Sobre crises e projetos::

Segundo estamos cansados de saber, o Brasil está passando por uma séria crise econômica. Até aí, nada de novo. Temos passado, ao longo dos últimos 500 anos, por crise atrás de crise. As crises vêm, e depois de algum tempo, surge uma solução que, todos sabem, não irá dar certo por muito tempo. E surgem aqueles que dizem que a solução do momento é a única salvação.

Pergunto-me que lições, nós, brasileiros, já poderíamos ter tirado dessa “vida na crise” (além do fato de que os salários e pensões saem  de cada uma delas cada vez mais achatados, e o capital financeiro ganha em toda e qualquer crise…)? Nossos projetos estratégicos, estabelecidos durante os períodos de bonança, geralmente são os primeiros – junto com os projetos culturais – a ir para o saco. Tenho em mente alguns, em particular: a aquisição dos caças suecos Gripen NG, concluída em 2014, a aquisição, pela FAB, de um novo avião de transporte tático/reabatecimento em vôo, o EMBRAER KC-390, e a construção do SBN, o submarino nuclear nacional.

Com exceção do KC-390, já falei muito nos outros dois projetos, nos velhos tempos do causa::. Sei que a defesa nacional não é propriamente um tema que atravesse as preocupações de nossas instituições e de nossos formadores de opinião.  Pelo contrário, boa parte dessas instituições considera projetos de defesa nacional como desperdício de dinheiro. Em épocas de crise aguda, ouvimos dos próprios governantes que o país não precisa deles e que nossas FFAA seriam melhor utilizadas em funções de policiamento urbano e “luta contra o contrabando de armas”, o que, em última análise, implica enorme desconhecimento sobre as funções exercidas pelas FFAA no mundo contemporâneo.

E para os equivocados que acham que “somos parte do Ocidente”, e que isto nos asseguraria contra qualquer problema, um episódio bem marcante estará, em 2017, completando 35 anos – a Guerra das Malvinas.

Foi o último conflito assimétrico para valer que envolveu forças armadas formalmente institucionalizadas, fora de um contexto de alianças, em um teatro estratégico altamente específico, num panorama ainda bipolar. Não conheço nenhum estudo (deve haver, eu é que não encontrei) sobre a influência do contexto estratégico e do panorama bipolar no desenrolar da guerra, mas o fato é que a Argentina poderia ter vencido. Não venceu exclusivamente pelas sandices militares cometidas pela ditadura argentina – que tinha se entupido de armamento, moderno, mas tendo em vista uma possível guerra contra o Chile, em função da contenda do canal de Beagle – que quase aconteceu, em 1978, mas , se tivesse acontecido, seria basicamente um conflito de teatro terrestre, onde as marinhas não teriam contado grande coisa. Só que, contra uma potência de primeira linha (e isso a Inglaterra ainda era, na época) o armamento adquirido pela Argentina era “meia-boca”: caças táticos norte-americanos dos anos 1950, versões xumbrega dos Mirage V fabricadas pelos israelenses (um caça chamado “Dagger”, que nem radar tinha), todos operando armamentos “burros”.

Não era, evidentemente, o caso da Inglaterra. Um dos pilares da OTAN, tinha FFAA muito bem organizadas e aprestadas. Mas não em número suficiente para manter seus compromissos com a aliança ocidental e montar uma expedição do porte da que montou – envolveu dois terços da Marinha Real, que era de primeira linha.

Não é o caso de examinar a guerra, aqui – existem livros que o  fazem muito melhor do que eu seria capaz. Vale apontar apenas o seguinte: foi uma guerra de teatro estratégico, e neste caso, uma marinha conta, e muito (primeiro); contra um potência, o que conta é a dissuasão (segundo) e (terceiro), as potências se alinham automaticamente, dentro de suas alianças – foi este ponto que tirou da Argentina qualquer possibilidade de vitória.

Neste caso, a dissuasão teria sido a única possibilidade da Argentina pelo menos tornar a balança menos desequilibrada – digamos: tivessem eles uns dez ou doze submarinos convencionais, certamente a Marinha britânica não teria como montar divisões capazes de prover escolta para os transportes de tropas e equipamentos – não tinham navios suficientes para isso.

Tivessem eles um par de submarinos nucleares de ataque (equipados com torpedos), os ingleses provavelmente nem sairiam de suas bases. E aí entra a história do projeto “SBN BR”, que boa parte dos formadores de opinião consideram “desperdício de dinheiro”.

A Marinha Brasileira começou a se interessar por esse tipo de coisa no início dos anos 1970, ainda na época do “Brasil Potência”. Desde os anos 1950, o país buscava  domínio do ciclo atômico, com a instalação de laboratórios de pesquisa nuclear nas principais universidades do país (USP, UFRJ e UFMG), a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Laboratório Nacional de Pesquisas Físicas, dentre outras iniciativas que constituiram os primeiros passos nessa direção.

Não se pode esquecer do Almirante Álvaro Alberto da Motta Silva, pioneiro nas pesquisas brasileiras sobre energia nuclear, no início  dos anos 1940. O almirante representou o Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU, numa época em que os EUA pressionavam para que as reservas de tório e urânio, não importa em que país estivessem, fossem colocadas sob controle da entidade, proposta consubstanciada no chamado “Plano Baruch”, de 1946. O almirante qualificou essa proposição dos EUA de “tentativa de desapropriação”, e foi apoiado pelos representantes russo e da França.

Não tenho ideia se Álvaro Alberto chegou a estudar o papel estratégico dos submarinos nucleares – suponho que sim, na medida em que sua carreira, entre o fim dos anos 1940 e os final dos 1960, correu paralela ao desenvolvimento dessa arma. No entanto, já temos pensadores de ponta sobre o tema: os almirantes de esquadra Maximiano da Fonseca e Mário Jorge da Fonseca Hermes, o contra-almirante Mário Cezar Flores, e, mais recentemente, o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Os três primeiros são pensadores estratégicos, que estiveram muito ativos durante a ditadura; o último é um cientista, e foi, nos anos 1970 e 1980, responsável pelos programas de pesquisa militar que buscaram dar ao país o controle do ciclo de produção de combustível nuclear. Boa parte das informações geradas, e da trajetória desses programas (na época havia um da Marinha, mais genérico, e um do Exército, mais voltado para produzir explosivo nuclear) continua cercada de segredo, e nem poderia ser diferente: perguntem a qualquer um se os EUA divulgam suas pesquisas militares nos jornais…

Independente de qualquer juízo de valor (a conjuntura estratégica e política da época, nacional e internacional, tem de ser avaliada cientificamente, por historiadores e cientistas políticos especializados), o Brasil é hoje um dos poucos países do mundo (ao todo, são 11) a dominar todo o ciclo do combustível atômico. É também um dos três que possuem reservas de urânio (os outros dois são Estados Unidos e Rússia) conhecidas em seu território. Nosso país tem, identificadas, jazidas de mais de 300 mil toneladas, das quais um terço já teve atestada a viabilidade econômica. Temos autonomia para uns 100 anos, caso nosso consumo se mantenha nos níveis atuais e o resto se revele inviável.

Ao longo de trinta anos, e a um custo estimado em 3 bilhões de dólares, o Brasil aperfeiçoou um método de enriquecimento de urânio que se mostrou eficaz e barato (alguma coisa chamada “centrífugas em cascata”). Boa parte das necessidades de materiais radioativos para uso industrial, científico e de pesquisa já são atendidas no próprio país, em plantas estatais. Por isso, na década passada começou a se falar, novamente, em energia elétrica produzida em plantas acionadas a combustível nuclear. E, curiosamente, nas últimas duas décadas, pressões internacionais lideradas pelos EUA tentam fazer que o país assine um tal “protocolo adicional” ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que coloca sob controle da ONU não apenas a produção de combustível nuclear em escala industrial, como também submete a controle internacional a pesquisa científica para criação das tecnologias que permitam tal produção em qualquer escala. O “império” e seus “duques” passariam a nos dizer não apenas o que fazer, mas o que pensar em fazer. Isso nos significaria um controle incontornável da ONU (ou seja, dos EUA) dentro do próprio território nacional. Como nenhum país do mundo fornece ou vende tecnologia nuclear a terceiros, continuaríamos a receber combustível nuclear pronto, a conta-gotas e passível de controle estrito sobre o uso. E a “ganhar de presente” – como certa vez escreveu um comentarista – tecnologias obsoletas (como a sujíssima usina de Angra I, dos EUA) ou pagar rios de dinheiro pelas que não deram em nada (ou o detentor achava que não iam  dar em nada, como foi o caso do acordo com a Alemanha, na década de 1970).

