a imagem-da-imagem. O professor Viktor Izeckson (organizador de um ótimo livro sobre as forças armadas brasileiras), levou seu entusiasmo ao ponto de comparar a tática do BOPE à Blitzkrieg alemã. Claro, uma Guerra-Relâmpago tupiniquim jamais poderia ser um avatar da competência germânica. Segundo o professor Izeckson… “A Blitzkrieg iria além dos pontos e isolaria aquele ´exército´ (os traficantes) de maneira super-rápida. Ela deixaria bolsões de resistência, que seria aniquilados. A idéia é que parte do seu efetivo passe à frente do inimigo e a outra parte se mantenha avançando dentro do território.” Em português claro: a mini-divisão panzer carioca fez uma ofensiva de fancaria e deixou os criminosos escaparem.

Mas que seja – se as pessoas gostam de veículos blindados (seria uma forma mais correta de se referir a esses equipamentos), aproveitem. São, de fato, artefatos muito impressionantes, mas, em regimes de normalidade institucional, é raro vê-los fora dos quartéis. Mas eles estavam lá, fora dos quartéis. Talvez a imagem-da-imagem precise, pelo menos um pouco, ser explicada.

Volto ao ponto – ao Merval Pereira. Um especialista em falar mal do governo, apaixonado combatente da causa da liberdade de imprensa, se deixaria intimidar por uma Wehrmacht de tal forma mambembe?.. Não. O problema é que a imagem gera outra imagem, para que quiser ver. Merval a viu. Achei estranho que, a certa altura, ele tenha começado a se referir… ao “Urutu”. Sim, claro, todos sabemos que se trata do Engesa EE-11, transporte blindado de pessoal anfíbio, projetado no fim dos anos 1960 e atualmente sendo retirado de serviço, tanto no EB quanto no CFN. Foi um excelente produto da Engesa, exportado ao longo de dez anos para 16 países, a maioria do mundo árabe. Merval sabe muito bem que não haviam “Urutus” empenhados na ocupação da Vila Cruzeiro – o “vibrante” até que tinha cortado os dados técnicos dos veículos blindados direito, da Internet. Por que se referiu aos TBPs como “Urutus”? O fato é que “Urutu” se tornou também quase um símbolo da ditadura militar. Lá estava a imagem-da-imagem: os tanques saindo dos quartéis, onde deveriam ter ficado, em função da incompetência de um governo que não soube impor sua autoridade com os meios de que dispõe. Um governo que produz um espetáculo indevido, feito de imagens-equívocos. “A cada barreira que um Urutu ultrapassava parecia uma vitória da sociedade sobre a bandidagem.” Aí está a imagem-da-imagem-da imagem: “… parecia uma vitória da sociedade…” Mas não é. Foi conseguida às custas da ameaça ao estado de direito. É continuação lógica e natural, da operação que na opinião explícita do jornalista, tungou a eleição de seus ganhadores naturais – dentre os quais ele mesmo se coloca.

Aparentemente, essa interpretação poderia ser invertida com a simples colocação de que o termo “Urutu” pode ter sido usado para designar a apropriação, pela sociedade, de um dos ativos simbólicos mais importantes da ditadura militar, ao qual se referiu, frequentemente, o regime de transição inaugurado em 1985. A expressão, cunhada pelo general Figueiredo em 1983 (se bem que a forma correta fosse “olha que eu chamo o Pires”, referência ao então ministro do Exército, general-de-exército Walter Pires de Carvalho e Albuquerque), e era usada pela imprensa, durante a “Nova República” para designar as Forças Armadas, convocadas para defender refinarias de petróleo, em 1987 e a planta siderúrgica de Volta Redonda, em 1988.

É interessante observar que a intervenção de tropas da Marinha na “batalha do Rio de Janeiro” não se tem dado totalmente sem controvérsia. Embora muito timidamente, têm sido levantados pela imprensa alguns “senões”, o principal deles hoje, pelo jornalão “O Estado de São Paulo”. É notável como não se usa a expressão “intervenção”, mas “apoio logístico”, e que foi enfatizado em diversos momentos que os militares não iriam participar de eventuais choques contra traficantes. Entretanto, parece que a questão tem suscitado dúvidas. Segundo o jornal, a “preocupação com essa ‘forma nebulosa’ e juridicamente questionável do emprego da Marinha no Rio, considerado ‘um jeitinho carioca’, foi o assunto que dominou a reunião de seu Alto Comando na sexta-feira, na capital fluminense”. Esta questão teria sido o motivo da “falta de apoio do Exército”, citada de forma descontextualizada em diversos momentos, desde quarta-feira. A questão foi resolvida com uma consulta ao Ministro da Defesa, que por sua vez remeteu-a ao presidente da República, que a resolveu com um “jeitinho”, resolvendo de vez a dúvida sobre a questão jurídica: forças armadas só poderiam ser enviadas ao estado com a solicitação do governador, no contexto de uma intervenção federal – o que nunca iria acontecer, pois implicaria em Sérgio Cabral Filho admitir a perda de controle da situação. Não pretendo entrar em questões de jurisprudência, mas tanto a solução adotada quando a circunspecção do Comandante Militar do Leste fazem todo sentido, pois a solução formal criaria uma crise política sem precedentes.

Enfim, o resumo da ópera: a re-imposição da autoridade do Estado no Rio de Janeiro implica, de forma subjacente, numa “batalha de imagens”. Por enquanto, a imprensa está quieta em função do amplo apoio popular desfrutado pela ação da autoridade. Mas a abordagem de Merval Pereira, um dos principais dirigentes do Jornal o Globo, mostra que certos setores da sociedade questão, para mim, não estão vendo com lá muito bons olhos a ofensiva do governo estadual para restabelecer a cadeia de autoridade. Merval falou, em sua coluna, sobre “ativo político importantíssimo”, e, em seguida, completa “mesmo que falte a essa política uma imprescindível ação de planejamento”. O problema é que, com ou sem planejamento, Cabral certamente sairá dessa situação muito fortalecido. Parece ser este o ativo político real: o restabelecimento da cadeia de autoridade na cidade.