Não que o Brasil não deva assinar tratados de salvaguarda – de fato, não precisamos de bombas atômicas. Nos anos 1970, dentro da conjuntura estratégica e política de então – a chamada “abordagem geopolítica” – o país se recusou a aderir ao TNP, mas, na década seguinte assinou uma “versão regional” com a Argentina, considerada muito bem construída do ponto de vista das relações com nosso vizinho, prevendo de forma muito detalhada obrigações e reciprocidades. Nos anos 1990, o governo FHC (sempre ele…), doido para conseguir dinheiro e vantagens econômicas, aceitou “aderir” ao TNP, por pressão norte-americana e contra a posição de diplomatas e militares.  O tal tratado se revelou uma arapuca estratégica sem saída, e colocou todos os programas – militares ou não – sob supervisão da Agência de Energia Nuclear da ONU – e nos obriga, periodicamente, a convencer inspetores estrangeiros que submarinos de propulsão nuclear não são “armas atômicas”. Por sinal, graças ao “príncipe dos sociólogos”, quase nos comprometemos a não produzir mísseis antiaéreos e não podemos, por lei, produzir mísseis balísticos com alcance superior a 300 quilômetros…

Durante a ditadura militar, o país buscou adquirir outras tecnologias sensíveis de caráter militar: aeronaves, carros de combate, mísseis e navios de superfície. E submarinos, que, a duras penas, adquirimos, incompleta, da Alemanha. Em 2010, já debaixo do cobertor da Estratégia de Defesa Nacional e do conceito de “Amazônia Azul”, um acordo assinado com os franceses foi além: a aquisição de tecnologia completa para projetar submarinos, e a aquisição de um casco para o primeiro SSN.

Construir submarinos convencionais não é grande coisa, a não ser que o interessado os construa às dúzias – coisa que ninguém faz. Um submarino convencional (SSK) é movido a motor diesel e baterias. Numa tal embarcação, o curso imerso é impulsionado por motores elétricos, cuja força é provida por grandes grupos de baterias. Na velocidade máxima (que, no caso dos modelos mais modernos, é de uns 20 nós – 35 km/h) a carga se esgota em quatro horas. Numa velocidade mediana (uns 8 nós), se esgota em 24 horas. Esgotadas as baterias, o submersível tem de usar o “snort” (ou “schnorkel”), um mecanismo que permite, submerso, acionar os motores a diesel. Mas este mecanismo, além de detectável com certa facilidade, por causa do barulho e do calor, torna a vida da tripulação um inferno. Ou então, sobe à superfície e fica lá por pelo menos 6 horas, navegando em velocidade máxima (no caso uns 11 nós) para que os motores a dieses acionem dínamos que recarregam os conjuntos de baterias.

Um SSN não tem nenhum desses problemas. Visto que não tem motores a diesel, mas uma turbina acionada por vapor produzido pelo reator nuclear (em suma é miniusina termonuclear e móvel), pode ficar meses embaixo da água, enquanto a tripulação aguentar. Em função de não  ter motores elétricos, baterias e outros quetais, tem mais espaço a bordo para a tripulação, equipamentos e armamento. E é muito mais rápido: os modelos mais modernos alcançam 35 nós (70 km/h) em imersão. Uma arma dessas é quase absoluta: nos anos 1970, apesar dos esforços da OTAN, 80 por cento dos submarinos nucleares soviéticos deixavam suas bases no Mar Báltico e ganhavam o Atlântico sem serem detectados pelos piquetes aeronavais no Mar do Norte. E os SSBNs soviéticos iam se posicionar em suas estações ao longo da costa norte-americana, cada um com oito mísseis balísticos, onde ficavam por cerca de 4 meses (eram frequentemente fotografados na superfície). Dá, então, para entender a opção da END: dissuasão.

Ainda assim, construir um submarino não é coisa fácil. A engenharia é extremamente complexa e o sistema incorpora sensores e armamentos que nosso aparelho produtivo ainda não domina. Um nuclear, mesmo sem mísseis balísticos, é muito mais cavernoso. Somente cinco países os constroem: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França, sendo que os dois últimos o fazem em doses homeopáticas, apenas para continuar achando que contam alguma coisa, como potências. Alguns outros poucos, como Israel e Alemanha reúnem condições tecnológicas de realizar tal projeto, mas não o fazem por restrições orçamentárias ou políticas. Recentemente, a Rússia alugou dois SSNs para a Índia. Este último país fez tal opção exatamente pelas restrições orçamentarias: a preços de hoje, um SSN novo custaria cerca de 2 bilhões de dólares por unidade. A MB provavelmente pagará um pouco mais barato, já que os custos para montar os sistemas do SSN BR serão em boa parte pagos por tabelas nacionais, bem mais baratas que as estrangeiras, e os sensores e sistemas de armas não serão de última geração. Segundo especialistas, um SSN “top de linha”, como os 6 que a Rússia está construindo, sairiam por uns 3 bilhões de dólares cada.

A parte mais importante do projeto, mas que estava bastante adiantada até 2013, era o desenvolvimento do reator – que implica em diminuir seu tamanho ao ponto de faze-lo caber nas dimensões de um submarino. Um reator nuclear em miniatura, no dizer  de um técnico. Segundo foi divulgado, o projeto, desenvolvido pelo IPqM (Instituto de Pesquisas da Marinha) em Aramar, São Paulo, já se encontra em fase de testes. Também estão sendo desenhados, com apoio francês, mísseis de cruzeiro adaptados para serem lançados através dos tubos lançatorpedos. Já existe um sistema de datalink naval em fase de testes e um sistema de análise de dados táticos em funcionamento.

Pós escrito::

Rascunhei o texto acima uns anos atrás, quando a Guerra das Malvinas estava fazendo 30 anos. Agora, me surpreendo ao encontrar, na Internet, o texto de autoria do juiz federal, doutor Narciso Alvarenga Monteiro de Castro – que prova que nem toda a Justiça Federal tem a cara do doutor Sérgio Moro. Os textos são basicamente a mesma coisa, já que existe muita gente preocupada com os rumos da “Operação Lava-Jato e suas coadjuvantes. Acho que os dois textos poderiam ser lidos um após o outro (o do juiz, primeiro).  Sua argumentação central é nada menos que excelente, mas merecia algumas ressalvas especializadas, que, respeitosamente, achei que poderia fazer.

Para concluir, peço licença ao autor do excelente artigo O desmonte de nossos programas estratégicos em que me inspirei para reapresentar o que acabou se ser lido, e usar a conclusão dele.

“É inconcebível que um suposto combate à corrupção possa conduzir ao desmonte em programas estratégicos da nação. Seria até risível se pensar que americanos, russos ou franceses encarcerariam seus heróis, seus cientistas mais proeminentes, ainda que acusados de supostos desvios.

Portanto, somente aos estrangeiros ou seus prepostos no país, pode interessar o atraso ou o fim dos programas estratégicos brasileiros. É mais que hora de uma intervenção do governo ou, no mínimo, uma supervisão bem próxima da nossa Contra Inteligência para a verificação do que realmente está por trás das investigações da PF (FBI? CIA?), MPF e dos processos a cargo da 13a Vara Federal de Curitiba.”::

Decisões estratégicas e de grande estratégia::O tapa-buracos aponta o futuro?::parte2

Umas duas semanas atrás iniciamos um comentário sobre a desativação dos Mirage 2000 que constituem, atualmente, a principal aeronave de interceptação/superioridade aérea da FAB, e os problemas que essa situação pode ocasionar, em função da interminável indefinição do programa F-X2 e da possível substituição do modelo a ser desativado por uma “solução de contingência”, o modernizado F5EM. Nesta segunda parte, vamos tentar estabelecer se se trata de uma boa ideia e quais seriam as alternativas disponíveis e – na minha opinião, a melhor parte – tentar entender como a situação chegou a tal ponto::

parte2Já vimos que o F5E “Mike”, embora tenha dotado a FAB de um caça com características de 4ª geração, não pode ser nada mais do  que uma solução de contingência, e não para longo prazo. É um projeto interessante, mas que dificilmente se sustentaria diante de nossos vizinhos mais bem fornidos. Entretanto, quero crer que temos algumas vantagens sobre esses vizinhos: por exemplo, o avanço seguro e sistemático no domínio, técnico e operacional, da doutrina de combate em rede. Usarei este aspecto como case study (para os que gostam de uma expressão tipicamente acadêmica…), mas poderia levantar outros – por exemplo, a crescente capacidade da indústria nacional em fabricar equipamentos – inclusive alguns tipos de armamentos – de razoável grau de sofisticação. O que quero levantar aqui é que, quando se pensa em termos de “grande estratégia”, não se pode (pelo menos não se deve) pensar apenas “no caça”, “no tanque” ou “na fragata”, mas em um conjunto de fatores que permitem projetar as demandas e a capacidade de supri-las, no médio e no longo prazo. A esta altura, alguns dos dezessete assíduos já deve estar pensando “este cara bebeu”. Esclareço – nem bebo nem tenho a tendência em pensar cor-de-rosa. Por este motivo escolhi a  “guerra centrada em rede”, ou Network Centric Warfare.