E pior: por tabela, o governo federal sairá também em posição de vantagem. Por enquanto, Lula tem sido poupado de qualquer citação, seja boa ou ruim. O fato é que não se pode deixar de associar a entrada das forças federais no batalha ao governo federal. O colunista Elio Gaspari, que ultimamente assumiu um papel notável na “frente PIG” contra o governo federal, já começa a falar em “marketing”. “Marketing” diz respeito à imagem… Portanto… O fato é que a “batalha de imagens” envolve dois lados. O lado global, por enquanto, retraiu-se. Vamos ver como fica a coisa, daqui para diante. Que promete, promete::

A essa altura, o assíduo que tenha conseguido paciência para chegar até aqui deve estar se perguntando porque resolvi pegar Merval Pereira para Cristo. Imagina! Quem sou eu… Apenas achei curiosas suas colocações, e resolvi fazer algo que, em minha opinião, sempre valeu à pena: buscar ferramentas de análise.

Tenho até certa simpatia pelo jornalista: afinal, ninguém chega até onde ele chegou sem ser muito competente. Também admiro sua paixão antigoverno. É difícil encontrar um cruzado tão puro em seus ideais.

Cruzado? Não é por nada, não, mas…  É impressão minha ou o MP é a cara do Ned Flanders, o fundamentalista religioso vizinho de Homer Simpson?.. Bem, devo estar delirando…::

 

causa:: volta ao ponto::Como poderá ser a política de Defesa do próximo governo?::

 

Passadas as eleições presidenciais, chegada a hora da choradeira. Por exemplo, a inigualável Miriam Leitão afirmando, literalmente, na maior demonstração de criatividade que já vi, em termos de despeito: ”O Brasil está atrasado no esforço por igualdade de gênero. O risco, no entanto, é a confirmação dos estereótipos. Ela [Dilma Rousseff] chegou lá pela força política de um homem, que a escolheu e a defendeu contra tudo e contra todos, passando por cima dos mais elementares limites institucionais da presidência da República.” Não precisa ler de novo – é isso mesmo. Dilma Rousseff e o PT – noves fora os perigos “convencionais” que representam, também são ameaça de piorar o paternalismo e o machismo nacionais.

causa:: não pretende dar motivos para que os nove ou dez assíduos levantem acusações de ser este um blogue politiqueiro, portanto, volta agora aos temas de que realmente sabe falar (e, em alguns deles, inevitável será falar mal do governo…). “Volto ao ponto” (expressão frequente de um dos procuradores com quem convivo…) e vou, ao mesmo tempo, tentar cumprir algumas de minhas próprias promessas de campanha. Vamos a elas, começando com um breve-nem-tão-breve comentário (em duas partes, porque não consigo falar pouco sobre o tema…)::

parte 1/3Renato Berlim, um dos assíduos mais assíduos aqui de causa:: levanta a questão de como ficará a política da Defesa no novo governo petista. A resposta, redonda (e possivelmente equivocada… Ou não… Sabe-se lá…) é… Não sei. O governo Lula deu certa atenção às FA nacionais, dentro de uma política de buscar maior participação do país na arena internacional e, se possível, uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Mas foi, de certa maneira, uma atenção bastante limitada.

Prefiro falar deste assunto começando por um tema geral  – que sempre me pareceu intrigante: o desinteresse da maioria da população por assuntos de política internacional, no Brasil. Daí decorre que a maioria das pessoas – e particularmente dos formadores de opinião – parece não saber direito o que é “estratégia”, e o papel desta dentro das relações internacionais. Daí resulta que o conhecimento sobre a serventia das FAs, no contexto moderno e, particularmente, no contexto brasileiro, segue o mesmo ritmo. A consequência é a desatenção para com os assuntos militares e de defesa, que ficam restritos a um pequeno círculo especializado de militares, diplomatas e cientistas.

Os militares, admitamos, não ajudam. Parecem pouco interessados em estabelecer laços sólidos com a sociedade civil e em alguns momentos se comportam como se fossem os únicos patriotas do país. Relações sólidas com a sociedade poderiam ser plantadas através do apoio consistente e bem planejado, por exemplo, às associações de veteranos – e o Brasil tem muitos veteranos. Mas, de modo incompreensível, entretanto, o próprio EB cria caso com uma dúzia de viúvas de militares mortos em serviço na Minustah, em torno de seguros de vida que deveriam ser pressuposto e auxílios educacionais irrisórios (entenda-se lá tal estupidez…). Também poderia ajudar o estabelecimento de programas de colaboração com o sistema escolar, que popularizassem a carreira e o modo de vida militares – literalmente, levar crianças e adolescentes para passear de tanque ou helicóptero de assalto (mas, claro, faltam verbas…), e a multiplicação de programas como os “dias de portas abertas” nas bases militares. Também ajudaria – e muito, me parece – o suporte a alguns filmes com temas militares. Mas, ao contrário, nunca foi feito um bom filme sobre a luta da FEB na Itália (lembro de um, “For all – O Trampolim da vitória“, que era apenas mais-ou-menos…), e um bom filme sempre desperta simpatia para os “mocinhos” – basta ver a popularidade do “capitão Nascimento” e do BOPE, depois do filme. Mas embora a FEB devesse ser motivo de orgulho para todos os brasileiros, a realidade é que o dia 8 de maio sequer é comemorado de forma decente em nosso país…

O fato é que setores amplos da sociedade parecem pensar que as FAs não servem para nada que não seja consumir recursos de maneira improdutiva. É possível que tenha relação com isso o pacifismo um tanto tolo e muito desinformado que grassa no Brasil. Somos ensinados sobre “sermos um povo pacífico”, desde nossa independência, proclamada sem o derramamento de uma gota de sangue (apesar da guerra que se seguiu, e durou dois anos…). A compreensão sobre o que, de fato, representam as forças armadas, principalmente em tempo de paz, acaba sendo lugar e fonte de uma série de equívocos. Uma boa política de defesa talvez devesse começar por esclarecer tais equívocos.

E não se pode acusar – como é frequente – nosso povo de ser pouco interessado pelo país. Na avaliação aqui de causa:: (modestamente…), talvez não sejamos tão nacionalistas quanto deveríamos, mas isso não significa que viremos as costas para nosso país, quando diante da comunidade internacional. Basta observar a rivalidade com a Argentina, que não está restrita ao futebol,  a simpatia por outras nações subdesenvolvidas. 

Esse nacionalismo potencial e incipiente reflete-se, constantemente, nas atitudes e tendências da população, quando posta frente-a-frente com as políticas de Estado e de governo que refletem a posição internacional do país. Nessas eventualidades, formadores de opinião (políticos, classes produtivas, funcionários públicos civis e classes médias instruídas) frequentemente manifestam um nacionalismo ora mais, ora menos radical, que tem nos EUA o principal alvo de dúvidas. Não resta dúvida, é certo, que os EUA sempre foram o “parceiro preferencial”, e a opção pelo “Ocidente” fica expressa na posição assumida por nosso país durante todo o período da Guerra Fria. Mas a atuação dos norte-americanos com relação ao Brasil nem sempre pareceu, às categorias citadas acima, “justa”. Essa desconfiança remonta ao início dos anos 1950, e era manifestada por amplos setores políticos e militares  – ser anticomunista não significa, vale lembrar, ser automaticamente pró-Estados Unidos. Não poucas vezes a desconfiança tornou-se, decididamente, antipatia. E em dois ou três momentos, a antipatia levou à radicalização de posições nacionais, visto que os interesses brasileiros pareciam estar sendo desconsiderados pelos norte-americanos. Podemos lembrar, sem muito esforço, o programa nuclear e a política independente voltada para a África e o Terceiro Mundo – inclusive o apoio ao regime de Saddam Hussein, durante os anos 1980.   

Examinemos um desses momentos – um importante movimento da diplomacia brasileira, atualmente um tanto esquecido: a questão da extensão do mar territorial para uma faixa de 200 milhas de largura, na virada da década de 1960. Em 1970, o governo do general Médici tomou a decisão de ampliar a faixa soberana de águas territoriais. A decisão baseava-se no fato de que não havia, no direito internacional então em vigor, norma que determinasse qual o limite máximo em que os Estados ribeirinhos poderiam exercer soberania total – o chamado “mar territorial”. No entender do governo brasileiro, um Estado costeiro seria livre para determinar a extensão de sua fronteira marítima, desde que não prejudicasse ou agredisse interesses estrangeiros, nacionais e particulares. A partir desse entendimento, o governo brasileiro optou por afirmar a soberania plena sobre uma faixa adjacente à costa de 200 milhas de largura. Entre 1970 e 1982 (ano da conclusão da 3ª Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), essa política de Estado resultou numa estratégia de consolidação do que era posto como interesse nacional. A adoção dessa política pelo Brasil foi decorrente de um conjunto de fatores que funcionou como propulsor de interesses dos governos do período: a tentativa de afirmação da autonomia decisória quanto à política exterior brasileira, no quadro do “Brasil-Potência”, projeto geral dos militares, apoiado for fortes ações de propaganda e pela vigência interna do regime de exceção. Mas o fato é que até mesmo a oposição organizada no velho MDB “fechou questão” e a população cerrou fileiras por trás do governo  – “esse mar é meu, leva o teu barco prá lá desse mar…”

Como era de se esperar, a ampliação da faixa de soberania até o limite proposto encontrou resistência por parte de diversas nações estrangeiras, inclusive os EUA. Cabe agora perguntar se essa linha política resultou em políticas coadunantes e consistentes, de defesa. A resposta – decidida e segura – é: mais-ou-menos. Claro que as circunstâncias propícias – tanto a nível interno, como, principalmente, no contexto internacional – ajudaram a fazer dar certo uma jogada que poderia, em outro momento, ter resultado em problemas. As contendas em torno das 200 milhas não envolviam somente o livre trânsito nos mares, mas (principalmente) o domínio e posse de riquezas minerais submarinas, assim como do controle sobre o espaço aéreo correspondente. Afirmando sua soberania sobre a extensão marítima ampliada, no Atlântico Sul, o Brasil desafiava as posições hegemônicas das potências e aumentava seu poder de barganha nos fóruns delineadores do sistema internacional. Ainda que isto explicado, resta a pergunta: como fazer isso com FAs pífias (embora relativamente grandes, para um país subdesenvolvido…)?

A política brasileira, no período da Guerra Fria, assumia uma posição que era dominante: a posição brasileira no cenário internacional era subordinada aos EUA e a atuação do país se daria em contextos regionais e limitados. Assim, entre os anos 1970 e 1990, o país renovou as FA de maneira proporcionalmente limitada: foram adquiridos pelo menos trinta novas unidades navais na Europa (Inglaterra e Alemanha), dezenas de navios de segunda mão nos EUA (inclusive oito submarinos relativamente modernos), aeronaves novas e sistemas de armas relativamente modernos, mas concebidos para intervir apenas regionalmente, a partir do território brasileiro. Um movimento bastante importante, que não se originou então, mas cresceu notavelmente, foi a capacitação da indústria local para construir navios de primeira linha e a implantação de uma indústria aeronáutica autóctone, capaz de dominar todo o ciclo da produção de aeronaves. Também começou a ser considerado o reposicionamento das unidades de primeira linha do EB, assim como a criação de unidades especializadas até então inexistentes, como forças especiais, unidades de combate na selva e frações de tropas experimentais, destinadas e introduzir o uso de mísseis anticarro e equipamento antiaéreo moderno. E começaram a ser feitos fortes investimentos na indústria local de defesa.

Essa política de Estado, concebida contra o panorama da Guerra Fria e da inserção nela do país viria a sofrer alterações consideráveis, a partir dos meados da década de 1970. Em 1974, as políticas brasileiras se radicalizaram e o alinhamento não-condicional ao “Ocidente” (leia-se EUA). Sofreu uma inflexão: a razão foram as mudanças internas nos EUA, e novamente as posições norte-americanas passaram a ser consideradas “injustas” pelo regime militar. Essa nova visão da política e do jogo de forças internacional, e a avaliação interna da dinâmica internacional levaram o governo a firmar posição em não aceitar o que era considerado “ingerência nos assuntos internos do país”. A estratégia foi, como sempre, buscar novos parceiros políticos e econômicos. O princípio da coisa toda foi o programa nuclear, que se desdobrou em políticas de independência radical com relação às posições dos EUA – inclusive a busca de parcerias com produtores de petróleo (que também tinham fortes divergências com os EUA) e o início de investimentos pesados na busca de petróleo nacional.