Não importa ir fundo em definir do que isto se trata. De forma geral, é o uso dos recursos disponibilizados, na modernidade, pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação, principalmente as redes de computadores, em cenários de conflito armado, não importa a intensidade. A GCR eleva de forma exponencial a consciência situacional tanto do combatente quanto da cadeia de comando, agilizando as tomadas de decisão e aumentando a possibilidade de que as decisões sejam corretamente implementadas e adaptadas às demandas apresentadas pela natural fluidez do combate.  A GCR é um ambiente teórico, no qual são construídas as “doutrinas”, quer dizer, as formas sobre como utilizar, de forma lógica e organizada, as forças militares. Os “aspectos físicos” da GCR são diversos, mas apontam todos para o  “enlace de dados militares” (a expressão em português para military datalink). Trata-se de um conjunto de meios que permitem processar e compartilhar de forma segura e em tempo real, as informações dos sensores das unidades em operação (aeronaves, veículos terrestres, navios e bases). O que um vê e/ou escuta é o que todos vêem e/ou escutam. A “rede” daí resultante aloca os comandos operacionais e os sistemas de armas disponíveis através de uma imagem comum do teatro tático – o campo de batalha -, daí o aumento da tal “consciência situacional” de todos os envolvidos. As “agências” (combinação de elementos humanos e equipamentos) em terra, no ar ou no mar, sejam essas plataformas móveis ou estações estáticas, tornam-se “nós de rede”, em condições de influir (embora nem todos possam decidir) na condução do combate.

As três forças brasileiras singulares se encontram pesquisando a GCR e os sistemas adequados às suas necessidades. Na FAB o que está atualmente disponível é baseado no que é identificado pelo acrônimo SISCENDA (“Sistema de Comunicações por Enlaces Digitais da Aeronáutica”). O uso do “enlace de dados” pela FAB remonta a um projeto, iniciado em 1998, destinado a criar um sistema de comunicações de combate entre os caças leves Embraer A-29A/B “Super Tucano” – então ainda em fase de projeto – com os Embraer ERJ145 AEW/C E-99A (então conhecido como R-99A e até hoje carinhosamente tratado, na FAB, por “grampeador”, de tão esquisito que é…). A ideia foi colocada a partir das necessidades surgidas do projeto SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), o amplo conjunto de sistemas e estruturas de vigilância aérea e comunicações que abrange a “Amazônia Verde”. Essa infraestrutura implica, para começo de conversa, em sistemas de radar, de comunicação e de apoio eletrônico, e inclui as aeronaves  E-99A, planejados para serem estações móveis de vigilância e controle, e o “Super Tucano”, este concebido para ser o “braço armado do sistema”.  O hardware do sistema é um rádio transceptor VHF/UHF desenvolvido pela empresa alemã Röhde & Schwarz. O software destinado a interligar os ST, que não são equipados com radar, ao  sistema de controle dos E-99A (este centrado em um poderoso radar AESA de origem sueca, o Erieye) foi desenvolvido de forma autóctone.

O projeto foi conduzido pela Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Espaço Aéreo (CISCEA), que coordenou instituições de pesquisa responsáveis pelo desenvolvimento do software – o ITA e Centro de Telecomunicações (CETUC) daPUC-RJ. Até então, a FAB utilizava um software de origem suíça, desenvolvido pela empresa Crypto AG, comprado na segunda metade dos anos 1990 sob a forma de “pacote fechado”. Já nas últimas etapas do Projeto SIVAM, na segunda metade de 2003, a FAB se viu diante do fato de que as comunicações militares da defesa aérea, para serem eficazes, tinham de ser invioláveis, e não eram. O equipamento em uso nos A1A e A1B (os AMX ítalo-brasileiros) não incorporava a técnica de “salto de frequência” nem encriptação em tempo real no momento do compartilhamento de dados, já que eram  de uma geração anterior. Após uma série de seminários internos, decidiu-se incorporar de uma vez o sistema de datalink, que vinha se tornando padrão nas principais forças aéreas, e já estava sendo pesquisado pela Marinha. O hardware que os alemães ofereciam para o SIVAM incluía duas características que eram o que a FAB queria: “salto de frequência” e criptografia em tempo real. Para fechar o contrato, foi feita a exigência da inclusão de transferência de tecnologia. Este foi o “pulo do gato” – a exigência foi jogada na mesa quando a venda estava quase fechada. Os alemães concordaram, já que se tratava de um venda potencial de mais de cem unidades físicas, além de um grande contrato de manutenção. Pesquisadores civis e militares brasileiros foram despachados para a Alemanha, onde foram capacitados para iniciar o desenvolvimento de um software que nos permitisse alterar a matriz das comunicações militares em território brasileiro, tornando-as seguras contra interceptação e análise.

O “protocolo” (conjunto de instruções responsável pela formação e controle de aplicações da rede de computadores, bem como pelas características de  funcionamento e pela segurança da rede) foi denominado LinkBR 1. Tinha diversas limitações e, de fato, pode ser considerado uma espécie de “versão beta do produto”:  permitia enlaces ponto-a-ponto e, de forma mais limitada, em rede, que operava em frequência fixa e sem proteção criptográfica. Nas comunicações “ida-e-volta”, os rádios que nas aeronaves e em terra transmitem os dados empregam a técnica de “salto de frequência” para se proteger de interceptação: em intervalos de tempo muito curtos buscam a banda mais próxima que não esteja sendo utilizada e, quando encontra, “salta” (hop) de uma para outra, “escondendo” assim o conteúdo da mensagem, que já foi encriptado. Como já está “em código”, o conteúdo é assegurado contra análise.

Inicialmente, o LinkBR1 esteve operacional apenas nos E-99A e nos A-29. É preciso frisar esta característica: para as outras aeronaves de combate, que não são capazes de troca direta de dados entre si, nem diretamente com estações de controle no solo, as comunicações são “intermediadas” pela aeronave de controle, que é capaz de encriptar os dados em tempo real e operá-los sem comprometer a própria posição e a das pontas (uma interessante visão geral do sistema, aqui). Essa limitação – que na prática torna a operação em condições reais bastante problemática – será resolvida com a nova versão do sistema, atualmente em fase de testes. Entretanto, isso é o futuro, em que a troca de dados entre aeronaves, diretamente, permitirá aos “Mike” (ou qualquer outra aeronave) compartilhar os dados do radar dos E-99A ou dos próprios radares Grifo F/BR.

Isso se tornará possível com a próxima versão do datalink: a LinkBR 2. Esta utilizará o protocolo TDMA (Time Division Multiple Access – simplificando, um tipo de administração de tempo de computador que atribui a vários usuários um fatia de tempo para introduzir e  ter seus dados processados e direcionar num único sistema central, responsável pela administração do conjunto). Isto permite comunicações seguras entre vários participantes, no ar e em terra. A rede passará a ser a principal característica do sistema, o que não é ainda o caso.

O LinkBR 2 está programado para ser testado na versão modernizada dos caças táticos A-1M e em seguida deve ser incorporado aos restante do inventário da FAB – inclusive ao transporte tático-reabastecedor Embraer KC-390, que entrará em serviço em 2016. Entretanto, não existem notícias consistentes sobre a quantas anda o desenvolvimento do sistema. Em 2012 foi assinado contrato com a empresa de defesa Mectron.

Deve-se dizer que nossos vizinhos também dispõem desses sistemas – notadamente a Colômbia e o Chile os têm plenamente integrados a operação das forças singulares, mas ou são sistemas desenvolvidos nos exterior, ou não funcionam plenamente. Os da Colômbia são desenvolvidos pela empresa israelense Rafael, e não “conversam” entre si plenamente; também existem contratos voltados para “comunicações seguras”, administrados pela empresa norte-americana Motorola. O Chile desenvolve sistemas autóctones através da empresa local SISDEF, com diferentes graus de sucesso. Ainda assim, continuo dizendo que estamos em vantagem. Porque? Porque processos autóctones de cabo a rabo dão ao país certa autonomia com relação a nossos potenciais “aliados” de primeira linha. A “vantagem” brasileira, segundo especialistas, é o país ter estabelecido, ao longo dos últimos cinquenta anos, um ecossistema robusto de pesquisa e desenvolvimento, composto por institutos de pesquisa aplicada avançada (como, por exemplo o ITA, o IME e o LPqM, além dos institutos das universidades federais), capaz de formar pessoal altamente capacitado, e uma indústria de defesa que pode absorver esse pessoal. A situação de penúria em que vivem as FFAA pode ser considerada, hoje, diversa daquelas vividas no final do século 19 ou nos anos anteriores à 2ª GM. Não é o caso de nossos vizinhos, pois o sistema produtivo aqui implantado não tem comparação possível com os do Chile ou da Colômbia.

Nosso problema é bem outro: em nosso país, ter um programa qualquer em desenvolvimento não tem significado, de fato, que ele vá ser concluído no prazo estipulado. Basta olhar para a construção da corveta “Barroso” (que levou mais de dez anos para ser completada) ou para o programa da “Missão Espacial Completa Brasileira” (que se arrasta desde os anos 1960).

De toda forma, os que se completam apontam o fato de que o Brasil se distingue na América Latina (mas de forma alguma entre os BRICs) pela “massa crítica”. O resultado é que produzimos sistemas de defesa que, se não são de primeira linha, também não são quinta. Vale dizer: se o “Mike” não é o top-de-linha, por ora é o possível, é um ganho e quebra um galho. Entretanto, o Governo Federal parece considerar que isto é o suficiente, “pelo menos por enquanto”. Aí mora o perigo, com relação aos programas de reaparelhamento e modernização das FFAA.