Tudo isso é estratégia baseada na consideração clara do quais seriam os interesses nacionais e como deveriam ser promovidos. O fato é que não é possível imaginar uma estratégia sem ter claros os objetivos. A política de defesa irá decorrer daí, e não podemos dizer que o país não tenha tido política de defesa – esta deve ser examinada contra o contexto da Guerra Fria e dos movimentos das superpotências. O alinhamento não-condicional aos EUA e ao “Ocidente” se desdobra em toda uma linha de atuação que conforma, desde o início dos anos 1950, o caráter das FAs nacionais; o início dos anos 1960, e particularmente o ano de 1962, que terminou com a consolidação de Cuba – parte de um “acordo não-escrito” entre EUA e URSS – coloca o Brasil como “teatro de operações” da Guerra Fria. A defesa passou a ser interna, e os inimigos estavam dentro do próprio país. Nesse sentido, o golpe militar de 1964 e a longa ditadura que se seguiu estabeleceram objetivos que foram seguidos, mas não de forma pétrea. Não deve ter ocorrido a muita gente, na época, que nem sempre – como pensava parte do governo – “tudo que era bom para os EUA era bom para o Brasil“. 

Voltaremos em seguida, para dar tempo aos nove ou dez assíduos refletirem sobre a esclarecedora frase de Juracy Magalhães.::

Observações estratégicas sobre uma época…::Vamos virar o disco::

No momento em que o redator:: começa a sentir uma incontrolável vontade de dizer palavrões em público, talvez seja a hora de tomar um calmante… ou uma providência. A primeira é baixar a bola da ansiedade com a política. Visto que os bloguesgurus de causa:: parecem não estar nem aí, e dão um dos candidatos como favas contadas, o negócio, então, é tomar a providência, porque, segundo é de amplo trânsito, calmante faz mal à saúde.

Resolveu, pois, este redator:: dar uma zapeada pela Grande Rede e depois pesquisar um assunto interessante. Primeiro que tudo, e por absoluto acaso, causa:: dá de cara com um desses blogues que se mostram, desde as primeiras linhas, indispensáveis. Tratem os assíduos  de verificar por si mesmos, mas não deixem de dizer, depois que não foram avisados: as gargalhadas serão inevitáveis e incontroláveis (o tal blogue é todo bom: depois de recomposto, o assíduo deve dar uma passeada pelo conjunto). 

Mais próximo dos temas que interessam diretamente aos assíduos (pelo menos assim supõe o redator::), um tópico que apareceu com bastante constância nos jornais dos últimos dias foi o interesse brasileiro em armamento de fabricação russa (a notícia foi publicada em O Globo). É uma boa hora, com certeza. Caso não dê co´os burros n´água, parece que está se configurando um amplo movimento de reequipamento das FAs brasileiras, que será assunto para o próximo governo.

Não era sem tempo. O problema, em nosso país, é que as FAs estão sempre a reboque das crises, sejam lá elas quais forem. Alguns especialistas afirmam que o problema ao longo do século passado, foi o alinhamento automático com as potências centrais, particularmente com EUA, no período da Guerra Fria. Essa teoria, embora faça todo o sentido, precisa ser relativizada contra o fato de que, historicamente, o Estado brasileiro (não se pode esquecer que as FAs são instituições de Estado, ou seja, permanentes) nunca foi capaz de incorporar a seu aparato forças militares de primeira linha. Algum dentre os nove ou dez leitores certamente protestará: as FAs brasileiras tiveram seus momentos de glória. O redator:: concorda, assina embaixo e busca fazer de causa:: plataforma contra os preconceitos que transitam, amplamente (e reconheçamos – não sem alguma razão…), contra a profissão e a categoria militar. Não é disso que falamos. Forças militares de primeira linha implicam uma formação social de primeira linha e isto, temos de admitir, nosso país, ao longo de sua história, não abrigou. Forças militares de primeira linha são decorrência de uma sociedade capaz de mantê-las, e, por conseguinte, de um Estado capaz de formá-las. E militares não nascem prontos: são formados desde pequenininhos, por cuidados na infância, boa educação, acompanhamento de saúde, etc, etc.

É sabido que, quando o governo Vargas resolveu formar a FEB, em 1942, o primeiro problema foi arrumar gente capaz de pegar em armas num contexto moderno. Também são sabidas as dificuldades com que toparam as atividades militares para encontrar recursos humanos mais-ou-menos correspondentes aos padrões médios do exército dos EUA. A disposição em recrutar gente em todo o território nacional acabou sendo, pragmaticamente, deixada de lado, visto que, dos grotões nacionais chegava um pessoal em todos os sentidos inservível para ser lançado em combate: descobriu-se por exemplo, que a saúde bucal dos conscritos era desastrosa (média relativa de 18-19 dentes, enquanto a exigência inicial seria de 25-26…); as doenças venéreas eram endêmicas.

O fato é que, como constata o jornalista e historiador militar Ricardo Bonalume Neto, naquele que talvez seja o melhor livro brasileiro sobre a Segunda Guerra Mundial (lamentavelmente esgotado…), a FEB foi um espelho do Brasil dos anos 1940. E, em 1940, como desde sempre, o Brasil era uma país agrícola, com aproximadamente 60 por cento de analfabetos dentre uma população que, de cada 10 pessoas, 7 viviam no campo, exercendo funções de baixíssima especialização (se é que se pode falar nisso…). O recrutamento é necessariamente condicionado pela ambiência social em que se dá. As FAs da época eram aquelas que o país podia compor: não eram grande coisa.