Fico por aqui. Num próximo posto, concluirei com uma reflexão sobre a encruzilhada do FX-2, seus motivos e possíveis alternativas. Como se dizia antigamente – fiquem sintonizados::

Decisões estratégicas e de grande estratégia::O tapa-buracos aponta o futuro?::parte1

Se há uma coisa que realmente gosto de fazer, quando sobra tempo, esta coisa é ler as caixas de comentários do blogue Poder Aéreo. Como todo blogue que soube se torna indispensável, o P.A. abre espaço para seguidores que são verdadeiras enciclopédias sobre o tema específico. Claro que também se torna uma plataforma para tudo quanto é sandice política possível, e para caras que parecem ter grande prazer em insultar-se uns em particular a outros, e ao governo, em geral. Mas, tolices pequeno-burguesas aparte, o fato é que já aprendi muita coisa interessante e útil gastando um par de horas percorrendo os postos do P.A. Também recomendo fortemente os outros blogues do sítio (não sei se posso classifica-lo assim, mas vá lá…) Forças de Defesa – Poder Naval e ForTe, e também a  revista que a turma produz, Forças de Defesa. Quanto a esta, é um excelente órgão de divulgação técnico-científica, embora a distribuição deixe muito a desejar (ou talvez eu é que tenha dado azar, até aqui…).

Estou esperando ansiosamente pelo posto do Galante, do Poggio e do “Nunão” (imagino o tamanho deste cara…) sobre a baixa dos Mirage 2000C do inventário da FAB, que está por acontecer – parece que em outubro. Será a consequência mais imediata (e por enquanto, a única) do até aqui malfadado programa FX-2, se bem que o que dela decorrerá, só os deuses da guerra podem saber. Já falamos bastante sobre os programas FX e FX-2 por aqui, de modo que os interessados podem dar uma forcinha cá pro blogue e ir até lá (ou aqui, aqui e aqui) olhar. Também já comentamos que, mesmo tendo sido uma gambiarra, a aquisição do F2000 (a notação do MIR2000 na FAB) fez alguma diferença para a força, introduzindo-a na era dos radares multimodo e dos mísseis BVR. As células (como os profissionais da área, civis e militares, chamam a estrutura das aeronaves, limpas, sem motores, aviônicos e armamentos), quando da aquisição, em 2005, datavam de meados dos anos 1980 (mais exatamente, de 1985-86) e estavam estocadas na França desde meados nos anos 1990. Na época, essa aquisição, feita às pressas, destinava-se a resolver, emergencialmente, o problema de que a suspensão do programa FX, logo no início do primeiro governo Lula, resultaria, em pouco tempo: a virtual desativação do 1° Grupamento de Defesa Aérea (GDA) , a principal unidade de superioridade aérea do país – o que, por sinal, é exatamente o que irá acontecer agora.

Segundo especialistas, a desativação dos F2000 não tem, em princípio, razões técnicas, pois as células, embora já bastante rodadas, não estão ainda no limite da vida útil – quando a fadiga estrutural se torna uma ameaça incontornável à integridade da aeronave, do piloto e do ambiente. Segundo posto já bem antigo do blogue Poder Aéreo, o problema é meramente econômico: o governo não estaria disposto a gastar 4 milhões-de-qualquer-coisa (a moeda não foi especificada pelo redator) para adquirir as peças de reposição necessárias para manter as aeronaves em condições de voo por mais alguns anos. Este problema, aparentemente, remete a outro, que talvez seja o problema de fundo: a hora de voo do F2000 é bastante cara – situa-se, segundo estimativas especializadas, acima de R$ 40.000. É de pleno conhecimento de todo mundo que pelo menos lê jornal diário, que os cortes de verbas para as FFAA têm chegado ao limite do tolerável, e a situação de aprestamento já passou do nível “preocupante”, atingindo, segundo alguns milicos com os quais converso regularmente, o buraco “desesperadora”.

Segundo tem sido dito, a solução “gap filler” (a tradução livre para o português usual seria “solução de contingência”, mas no caso, é “tapa-buraco”, mesmo) deverá ser a transferência de alguns F5EM, atual “orgulho da esquadra”, dados como capazes de cumprir de modo satisfatório, certas funções de defesa do espaço aéreo, desde que não exijam enfrentamento com aeronaves de quarta geração – que, na América Latina, existem apenas nos inventários do Chile e da Venezuela.

A história do F5M é curiosa, mas bastante reveladora das mazelas de nossas políticas de defesa ao longo dos últimos 50 anos. Ao longo da segunda metade da década de 1990, apesar do babaovismo descarado do governo FHC (como por exemplo, assinar, contra o parecer do Itamaraty, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), o Brasil não tinha se tornado “parceiro preferencial” dos EUA. Dentre outras “demonstrações de apreço”, Tio Sam recusava-se terminantemente a liberar equipamento para as FFAA, dentre as quais a FAB, que necessitava, dentre outros parangolés, de misseis Sidewinder de uma versão mais atualizada, para equipar os F5E. Juntava-se a isto a procrastinação do governo em relação à modernização do inventário de combate da força, que se manifestava sobretudo na enrolação do concurso F-X.

O concurso F-X (o primeiro…) foi proposto durante o primeiro governo FHC para escolher a aeronave de caça que iria substituir os Mirage F103, que em 1996 embora ainda tivessem algum tempo de vida útil pela frente, já estavam muito obsoletos. A aquisição deveria ser de doze aeronaves, dez monopostos e dois bipostos, que seriam alocados no GDA. Só que, passados alguns anos, diante da situação já bastante indeterminada, e antevendo o fim da vida útil de sua principal aeronave de combate, no final dos anos 1990 as esferas superiores da força começaram a discutir “aquisições de oportunidade”, como a MB e o Exército vinham fazendo, com resultados questionáveis. “Aquisições de oportunidade” se mostraram complicadas: ou não existiam aviões disponíveis ao preço que o governo federal se dispunha a pagar, ou, quando encontrados, eram quase sucata. A busca procurava identificar, preferencialmente, F5E/F usados.

Pode-se dizer que a FAB se entendia bem com o F5E. O caça tático era considerado fácil de pilotar, de manter, robusto e, sobretudo, barato – tanto que os pilotos de caça voavam adoidado. O PAMA/SP (acrônimo de “Parque de Manutenção de Material Aeronáutico” – enormes oficinas industriais de manutenção e reparos de aeronaves, estabelecidas pela FAB depois da 2ª GM), o “parque central” do tipo, já tinha desenvolvido uma sistemática prá lá de testada para revisar e manter as células, e lograva resolver problemas cascudos que eventualmente apareciam. O problema é que os F5E/B, se em 1975 não eram grande coisa, ainda quebravam um galho, na segunda metade dos anos 1990 já estavam perigosamente obsolescentes. Como a concepção do F-X nunca cogitou trocar toda a frota, o retrofitting (trata-se do termo correto a ser usado) tornou-se uma opção a ser considerada, já que as revisões das aeronaves disponíveis mostrava que o estado das células existentes (na época, pouco mais de 40 unidades) podia considerado de razoável a bom. Dadas as qualidades de voo da aeronave, sua alta capacidade de manobra e, sobretudo, a simplicidade de construção e robustez (qualidades que, de fato, seduziam os militares e civis da FAB com relação aos equipamentos norte-americanos), os técnicos indicaram pela manutenção das características aerodinâmicas, visto que qualquer mudança neste aspecto implicaria em reconstruir a célula. A modernização teria de ser nos sistemas de voo (“aviônicos”) e nos sistemas de armas. A Embraer foi consultada sobre a possibilidade de executar o projeto.

A requisição da FAB pareceu grande demais para a empresa brasileira, que entrou em contato com os israelenses da empresa de tecnologia militar Elbit. Havia motivos para tal: a Elbit participava da modernização de uns quarenta F5E/F da Força Aérea de Singapura, iniciada em 1996 e então ainda em curso. Este projeto foi a base para o realizado nos F5E/F da FAB, inclusive a escolha do radar de controle de fogo, o FIAR Galileo (empresa do supergrupo italiano Finmeccanica) Grifo-F. Os israelenses, inicialmente, ofereceram um produto local, o EL/M-2032, da empresa Elta, que não foi aceito pois sua instalação exigiria modificações extensas nas células – como aconteceu com o programa “Tiger III”, executado pela Elbit para o Chile. Na época, a indústria brasileira também visava seduzir os italianos para um projeto de modernização planejado para os AMX (que acabou dando em nada). Ainda assim, o programa dos F5E/F revelou-se interessante aos israelenses: a FAB possuía pelos menos 100 aeronaves que, a longo prazo, poderiam ser modernizadas. Em função do projeto, “Seu Isaac” não perdeu tempo: assinou uma parceria com a empresa nacional Aereletrônica, de Porto Alegre, e a tornou integradora de sistemas concebidos em Israel e indicados para a retrofitagem dos aviões da FAB.