Mas alguns aspectos podem, pelo menos, tanto na época quanto hoje em dia, ser comparados. No mundo todo, as FAs são instituições permanentes de Estado. Num estado de direito – e, pensando bem, mesmo num regime de excessão – os chefes superiores remetem-se ao chefe do governo. Esses são cargos de confiança, portanto, políticos. Mas a instituição permanente se baseia em um núcleo profissional, formado por elementos especializados, capazes de dar conta de tarefas específicas. Aí, então, se passa a falar em uma “carreira militar”, que, em última análise, não passa de uma carreira no serviço público. O militar é um servidor público especializado em dar tiros, dirigir tanques, pilotar aviões de combate, e por aí vai. A questão é que o ramo do serviço público a que pertence tem características especiais. Se em todos os setores do serviço público se espera do servidor a adesão incondicional a certas regras, no setor militar, essa exigência fica mais evidente. Como em todos os ramos do serviço público, espera-se do servidor militar certo tempo de serviço ativo (em geral não menos que dez anos), competência técnico-profissional e a observância de normas. Só que no ramo militar, essas normas são altamente restritivas e se estruturam em torno dos princípios da disciplina, da hierarquia e da cortesia, princípios que são a base de consistência da instituição militar. Isso leva a que o serviço público militar obedeça a códigos específicos diversos das do serviço público civil: por exemplo, neste ninguém é nomeado para determinada função devido ao tempo de serviço, e uma repartição pode ser chefiada por um funcionário com quatro ou cinco anos de carreira, desde que este tenha a formação considerada necessária. No serviço público militar, o tempo de carreira é pressuposto para o exercício das funções: um segundo-tenente não comanda um batalhão, por exemplo. A cortesia militar também é diversa da civil; na vida civil, ninguém é obrigado a saudar ninguém, apenas se espera uma saudação em função de regras de civilidade. Na vida militar, a saudação não apenas é obrigatória, como obedece a toda um regulamentação que deve ser rigorosamente observada, sob pena de alguma punição. Essas regras se baseiam no princípio da cortesia (mais sobre o tema, em espanhol, aqui), que, por sua vez, desdobra-se do princípio da hierarquia, que, por sua vez, é baseado no princípio da disciplina (sobre o assunto veja aqui e aqui). Esses dois últimos podem ser resumidos da seguinte maneira: “eu mando e você obedece”. Essas características levam a que o serviço público militar, embora submetido às leis gerais do país (a começar pela Constituição Federal), se estruture como instância separada e independente do resto do serviço público. 

Inclusive, forma seus próprios funcionários. Em todo o mundo, existe certa similaridade nessa formação, que resulta na “carreira militar”, que sempre tem três níveis: oficial, graduado e praça.

“Praça” (cujo coletivo se diz “as praças” e daí o diminutivo carinhoso, “pracinha”) é sempre o nível mais baixo, cujos postos não têm responsabilidade de comando inerente. Corresponde sempre a uma carreira temporária – a base de recursos humanos é formada por  conscrição, a partir da qual se dá o alistamento, ou seja, a incorporação às FAs (o conscrito pode ser dispensado antes de incorporado à tropa).  As praças são sempre recrutadas entre a reserva humana potencial da sociedade e serão necessariamente devolvidas à vida civil, em algum momento, pois é pressuposto que a função militar não acabe entravando o desenvolvimento das atividades civis.

Os oficiais, em todos os países do mundo, têm sua formação a cargo do Estado, ao fim da qual espera-se que o formando abrace a profissão militar. O oficial é formado para responsabilidades de comando, ou seja, deverá tomar decisões que serão cumpridas por grande número de outros homens e mulheres, com resultados de conseqüências imprevisíveis (uma cena interessante para se pensar é a do general-de-exército Eisenhower andando de um lado para outro, coçando o queixo, decidindo se dava a ordem que colocaria um milhão e meio de militares e vários milhões de peças de equipamento, em movimento, na véspera do Dia D). A formação do oficial gira em torno desse centro, e nas forças militares modernas, diz-se que formação militar é, basicamente, formação para a liderança.

Os “graduados” (NCO – non-comissioned officers, na língua inglesa, ou unteroffizieren em alemão) são o grupo de postos intermediários, cuja ascensão ocorre a partir do alistamento. O graduado assume uma posição de certa autoridade, e é, geralmente, o elo de ligação entre as praças e as autoridades superiores – os oficiais. Será preparado para transmitir ordens superiores, garantir e supervisionar sua execução pelos soldados, não apenas em combate, mas também nas unidades militares em tempo de paz. Daí se concluí que os graduados também são profissionais, mas de formação diversa da dos oficiais e com responsabilidades de comando limitadas. São em geral considerados especialistas técnicos, com habilidades que as praças não têm (por exemplo, dividir tarefas, interpretar mapas, decifrar códigos e fazer relatórios). De forma alguma podem, entretanto, interpretar ou questionar ordens de um oficial. Em qualquer país do mundo, essas duas categorias serão formadas, em grau permanente ou temporário, por profissionais de carreira. A questão será o tempo de duração da carreira e as compensações a que o alistado terá direito, após concluído o tempo de serviço ativo. Este é, atualmente, um tema bastante delicado, visto as dificuldades que os Estados estão tendo em pagar os serviços que são obrigados a prestar às suas populações::

Um rapaz das Forças Especiais::Equipes médicas numa guerra burra::

Encontrei esse material zapeando blogues a partir de um post do excelente Catatau. Em outro momento, talvez comente o post, mas acho que vale dizer, desde já, que o ótimo texto do blogueiro contém uma série de equívocos, um deles o único que, na opinião deste redator::, não deve ser cometido: confundir uma guerra cuja justeza e utilidade são altamente questionáveis com os soldados que a travam. Mas isso é conversa mais longa e para outro momento, pois, por ora – como já notaram os nove ou dez leitores, causa:: está com suas baterias apontadas para Venezuela, Colômbia, e os trancos-e-barrancos desses dois países.

Mas como o fim de semana está aí, e provavelmente demorará um pouco até o próximo post::, vale à pena olhar o fotoblogue do jornal The Denver Post,  jornalão da cidade de Denver, Colorado, bem mais conservador do que podemos imaginar aqui no Brasil. O cotidiano de equipes médicas está bem documentado na longa reportagem fotográfica, e o texto (em inglês, lógico…) contém algumas informações interessantes. Mas interessante mesmo é o discurso que costura as imagens. Se alguém quiser tentar decifrar… causa:: coloca no ar. Em tempo: a imagem aí de cima foi cortada do PLog do The Denver Post, mas recebeu alguma fotoxopagem. 