O custo do projeto foi calculado em uns 300 milhões de dólares, sem incluir a aquisição de armamento de quarta geração, que a FAB não tinha – os mísseis ar-ar do inventário ainda eram os AIM9B que tinham vindo em 1976, e os Matra R530, chegados com os Mirage. Como era de se esperar, entretanto, o governo FHC tratou o projeto como vinha tratando o FX – cozinhando a paciência dos milicos em banho-maria. Iniciado o governo Lula, em 2002, e com o surpreendente engavetamento do projeto FX, e, ainda por cima com o fim da vida útil dos F103 agora em tela, o governo federal acenou à FAB com a execução do programa. Este começou em 2003, com o envio pela FAB de oito células completamente revisadas para a planta industrial da Embraer em Gavião Peixoto, SP. A coisa toda correu surpreendentemente bem, e as primeiras unidades foram entregues à FAB para avaliação no mesmo ano. A entrega dos primeiros exemplares aos esquadrões começou em 2005. Atualmente o programa está completo, e os “F5EModernizado” (ou “M”, “Mike”, na linguagem internacional de rádio, como passou a ser chamado na FAB) têm se saído muito bem em atividade, para surpresa até mesmo da FAB.

Já ouvi gente dizendo que o “Mike” pode ser considerado um caça da “geração 3,5” (não sei se existe esta classificação, mas se não existe, tratemos de inventá-la…). Projetado ao longo da segunda metade dos anos 1950 como F5A, a versão F5E tornou-se plenamente operacional no início dos anos 1970 e entrou em serviço na FAB em 1975. A adoção do radar multimodo Grifo-F/BR (versão com modificações na antena, desenvolvida para atender às especificações dos militares brasileiros) foi o centro do conjunto de modificações tecnológicas implementadas. De modo muito simplificado (porque tomaria páginas e mais páginas explicar com detalhes, e não é este meu objetivo), pode-se dizer que o radar torna-se centro de um sistema de armas apoiado no conceito “glass cockpit” (“cabine de vidro”, em tradução livre), uma ambiência visando a diminuição do esforço de pilotagem. Através de três telas multifuncionais, do controle dos sistemas de voo e de armas através de teclas integradas ao manche e ao manete de potência (sistema conhecido como HOTAS – acrônimo de Hands On Throttle And Stick – “Mãos no Manete e no Manche”) e do visualizador de parâmetros HUD (Head Up Display – algo como “Mostrador elevado à altura da cabeça”), a cabine se torna uma interface homem-máquina que diminui notavelmente o trabalho físico do piloto, trabalho que (pelo menos em teoria) com o treinamento, torna-se intuitivo.  Esses sistemas agregam o uso de HMD (Helmet Mounted Display – “visor montado no capacete”)e NVG (night vision googles, “óculos de visão noturna”), que também visam diminuir o estresse de missão. Diversas funções do piloto passam a ser cumpridas por computadores de missão redundantes (funcionam ao mesmo tempo e um serve de backup para o outro), que compilam informações obtidas através dos diversos sensores (a começar pelo radar), e tornam a aeronave capaz de voar e combater de dia e de noite e em qualquer condição de tempo. Os computadores também coordenam um sistema de navegação INS (“navegação inercial”)/GPS que permite o controle de voo autônomo. Sobretudo, foi adicionada certa capacidade de troca de dados (“enlace de dados”) encriptados em tempo real entre aeronaves, por enquanto só as do mesmo tipo.  Os “Mike” passaram a ser capazes de operar misseis de quarta geração, tais como os Python 4 e Derby (este um BVR considerado bastante avançado, embora não “estado da arte”), bem como os “meia boca” nacionais MAA1A e MAA1B e o futuro A-Darter (este sim  uma geringonça de primeira linha).

Claro que, como não poderia deixar de ser, o programa não deixou (e deixa) de envolver um monte de polêmica. Alguns especialistas dizem que a aeronave adquiriu capacidades de caça da 4ª geração; outros tantos dizem que se trata de uma falácia. Ainda que tenha se saído bem em exercícios recentes (inclusive no decantado Red Flag de 2008), o “Mike” guarda, desde sua origem, um desempenho geral bastante pobre, e que não poderia ser modificado, a não ser com modificações estruturais que equivaleriam a construir uma aeronave nova. Sua velocidade em voo nivelado é, “molhado” (ou seja, em regime de pós-combustão) de uns 1700 km/h. Isto se deve às pequenas dimensões da aeronave, que, somadas ao desenho (característico do que seria uma “geração 2,5” das aeronaves de caça, do final dos anos 1950), carrega pouco combustível no tanque interno. Também são pífios sua razão de subida, 176 m/m  e teto máximo, de uns 15000 m . Ou seja: não é um caça de superioridade aérea, a não ser que a superioridade seja sobre vizinhos como a Bolívia ou o Uruguai.

Mesmo considerando a excelente qualidade da formação dos pilotos de caça brasileiros (que sucessivos governos pós-regime militar não conseguiram detonar… ainda) e a qualidade da organização e administração da FAB, dificilmente os caçadores brasileiros se aguentariam em combate real contra um adversário que medianamente saiba o que faz montado em material “estado da arte”, a não ser que tivessem um superioridade numérica esmagadora – coisa que não é o caso.

Bem, já vimos então que o “Mike” é um tapa-buracos. Bem bom, mas não passa disto. No entanto, ele não nasce tão morto assim, e pode ser, quem sabe, fonte de boas idéias. Na próxima e última parte desta pesquisa, veremos porquê::

A DAAe do EB chega ao presente::Uma geringonça de primeira linha no inventário, afinal::

parte1Não se trata de notícia nova – até pelo contrário: em fevereiro último, o governo brasileiro decidiu pela aquisição, em um primeiro momento, de cinco baterias AAe de origem russa. Duas são do tipo Igla-S, de defesa de ponto (curto alcance) e três são do tipo Pantsir S-1.

A “carta de intenções” entre brasileiros e russos foi assinada em fevereiro, e é apenas o começo da discussão visando estabelecer o preço final da aquisição e conseguir maiores vantagens da parte dos russos. A assinatura do contrato definitivo deve acontecer em julho e as primeiras entregas, dezoito meses depois. O produto pode ser customizado segundo exigências pontuais do comprador: no caso brasileiro podem ser adotados alguns componentes fabricados por aqui, como as carretas blindadas, que têm um equivalente nacional, fabricado pela Avibrás para o sistema Astros-2. Já a adoção do radar nacional Saber 200, citada em alguns informes da imprensa, parece muito pouco provável pois implicaria em modificações de sistema que dificilmente os russos (ou qualquer outro fabricante) estariam dispostos a fazer. De toda forma, estimativas especializadas colocam o valor do pacote completo em pelo menos US$ 1 bilhão.

São ambos sistemas antiaéreos “estado da arte”. Pode-se dizer que o Igla já existe por aqui, e é conhecido tanto pelo EB quanto pela FAB – numa versão considerada ultrapassada, embora ainda eficaz, e que desperta um bocado de controvérsia (causa:: falou do assunto recentemente). A linhagem Igla faz parte dos sistemas conhecidos genericamente como MANPADS (acrônimo, em inglês de MAN Portable Air Defense  System – “Sistema de Defesa Antiaérea Portável por Homem”). O conceito surgiu como desdobramento da ideia, datada da 2ª GM, de armamentos de infantaria operados por pequenas equipes (dois ou três elementos), apontados a partir do ombro de um deles. O alcance dessas armas é “visual” – o operador tem de colocar o lançador mais ou menos na direção do alvo –, e o elemento-vetor é um foguete ou míssil de pequeno porte (no máximo dois metros de comprimento e 12-15 kg de peso).

O MANPADS típico é dividido em duas partes. Uma peça chamada, em inglês, handgrip (“empunhadura”) é considerada por alguns especialistas como o armamento, de fato: contém os sistemas de pontaria e (dependendo do modelo) guiagem, os sistemas eletrônicos e mecânicos que acionam a “munição” (em seguida explico por que as aspas), a bateria e a unidade “esfriadora” (no caso dos “buscadores de calor”); nesta peça, que pesa entre seis e dez quilos, dependendo do modelo considerado, é alojada a “munição”, um míssil auto ou teleguiado a combustível sólido, com uma cabeça de guerra de alto explosivo pesando entre um e três quilos. O míssil, pesando entre 8 e 12 quilos, é contido num tubo descartável, que, em alguns casos, pode ser reutilizado. Parte da literatura técnica considera a bateria e a “unidade esfriadora” como uma “terceira parte” do conjunto, pois têm de ser trocadas após certo tempo, ou após o disparo de uma “carga de munição”. Aqui no causa::, tendo a considerar a geringonça toda como um “sistema de armas”, visto que um não serve para nada sem o outro.

A quase totalidade dos MANPADS adota um entre dois tipos de sistema de guiagem: o primeiro, mais comum, é chamado “guiagem passiva” (passive homing em inglês): não emitem ondas eletromagnéticas de qualquer tipo, mas captam emissões dessas por alguma fonte externa relativamente próxima. Esses sistemas são colocados no próprio míssil, de modo que o operador, depois do lançamento, não tem mais controle sobre a trajetória. Estes sistemas de armas são os mais comuns: setenta por cento dos que estão ativos, o adotam. O segundo é menos comum: numa tradução livre, podemos chama-los de “guiagem de comando” (em inglês, command guidance). A trajetória do míssil é determinada por uma fonte externa, comandada pelo operador e captada por um receptor instalado no míssil. Um terceiro sistema é bem mais raro nesse tipo de arma: guiagem semi-ativa (semi-active homing, em inglês). Nesta, uma fonte externa “ilumina” o alvo através de uma fonte emissora de ondas, e míssil “percebe” a posição da interferência.

Os Igla são a terceira geração dos sistemas de guiagem passiva. Estes sistemas de armas se tornaram possíveis a partir do desenvolvimento, durante os anos 1950, de aparelhos de guiagem “buscadores de calor” (tradução livre da expressão heat-seekers). São equipamentos “passivos” porque não emitem ondas eletromagnéticas de qualquer tipo, mas captam emissões dessas por alguma fonte externa relativamente próxima. No caso, radiação do espectro eletromagnético em amplitudes de ondas que geram calor, mas são invisíveis aos olhos, conhecidas como “infravermelhas” (IR, do inglês infrared). O princípio é relativamente simples: a impulsão proporcionada por motores à reação baseia-se na emissão de jatos de gás em alta velocidade, numa única direção. O atrito provocado pelo movimento do gás gera “calor”, ou seja, uma súbita emissão de micro-ondas que se concentra em grande quantidade junto à cauda da aeronave, antes de se dispersar (por sinal, muitos corpos físicos têm essa propriedade de emitir, concentrar e dispersar calor). A cabeça de guiagem “buscadora de calor” possuí pequena quantidade de uma substância semicondutora (na primeira geração, sulfeto de chumbo II – PbS –, ou “galena”; nos mais modernos, antimoneto de índio – InSb – ou mercúrio-cádmio-telurídio – HdCdTe), todos elementos minerais com a propriedade de “medir” emissões de fótons em sequência (fotocorrente ou corrente fotelétrica). Essas emissões causam alteração no comportamento físico da substância, alteração que gera energia suficiente ser repassada a uma unidade de comando e controle eletrônica. Na primeira geração e em alguns tipos da segunda, essas unidades de controle eram analógicas; em partes da segunda e na terceira geração, digitais. A unidade de comando e controle interpreta os dados e aciona controles mecânicos dos aerofólios móveis, que mudam a direção de vôo do míssil.

Esse processo foi aplicado pela primeira vez no míssil ar-ar AIM9 Sidewinder, que começou a ser desenvolvido em 1949 e entrou em serviço em 1956. Nos final dos anos 1950 o sistema foi diminuído o suficiente para ser colocado em uma arma portátil, no caso o FIM- 43 Redeye, da empresa Convair (depois General Dynamics), que entrou em serviço em 1965, abrindo a primeira geração de MANPADS. Pouco depois, apareceu uma versão soviética, o sistema 9K32, desenvolvido pelo escritório de projetos (em russo, OKB) 134, dirigido pelo engenheiro Turopov nas proximidades da cidade de Tushino. Estreou em 1968, apelidado pelos soviéticos Strela e foi referenciado pela OTAN como SA-7 Grail. O SA-7 é geralmente tratado pela bibliografia especializada como cópia do Redeye obtida através de engenharia reversa, embora a história nunca tenha sido definitivamente provada.

Um problema dos MANPADS que não existia nos armamentos de ombro até então era o jato de chamas gerado pelo propelente do míssil, que poderia torrar o operador. A solução imaginada foi introduzir uma carga menos potente, chamada “de ejeção”, situada na extremidade posterior do míssil. Esta serve apenas para fazer o vetor deixar o tubo de lançamento, gerando um bocado de fumaça, inócua para o operador. Alguns segundos após o acionamento da “carga de ejeção” é acionado o “motor de vôo”, um motor-foguete que rapidamente acelera o vetor até velocidades que podem chegar até 1200 m/s, nos modelos mais modernos (para uma visão geral dos sistemas MANPADS, clique aqui).

Os MANPADS da primeira geração não eram lá muito eficientes: tinham de ser colocados pelo operador diretamente na direção da fonte de calor, ou seja, da cauda da aeronave e, ainda assim, o tempo de reação do míssil era geralmente menor do que a velocidade da aeronave, de modo que eram plenamente eficazes apenas contra helicópteros ou aeronaves voando em velocidades relativamente baixas, ou que passassem diretamente sobre a posição do míssil. Ainda por cima, as primeiras cabeças de guiagem não conseguiam distinguir faixas muitos amplas do espectro de micro-ondas, de modo que podiam ser “enganadas” por outras fontes próximas. Assim, não demorou a aparecerem contramedidas altamente eficazes, conhecidas como flares – uma cápsula ejetada por uma aeronave que, ao ser ativada gera, por reação química e sem explosão, uma grande quantidade de luz e calor durante um período que varia entre cinco e dez segundos.

A estreia em combate real do MANPADS deu-se na Guerra do Yom Kippur (1973), em grande estilo: a vantagem inicial egípcia deveu-se, em grande parte, à anulação da eficiente aviação israelense por sistemas de defesa AAe repassados às forças árabes pela União Soviética. A tática israelense de voar baixo com caças-bombardeiros A-4 Skyhawk, de modo a evitar a vigilância de radar foi anulada pela presença de 2000 SA-7 Strela-2, responsáveis pela derrubada de doze aeronaves, e por danos incapacitantes em outros dezoito (algumas fontes elevam este número para 45 baixas). A presença desse armamento acabou obrigando os israelenses a mudarem parcialmente suas táticas, passando a voar em altitudes médias, e assim entrando na faixa de alcance dos sistemas Tunguska (o avô do Pantsir S-1, mas disso a gente fala depois…) e dos SAMs convencionais. O melhor treinamento dos pilotos egípcios de caça (dentre os quais o mal fadado Hosni Mubarak) fez o resto, de forma que a guerra aérea, naquele conflito, pode ser considerada quese um empate.

As segunda e terceira gerações de MANPADS têm seus principais representantes no Stinger dos EUA, no SA-14 Strela-3 soviético, FN-6 chinês, Mistral francês e Blowpipe, da Grã Bretanha. O uso de cabeças de guiagem baseadas em antimoneto de índio e mercúrio-cádmio-telurídio aumentou a eficiência da leitura do espectro de cores IR, e as mais atualizadas conseguem distinguir faixas do espectro ultravioleta (UV), o que possibilitou que os mísseis passassem a distinguir entre o emissor primário e os secundários e, desta forma, adquirissem o alvo de forma correta, evitando interferência. Um aspecto decisivo que aumentou exponencialmente a eficácia dos MANPADS da segunda geração foi a introdução de “baterias termais”, unidades geradoras de eletricidade de maior eficiência, e “unidades resfriadoras de bateria” (em inglês, BCU – battery coolant unity), também conhecidas  como. Essas unidades abaixam a temperatura do buscador IR até cerca de -200°, aumentando a sensibilidade do semicondutor da cabeça de guiagem e, por consequência, a eficácia do sistema.

Entretanto, a partir da segunda geração começaram a surgir – ou ser retomados – métodos de guiagem ativa, a tal ”guiagem de comando”. Em última análise, é a releitura de um sistema usado na 2ª GM, pelos alemães, em bombas planadoras e mísseis antiaéreos. O operador dirige o vetor utilizando a combinação de um visor e um pequeno manche (em inglês, joystick). É o sistema utilizado pelo MANPADS britânico Blowpipe (“zarabatana”). Este adota uma variação do sistema denominado MCLOS (abreviatura, em inglês, de Manual Command Line Of Sight, ou “Comando Manual por Linha de Visada”).  Através de emissões de rádio estimuladas pelo movimento do joystick, a trajetória do vetor é corrigida até alcançar o alvo. O operador tem de colocar o míssil na direção do alvo, dispara-lo e, após três segundos, passa a dirigir a trajetória movimentando um pequeno joystick com o polegar, até conseguir o impacto. Parece fácil? Tente faze-lo com uma geringonça de sete quilos apoiada no ombro. Tratava-se de um processo complexo, que exigia equipes muito bem treinadas e conhecedoras do sistema, o que rompia a filosofia básica do conceito MANPADS. Em 1985 a arma foi descontinuada pelos britânicos. Umas cinquenta unidades foram vendidas aos argentinos no final dos anos 1970, de modo que, durante a Guerra das Falklands, ironicamente, os dois lados estavam armados com o produto britânico. Os britânicos afirmam ter derrubado nove aeronaves argentinas por meio dessa arma e os argentinos dizem ter abatido dois helicópteros e uma aeronave VSTOL Harrier.

Também foi nos anos 1980 que a entrega, pela CIA, de 1000 FIM-92 Stinger aos guerrilheiros afegãos fez deste sistema de armas um verdadeiro astro da guerra de guerrilha contra os soviéticos. Segundo informações distribuídas pela agência de inteligência norte-americana, entre 400 e 500 aeronaves soviéticas e afegãs, aviões e helicópteros foram abatidos em pouco mais de cinco anos. No Afeganistão, o conceito de MANPADS chegou à maturidade e tornou-se motivo para que tanto soviéticos quanto, posteriormente, os próprios norte-americanos mudassem, suas táticas de apoio aéreo aproximado, passando a evitar perfis de ataque muito próximos do solo. A eficiência dos MANPADS contra aeronaves voando em altitudes ultrabaixas, em solo acidentado, as tornava alvos fáceis para irregulares com baixo nível de treinamento, alta consciência do terreno e altamente motivados. Em função do curto alcance dos mísseis “buscadores de calor”, as incursões soviéticas passaram a ser feitas de altitudes médias e altas, que, dada a alta mobilidade das unidades de guerrilheiros, eram muito pouco efetivas. Posteriormente, em sua guerra afegã “contra o terrorismo”, os norte-americanos passaram a usar ataques de uma única aeronave em grande altitude e usando armamento inteligente – também sem grande eficiência e com alto número de baixas colaterais.