Para abrir o fotoblogue, passe por aqui. Algumas das imagens podem incomodar quem tenha muita sensibilidade para cenas sangrentas, embora possam ser consideradas surpreendentemente leves (não mostram mortos, por exemplo… Se você lê inglês, causa:: sugere uma passadinha por aqui). Parece que, desde o Vietnam, existe um acordo tácito entre os meio de comunicação e o governo dos EUA: vocês nos toleram, e nós pegamos leve. E, uma observação: ferimento de combate doi pra caramba…::

Um rapaz das Forças Especiais::Tenente-coronel Hugo Chávez::

É uma provocação, mas também é uma solução. Chávez, antes de se transformar em presidente da Venezuela, principal propagandista do “socialismo bolivariano” e espantalho favorito da grande imprensa brasileira, realmente começou sua carreira no Exército Venezuelano. Hugo Rafael Chávez Frías nasceu na cidade de Sabaneta (estado de Barinas, sudoeste da Venezuela), em 28 de julho de 1954. Era o segundo filho de uma família de classe média baixa, que empobreceu com a crise econômica.  Aos dezessete anos, ingressou na Academia Militar de Venezuela, tendo sido nomeado segundo-tenente (subteniente, em espanhol) em 1975, especializado em Comunicações. Sua primeira comissão foi em uma unidade de forças especiais, o Batalhão de Infantaria de Montanha Manuel Caldeño, tendo se envolvido em ações de repressão contra guerrilheiros ligados ao “Partido Bandera Roja”, de linha marxista albanesa, na região de Cumaná. Em 1977, já primeiro-tenente, Chávez foi designado para o Centro de Operações Táticas, em San Mateo, onde recebeu treinamento em operações de contra-insurgência. Segundo sua biografia oficial, foi nessa época que o futuro presidente começou a simpatizar com os movimentos populares, e a observar o alto nível de corrupção disseminado no exército e na política. Em 1978, foi transferido para uma unidade blindada equipada com carros de combate  AMX30, situada na cidade de Maracay (capital do estado de Aragua – não confundir com Maracaibo, principal região petrolífera do país). Em 1980, promovido a capitão, foi destacado para a Academia Militar de Venezuela, onde veio a cumprir as funções de chefe do Departamento de Educação Fìsica e, logo depois, do Departamento de Cultura. Promovido a major e inscrito na Escola de Estado-maior do Exército, em Caracas, Chávez se destacou pelo interesse por política, e eventualmente era indicado como conferencista. Destacava-se pelas palestras longas sobre assuntos diversos, e as opiniões sobre seus talentos de orador são díspares: alguns dizem que suas falas eram interessantes e prendiam a audiência durante horas; outros afirmam serem perorações disparatadas de inspiração esquerdista, ao longo das quais o desafio era permanecer acordado.

Depois da Academia, Chávez serviu em diversas unidades até chegar a comandante do Batallón 422 (Batallón Coronel Antonio Nicholas Briceño) da 42ª Brigada de Infanteria Paracaidista, na cidade de Maracay – os “tigres de Aragua” (o que explica a boina carmim usada por ele em dezenas de fotografias). 

Na atualidade, Hugo Chávez embora já tenha deixado o serviço ativo, ainda se interessa por assuntos militares – tem se esmerado em tornar a Venezuela uma potência militar regional, com o auxílio da Rússia. Presidente da República Bolivariana de Venezuela já por dois mandatos, goste-se ou não do cara, ele se transformou numa personalidade latino-americana e levou a Venezuela ao papel de ator mundial, através de um ativismo contra o capitalismo e contra os EUA que, por vezes, parece meio maluco. Pregando o que ele chama de “socialismo do século 21”, tem sido o principal financiador de Cuba, e utiliza os recursos gerados pela riqueza petrolífera da Venezuela para apoiar regimes que se mostrem dispostos a aderir ao “bolivarianismo”. Chávez tem sido acusado de “acabar com a democracia“, ser um “liberticida“, ser inimigo da “liberdade de imprensa” “estar arrasando a economia da Venezuela“, etc., etc (todas essas inserções foram apanhadas de maneira aleatória, na Internet). Existem, por outro lado, manifestações simpáticas e até mesmo radicais, de apoio, mas geralmente partem de indivíduos e associações de caráter quase privado (por exemplo…).  A implicância, entretanto, ganha de longe.

Assim, a carreira militar do tenente-coronel PQd Chávez nem é tão importante, apesar do homem tê-la cumprido de maneira destacada (ninguém chega a comandante de pára-quedistas por saber manipular talheres, dizia o – insuspeito, no caso – general norte-americano Maxwell D. Taylor). A de presidente da Venezuela… Bem…

Winston Churchill costumava a dizer que quem não sabe história, não sabe nada. Chávez, apesar de pára-quedista, não caiu de pára-quedas na história venezuelana. Nossa grande imprensa o trata como tirano, liberticida e “inimigo da democracia”. Mas como teria sido a democracia venezuelana antes de Chávez? Ou melhor- existia uma “democracia venezuelana” antes de Chávez? Isso, nossos simpáticos jornalões não contam.

Fiquem atentos. Vamos ver – talvez seja possível aclarar um pouco essa história::

Um rapaz (das Forças Especiais) às Terças::