Desde meados dos anos 1990, o Brasil tem adquirido alguns lotes do SA-18 Grouse. Os SA-18 são a versão anterior do sistema de armas adquirido agora, este referenciado pela OTAN como SA-24 Grinch (um tipo de duende que rouba motivos de satisfação alheia – no caso, dos pilotos de aeronaves…) e apresentado pelos fabricantes em 2008. Com relação à versão usada pelas FFAA brasileiras, o SA-24 tem maior alcance (6 km contra 4,5 km) e maior eficiência noturna. Esta é provida pela combinação de um rastreador de alvos baseado em amplificador de luz passivo (instalado na empunhadura), que se combina ao tradicional, baseado no buscador de emissões IR. Segundo os fabricantes, é plenamente eficaz contra alvos em vôo em altitudes de até 3500 m, mas ainda se destina-se principalmente a opor alvos em velocidade subsônica: helicópteros, mísseis de cruzeiro e aeronaves não tripuladas. Contra aeronaves em velocidades transônicas, sua eficácia decai exponencialmente. Ainda assim, o Igla-S é bastante versátil, podendo ser adaptado para vários tipos de plataformas estáticas, em navios e em helicópteros.

A aquisição de duas baterias faz sentido em função do fato de uma complementar a outra.  Os Igla-S, instalados em lançadores duplos operados por um único homem, podem ser rapidamente transportados e postos em bateria, em locais bastante discretos, como topo de prédios ou mesmo em pequenos veículos do porte de um pequeno caminhão. A outra parte da compra, o Pantsir S-1, é bem mais complexa, e constitui um sistema pelo menos em princípio mais eficiente, voltado para a aquisição de alvos em distâncias médias. Combina mísseis e armamento de tubo, orientados por radar. Falaremos deste em outra hora, para termos uma visão ampla da aquisição brasileira, suas possíveis vantagens e desvantagens::

causa::também tem saudades::Flakpanzer Gepard::Uma boa idéia?::

Em 2012 começaram a circular rumores de que se desenhava outra “compra de oportunidade” pelo EB. Desta vez, o objetivo seria parte das ações previstas no PEE DAAe (Projeto Estratégico do Exército Defesa Antiaérea), um dos projetos estratégicos de longo prazo do EB. O projeto foi apresentado recentemente como tendo concluída sua “primeira fase”, cujo objetivo geral é atualizar o Sistema de Defesa Antiaérea da Força Terrestre (SDAAe/FT). Os trabalhos começaram há mais de doze meses e foram produzidas cerca de quatro mil especificações  detalhando os sistemas que irão compor a Defesa Antiaérea, como, por exemplo, o de armamentos, equipamentos de comunicações e de logística . A proposta está no âmbito da Estratégia Nacional de Defesa, e tem orçamento previsto de R$ 2,3 bilhões (o que, sabemos muito bem nós, cristãos, poderia ser 23 ou 230 bilhões, pois isso não significa que o dinheiro vá, de fato, ser disponibilizado…). Caso sejam de fato incluídos no orçamento da República, os recursos servirão para financiar o planejamento e aquisição dos meios adequados a proteger estruturas consideradas estratégicas para o país: usinas hidrelétricas e nucleares, aeroportos, portos e instalações de comunicações.

Os rumores, ressoados histericamente na Internet, na ocasião foram amplificados pela necessidade criada em função da proximidade dos eventos internacionais de grande porte que o país tinha se comprometido a receber – os torneios de futebol de 2013 e 2014 e as Olimpíadas de 2016. A segurança desses eventos implica em criar uma espéciede “domo” sobre os locais de realização, e o fato é que nenhuma das “forças singulares” tem tal capacidade. No apagar das luzes do ano (mais exatamente em novembro) o EB anunciou ter fechado a aquisição de um lote de blindados Krauss-Maffei-Wegmann “Flakpanzer Gepard”, equipamento alemão baseado no chassi do Leopard 1 e com mais de trinta anos de serviço ativo no exército da República Federal da Alemanha.

Trata-se de um veículo bastante interessante, destinado a fornecer defesa aproximada para colunas blindadas e motorizadas em movimento, concentrações de tropas e pontos de interesse, dentro do conceito conhecido como SPAAG (acrônimo de Self Propelled Anti Air Gun, “canhão anti-aéreo autopropulsado”). Basicamente, é um canhão de pequeno calibre, automático, montado sobre uma plataforma móvel, capaz de disparar em movimento contra alvos aéreos voando a baixa altitude num raio relativamente pequeno com relação ao ponto de emprego. O conceito não é novo, ao contrario do que se pode pensar: já na 1ª GM, ingleses, franceses e alemães experimentaram montar canhões de pequeno e médio calibres na carroceria de caminhões. Na 2ª GM, SPAAGs montados sobre chassis de tanques dos quais a torreta havia sido retirada já eram conhecidos e também já era claro que plataformas montadas sobre esteiras eram mais efetivas do que os caminhões, em função do problema da estabilidade da plataforma no momento do tiro; outro motivo era a maior habilidade dos veículos sobre esteiras em negociar com terrenos acidentados. Ao longo da guerra, a tendência foi que os SPAAGS fossem concebidos em torno  de armas automáticas nos calibres 11,7 mm, 20 mm, 30 mm, 37 mm e 40 mm. Após a 2ª GM, se consolidaram os SPAAGs instalados em veículos sobre esteiras, assim como o uso de canhões automáticos bitubo ou quadritubo. O salto foi, de fato, nos sistemas de pontaria: os sistemas óticos de busca de alvos foram paulatinamente substituídos por sistemas baseados em radar. O Flakpanzer Gepard é tributário desse conjunto de desenvolvimentos, e também da consolidação da Alemanha Federal como parceiro político e militar do Ocidente no período da Gerra Fria contra a União Soviética.  

Após a reconstituição política da República Federal da Alemanha (RFA), em 1955, o recém formado Bundeswehr (“Forças Armadas da Federação”, em tradução livre: Bundesheer – “Exército da Federação”, Kriegsmarine – “Marinha de Guerra” e Bundesluftwaffe –“Arma Aérea da Federação” ) começou a ser equipado com material de procedência norte-americana, que se mostrou pouco adequado para o papel reservado a Alemanha na defesa da Europa Ocidental. Em 1956, os requisitos de um tanque pesado (em inglês Main Battle Tank – MBT) foram apresentados pelo Bundesheer. Em 1957 RFA e França assinaram um acordo para desenvolverem em conjunto um novo tanque pesado. Divergências entre os dois países fizeram com que o acordo tivesse o destino que tiveram vários outros: foi desfeito e cada pais seguiu o próprio projeto. A França desenvolveu o AMX-30; a Alemanha, o Leopard.  O projeto foi um marco para a  RFA: pela primeira vez desde a guerra uma iniciativa de grande porte, envolvendo diversas empresas era conduzida de forma totalmente independente. O novo veículo começou a ser distribuído em 1965.

Com o Leopard ainda em desenvolvimento, em 1963, a OTAN apresentou a requisição de um sistema de defesa anti-aérea de ponto de alta mobilidade para as forças armadas de seus países membros. Essa requisição deveu-se à constatação do crescimento do poderio aéreo soviético. As aeronaves e táticas vinham se mostrando capazes de realizar penetrações bem sucedidas em baixo nível. Logo ficou decidido que o sistema deveria ser desenhado em torno do canhão Oerlikon 35 mm/90 calibres KDA, concebido na segunda metade dos anos 1950 para combater incursões de perfil lo-lo-lo (de low-low-low, “baixo-baixo-baixo” – um tipo de perfil de missão em que a aeronave busca manter-se abaixo da cobertura do radar inimigo e só é percebida quando está quase sobre o alvo). Os alemães consideraram imediatamente a possibilidade de usar o chassi do Leopard. Embora o novo blindado tenha se saído muito bem nos testes ao longo do ano de 1964, o desenvolvimento da plataforma anti-aérea mostrou-se lento em função de problemas com o sistema diretor de tiro. O radar móvel suíço Superfledermaus foi posto em serviço em 1963 pela empresa Contraves, mas levou muito mais tempo que o esperado integra-lo ao veículo alemão. O resultado é que as primeiras unidades de linha só entraram em serviço na primeira metade dos anos setenta. Em 1976 e 1977, Bélgica e Holanda adquiriram o sistema. O belga era idêntico ao alemão; já o holandês foi equipado com sistemas locais de direção de tiro instalados em uma torre totalmente redesenhada.

Quando foi posto em operação, a principal função do Gepard tinha se tornado o enfrentamento contra helicópteros “canhoneiros” (gunships). Estes tinham se tornado “moda” depois da Guerra do Vietnam e, naquela época (entre 1973 e 1975) as forças armadas soviéticas estavam cheias deles, principalmente o “tanque voador” MI24 Hind, distribuído em sucessivas versões a partir de 1972. O campo de batalha, naquele momento estava ocupado por mísseis superficie-ar que passaram a ser a principal oposição contra aeronaves.