É um bom jogo, esse. Está dando pra ver um dos caras na foto, não é? Mas existem três deles. Dá pra encontrar, na lata, primeira olhadinha? Sem ter de examinar com algum cuidado? Experimente e, depois, conte aqui para o redator: difícil de acreditar, não é? A foto foi publicada na capa do “Jornal da Infantaria”, de fevereiro de 1944, e mostra três snipers durante testes com padrões disruptivos de camuflagem, em um campo de provas do Exército dos EUA, em Nevada. O exército norte-americano tomou contato com a camuflagem através dos alemães, que, no início da guerra, já a utilizavam de forma mais-ou-menos generalizada. Peças de uniforme e de equipamento (como, por exemplo, os Zeltbahnen, ponchos que podiam ser usados como  tendas) nos padrões *Splittermuster (“padrão lascado”) e *Sumpfmuster (“padrão-pântano”) remontavam a 1931 e foram adotados em 1932 tanto pelo exército quanto pela infantaria da Luftwaffe. Conforme a guerra avançava, a disseminação de tecidos sintéticos na confecção de uniformes e peças de equipamento em tecido tornou ainda mais comuns os padrões de camuflagem. A questão é que os norte-americanos não simpatizavam com os padrões camuflados, e só a contragosto resolveram avaliar padrões disruptivos. Em 1942, o Exército dos EUA distribuiu um uniforme camuflado reversível, para uso nas selvas do Teatro do Pacífico: um dos lados tinha um padrão de formas irregulares arredondadas, em tons predominantemente verdes, o outro, em tons de marrom. Segundo fontes da época, o padrão marrom reproduzia o traje geralmente usado por caçadores de patos, e foi chamado, por este motivo Duck Pattern.  Os fuzileiros navais, que também receberam o traje, não o avaliaram bem. Relatórios apontavam que o padrão era muito eficaz para indivíduos estáticos, mas tinha efeito contrário quando usado em movimento. O Exército logo desistiu do uso de tais uniformes; os fuzileiros o mantiveram para a cobertura de capacete, que se tornou bastante característico do uniforme do USMC na 2a GM. É provável que a avaliação de campanha dos padrões camuflados tenha levado a testes de padrões como os da foto. Em campanha, o uniforme verde-oliva predominou até a Guerra do Vietnam, quando os padrôes camuflados começaram a ser adotados de forma mais ampla, primeiro por forças especiais, depois pela infantaria.::

Tecnologia naval::Elektroboot e seus sucessores::Parte4

 Podemos todos detestar os nazistas – mesmo quem tem pedra na cabeça, no lugar de cérebro, detesta. Mas com a engenharia alemã é outra coisa – todos temos certa tendência em apreciar as armas alemãs da 2a GM (as atuais também são bem interessantes…). Em muitos casos, é exagero, mas em outros, os produtos da inventividade e da organização científica alemãs ainda marcam nossa época. E não é só o redator fanático por tecnologia militar que acha… Não estamos falando do Elektroboot? Pois então leiam a parte 4, em seguida::
 
 
 
 

USSPICKEREL

O SS 524 "Pickerel" em treinamento de emersão de emergência, 1952. É notável a semelhança do casco com o desenho dos "Tipo XXI".

 

parte4Nos anos que se seguiram à guerra, o desenho de submarinos foi totalmente revolucionado pelo contacto das principais marinhas aliadas com o Tipo XXI. Das 113 unidades que estavam prontas para incorporação em maio de 1945, e que não foram afundadas pelas tripulações, duas foram transferidas para os EUA, quatro para a URSS (embora existam suspeitas de que o número tenha sido maior), uma para a Inglaterra e uma para a França.

Os exemplares incorporados pela Marinha dos EUA foram exaustivamente examinados e testados entre 1946 e 1949. Os destroços de um desses submarinos foram encontrados recentemente, ao largo da Flórida, onde foi afundado pelos norte-americanos, após o fim do programa, num teste de armas anti-submarino.

O exame das duas unidades levou à conclusão de que toda a frota de submarinos da Marinha dos EUA estava ultrapassada (o *USS Wahoo, comissionado em julho de 1943, típico “submarino de esquadra” norte-americano). Um programa de construção foi proposto, mas como existiam quase duas centenas de unidades construídas nos três anos anteriores, as autoridades navais optaram por modernizar as que estivessem em melhor estado. O primeiro programa foi a instalação de um equipamento equivalente ao esnorquel alemão, para testes, no USS Irex (classe Tench, construído em 1944), em 1947.     

O programa Greater Underwater Propulsion Power (GUPPY – o “y” não quer dizer nada, mas fazia o acrônimo combinar com o nome de um peixinho decorativo muito popular nos EUA…) era muito mais amplo. Foi estabelecido como alternativa de menor custo para modernizar parte dos barcos da força norte-americana de submarinos, os mais modernos, das classes Gato, Balao e Tench. O programa GUPPY acabou resultando em diversas fases. O GUPPY I dotou os barcos selecionados com esnorquel; eliminou a maioria das partes desnecessárias das “obras mortas” (passadiços e instrumentos na  torre, canhões, mastros e outros elementos da coberta); melhorou o desenho das “obras vivas”, de modo a dar maior uniformidade ao casco externo, tornando-o tão hidrodinâmico quanto possível (o *USS Odax, lançado em abril de 1945, cuja conversão completou-se em 1947, depois transferida para a Marinha Brasileira. Observe-se a vela tipo “Eletric Boat”, depois substituídas pelo tipo “Portsmouth” em todas as unidades). Também foram feitas melhorias na motorização, acrescentadas novas baterias e novos equipamentos eletrônicos.

A instalação de novas baterias esteve entre as principais modificações. Quatro unidades acumuladoras (baterias), compostas por 504 células, cada uma delas capaz de sustentar proximadamente 25 por cento a mais de carga que os tipos anteriores, melhoraram significativamente o desempenho subaquático do navio. Entretanto, essas novas baterias tinham um sério problema de durabilidade, além de provocarem problemas ambientais. Apesar dessa desvantagem, o ganho geral mostrou-se compensador: os barcos remodelados chegavam a alcançar 17-18 nós (30-33 km/h) submersos. Um total de 50 unidades foram convertidas.

A segunda parte do programa deu origem à classe Guppy II. Essa era basicamente igual à classe Guppy I, exceto em alguns detalhes da vela, que foi redesenhada para acomodar novos mastros de combate que alojavam os sistemas de admissão de ar e exaustão de gases do esnorquel e as antenas dos equipamentos eletrônicos. Os barcos da série Guppy II tiveram melhorias na motorização, que possibilitavam melhor desempenho, e novos equipamentos eletrônicos, inclusive unidades de radar de última geração. Um total de 24 unidades foi convertido.

Um problema com o programa GUPPY II era o preço – os submarinos veteranos da 2a GM tinham de ser praticamente reconstruídos. O programa GUPPY IA, lançado em 1951, foi uma tentativa de baixar o custo da conversão. O programa GUPPY IIA, lançado em 1954, redesenhou certas partes do casco externo, de modo a melhorar o desempenho subaquático. A essa altura, os engenheiros da Marinha e da indústria tinham descoberto que não adiantava melhorar a motorização se a parte hidrodinâmica também não fosse muito melhorada. Essa derivação do programa instalou uma vela totalmente redesenhada, uma nova proa, e motores iguais aos dos GUPPY II. Mudanças na arquitetura interna permitiram a instalação de novos equipamentos eletrônicos, unidades de refrigeração e condicionadores de ar. A aparência externa da série IIA era, à primeira vista, semelhante à II.

Em meados dos anos 1950, alguns barcos da classe GUPPY IA foram convertidos para a série GUPPY IB, destinados à transferência para marinhas aliadas. Os equipamentos eletrônicos de última geração foram substituídos por “modelos de exportação” muito simplificados, mas, de resto, eram iguais aos IA. Por sinal, esse era um problema que começava a ser observado pelos projetistas: a grande quantidade de equipamento eletrônico que, pelos meados dos anos 1950 começou a ser incorporada aos navios de guerra, em geral, e aos submarinos, em particular. No caso dos submarinos, a questão era particularmente séria, porque os controles de direção, equipamentos de sonar e de direção de tiro computadorizado tomavam muito espaço e consumiam energia extra. Entre 1959 e 1963, até mesmo unidades já convertidas para o padrão GUPPY II tiveram de voltar para a doca seca, para serem cortados e aumentados em uns 4 metros na área da sala de controle. Nesse novo espaço, foram instalados os novo equipamentos de sonar e de direção de tiro. Essas novas unidades tornaram-se a série GUPPY III.

Até o programa GUPPY II e suas variantes, um dos problemas não resolvidos eram as baterias, que não apenas atravancavam o espaço interno como criavam desconforto  ambiental. Em 1959, o programa GUPPY III buscava, dentre outros aperfeiçoamentos, resolver esse problema. Os engenheiros navais optaram por alongar uma das unidades assim como retirar um dos motores diesel, situado à vante da belonave e considerado desnecessário. Desse modo foram criados novos espaços internos, o que possibilitou alterações que, provinham maior área para equipamentos eletrônicos e para a tripulação. Todos as unidades do padrão II foram convertidos para o padrão III.

Os GUPPY III ficaram em atividade até o final dos anos 1970. É interessante observar que, após o programa GUPPY, foram construídos nos EUA os SSK (submarinos convencionais, no jargão da Marinha norte-americana) da classe *Tang, da qual seis unidades, que incorporavam os desenvolvimentos do programa GUPPY, tiveram suas quilhas batidas entre 1946 e 1948, e foram lançadas no início dos anos 1950. Foram os últimos submarinos convencionais que saíram de um estaleiro norte-americano. Desde 1963, quando o programa de conversão completou-se, os EUA desistiram de, de SSK), optando por uma força totalmente composta por submarinos nucleares::

Um rapaz (das Forças Especiais)às Terças::Forças Especiais do Exército Brasileiro::

ForçasEspeciais_BR

Integrantes do 1 ° Batalhão de Forças Especiais do Exército Brasileiro. Em primeiro plano, um atirador de escol, vestindo “traje Ghillie“, carrega um Fuzil M964 7,62 dotado de mira telescópica OIP Belgio 3X6 (p´ra lá de obsoleta…).  Em segundo plano, elementos de Forças de infiltração portam o modelo-padrão. O FAL é uma boa arma para atiradores de escol (snipers, em inglês), devido à potência do cartucho e ao peso da arma, que a torna bastante estável durante o disparo. Como disse o leitor “Anônimo”, um dos famosos sete (contadinhos…) os “cabôco”  usam o padrão chamado Ragged Leaf Lizard Pattern, disruptivo de três cores: verde-escuro e castanho sobre fundo verde-claro. Apesar do nome (também aparece como Brazilian Army Lizard Pattern, segundo a terminologia adotada pelo International Camouflage Pattern Index), esse padrão foi desenvolvido por aqui mesmo, nos anos 1980, baseado no padrão M63 usado na Africa pelo exército colonial português. É considerado excelente para combate em ambiente tropical. Esses uniformes deixam no leigo incauto (como boa parte dos jornalistas da imprensa diária…) a impressão de desbotados, o que indicaria a indigência em que vivem as FA nacionais. É apenas parcialmente correto, e vale esclarecer que a aparência é proposital. O padrão busca inclusive simular o brilho provocado pelo excesso de luz característico das regiões equatoriais::

Um rapaz (das Forças Especiais) às Segundas::

020124-N-6550T-005

Segundas?.. Não seria às Terças?.. Tanto faz. E já que continuamos no assunto “marinha”, um membro do SEAL da Marinha norte-americana durante a invasão do Afeganistão. A carabina M4A1 calibre 5.56 mm NATO com visor telescópico Trijicon ACOG (Advanced Combat Optical Gunsight) 4X, retícula iluminada de fibra ótica, instalado em  RIS (Rail Interface SystemDaniel Defense Inc. tipo Picantinny e empunhadura de plástico de alto impacto, está com a coronha rebatida. A coloração da arma, aplicada com uma película plástica, destina-se a dificultar a visualização. Trata-se de uma arma especial para forças especiais, e é exatamente o que o *SEAL (acrônimo de Sea, Air and Land, que também quer dizer “foca” em inglês) é. Essa força foi criada em 1962, pela Marinha dos EUA. Em 1961 o Chefe de Operações Navais recomendou a formação de tropas especializadas em contra-guerrilha, capazes de operar a partir do mar, terra e ar. Não foi à-toa. A época era a do envolvimento norte-americano no Vietnam, em 1961-1962.  John Kennedy ficou muito impressionado com a atuação dos “boinas-verdes“, e imaginava poder vencer a guerra com tropas treinadas em táticas não-convencionais, altamente motivadas e politicamente engajadas. No caso do SEAL, os primeiros voluntários eram membros de Equipes de Demolição Submarina (UDT, em inglês), formadas durante a Segunda Guerra Mundial, conhecidos como Frogmen (“homens-rãs”).  O primeiro teatro de operações foi o Vietnam do Sul, fazendo levantamento subaquático, reconhecimento de áreas de desembarque e demolição, além de assessorar as forças especiais do Vietnam do Sul. Eventualmente, atendiam demandas da CIA em operações encobertas, mas essa é outra história::