O Gepard, que em última análise pode ser considerado conceito resultante da soma do chassi do Leopard-1 A1 com o canhão Oerlikon KDA e o Diretor de Tiro Superfledermaus, foi considerado durante muitos anos o mais eficiente sistema de canhões antiaéreos móveis disponível no Ocidente. No final dos anos 1970, os norte-americanos tentaram reproduzir o conceito no sistema DIVAD (acrônimo de Division Air Defense) juntando o chassi de um tanque M-48 Patton, descontinuado pelo Exército, uma versão local do canhão Bofors de 40mm L/70 e um Diretor de Tiro extremamente complexo, baseado no radar aéreo Westinghouse AN/APG-66, além de um sistema de telêmetro optrônico. O projeto acabou cancelado por dificuldades de desenvolvimento e pelos custos astronômicos. Outro projeto semelhante, porém mais bem sucedido foi o sistema soviético anti-aéreo 9K22, cujo desenvolvimento se deu ao longo dos anos 1970. Montado sobre lagartas, o sistema combina um canhão automático bitubo 30 mm com mísseis superfície-ar, apontados ambos por radar e tendo as informações processadas por computador analógico. Conhecido pelo codinome Tunguska, o sistema teve sua formatação baseada na experiência recolhida pelos egípcios durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, e ainda se encontra em serviço, em versões aperfeiçoadas. O sistema Pantsir S-1, recentemente adquirido pelo Brasil, pode ser considerado uma versão muito aperfeiçoada do 9K22.

O armamento usado no Gepard é composto por um sistema bitubo de fogo rápido KDA (esta sigla significa que a arma é alimentada com munição montada em correias de elos de metal), de 35 mm/90 calibres. Utiliza um projétil de 35X228 mm, cuja velocidade de boca é algo em torno de 1400 m/s. Cada tubo corresponde a um canhão completo, operado por recuperação de gás – o bloco de culatra é rearmado aproveitando parte da energia do disparo, recuperada sob a forma de parte do gás gerado pela explosão do propelente, como qualquer arma automática). A cadência de tiro é de 550 salvas por minuto. Como os dois canhões são articulados eletricamente, a cadência do sistema é, teoricamente, de pelo menos 1100 tiros por minuto. O alcance máximo é de uns 5500 m, e o efetivo, contra alvos aéreos, utilizando em geral munição de fragmentação acionada por espoleta de proximidade, de 4000 m. Os tubos elevam-se até 92 graus com relação ao eixo do carro, e são acionados eletricamente por servomotores de alto desempenho.

O processo de modernização do Gepard, iniciado no final dos anos 1990 implicou numa mudança de conceito. Segundo estudos norte americanos realizados nos anos 1980, canhões bitubo ou quadritubo, embora continuassem a ser eficazes contra helicópteros, tinham se tornado perigosamente ineficazes contra aeronaves. Não seria suficiente, então, aperfeiçoar o radar Superfledermaus – aquela altura, já muito ultrapassado, visto que constituía-se num sistema analógico. O conjunto de sensores usados no Gepard foi atualizados. Foi introduzido um novo radar de busca operando na banda S, capaz de cobrir um cone invertido com 15 km de raio e até 7 km de altura. Determinada a altitude e direção do alvo, entra em funcionamento o radar de acompanhamento, montado a vante da torreta, entre os dois tubos. Operando na banda K, determina a velocidade do alvo. A operação dos sistemas é coordenada por um computador, que analisa em tempo real as informações obtidas através do princípio pulso Doppler. Com um alcance de 15 km, esse sistema recebeu o acrônimo (tipicamente alemão, por não formar nenhuma palavra pronunciável nem ter graça alguma) HFlaAFüSys, ou seja, Heeres FlugabwehrAufklarungsFührungSystem, algo como “Sistema de Direção e Reconhecimento Anti-aéreo do Exército”. A renovação incluiu capacidades de contramedidas eletrônicas, decodificador IFF (Identification of Friend oor Foe – “identificação de amigo ou inimigo”, uma emissão de rádio que, decodificado pelo atacante, caso reconhecido como “amigo”, alerta o piloto e trava temporariamente o armamento) e visor termal junto aos optrônicos.

O armamento teria de ser muito melhorado, ao ponto de ser realizada uma verdadeira mudança de conceito, baseada no exame do desempenho do sistema russo Tunguska.  O Tunguska utilizava (como hoje em dia utiliza o Pantsir S-1) uma configuração de canhões de fogo rápido e mísseis superfície-ar, que foi adotada pelos usuários do Gepard.  O armamento foi acrescido do sistema de mísseis Raytheon FIM-92D Stinger,montados em lançadores duplos junto dos canhões. O Stinger utilizado é uma versão aperfeiçoada, derivada do MANPADS que adquiriu fama contra helicópteros e aeronaves soviéticas no Afeganistão. Com alcance de uns 8 km, o modelo utilizado,  também conhecido como Stinger RMP (Reprogrammable Microprocessor) foi desenvolvido no final dos anos 1980 para corrigir falhas observadas nas versões anteriores. Introduzia a  capacidade de ser rapidamente reprogramado, conforme a missão designada (o que podia ser feito, dependendo do software empregado, em 10 minutos). Posteriormente, uma versão mais aperfeiçoada, a 92E POST (Passive Optical Seeker Technique – “técnica de buscador ótico passivo”) foi introduzida. Nesta, o míssil passou a ser apontado por um visor totalmente passivo, anulando medidas contra IR, o que diminuia a possibilidade de detecção do lançador. Estes mísseis possuem um alcance de 8 km.

O programa revelou-se complicado em função mais do contexto político pós-Guerra Fria, do que por dificuldades técnicas, e foi concluído em 2004-2005. Os cortes de orçamento que alcançaram todas as forças armadas européias fizeram com que apenas 110 Gepards, de um total de cerca de 300, fossem modernizados. As 45 unidades belgas tiveram completado apenas parte do projeto, e acabaram descontinuadas antes de estarem totalmente operacionais. Nesta época, os usuários já estavam cogitando se não seria mais barato substituí-lo de uma vez. Em 2009 a Bundeswehr resolveu desativar os três regimentos equipados com o Gepard, que será substituído por um sistema mais leve, mais moderno e mais barato. Pouco mais de cem unidades do Gepard “quase zero-bala” ficaram disponíveis.

O equipamento de um regimento completo – 36 carros revisados e modernizados – foi disponibilizado ao EB em 2011. O pacote oferecido incluiu peças sobressalentes, suporte técnico e treinamento de pessoal militar. O governo alemão liberou a KWM para dar suporte ao veículo durante pelo menos dez anos, bem como a  transferência de tecnologia visando a nacionalização de alguns itens, através da sede da empresa, localizada no Rio Grande do Sul. Um exemplar foi enviado ao Brasil em outubro de 2011, para ser testado durante exercício anual da artilharia AAe, no campo de instrução de Formosa, nas proximidades de Brasília. Segundo foi dito, os militares brasileiros ficaram impressionados com a capacidade do veículo.

Tem sido dito que a aquisição do sistema alemão trará grandes vantagens para a Força Terrestre brasileira, a começar por constituir um sistema ainda atualizado e de alta capacidade operacional. Alguns especialistas dizem que a unidade EDT desses veículos é capaz de “conversar” com as FILA operadas pelo EB. Alguns dos desenvolvimentos introduzidos anos atrás no produto brasileiro estão presentes no HflaAFüSys alemão, e este que poderia, eventualmente, servir como base para a modernização das unidades nacionais, bastante defasadas tecnologicamente. A virtude pode, por outro lado, ser um problema, visto que não se sabe como será o acordo de off set (transferência de tecnologia) assinado com os alemães, e estes não costumam a ser lá muito colaborativos, nesta direção. Evidentemente que muitos itens deverão passar a ser produzidos pela indústria nacional, sob pena de inviabilizar, a médio prazo, a operação dos veículos no Brasil: peças mecânicas, alguns dos itens relativos ao armamento e, quase certamente, a munição (segundo tem sido dito, apesar do armamento ser basicamente o mesmo que os GDF001 operados pelo EB, a comunalidade entre as munições utilizadas não é total).

Como vantagens, tem sido apresentados o alto índice de comunalidade com o Leopard 1 A5 e a relação já estabelecida com o fabricante alemão, a empresa KMW. Mecanicamente, o Gepard constitui com o “Leo” uma “familia de veículos” (FoV): utilizam o mesmo chassi, motor (da empresa Motoren und Turbinen Union –MTU – MB 838 de 10 cilindros, gerando 830 hp de potência), transmissão e sistema de tração. Também são comuns a blindagem. Este aspecto certamente facilitará a logística, visto que serão utilizadas as plantas de manutenção já existentes e os procesos, quanto à parte mecánica, são os mesmos.

Tudo isso posto, o que se pode dizer é que a aquisição do Gepard, apesar das vantagens que pode representar, em termos, inclusive, de melhoria da capacidade anti-aérea do EB, de forma alguma pode ser considerada isoladamente. É, no máximo, um passo. Outras providências têm de ser tomadas, como a aquisição de mísseis de médio alcance (o que foi feito, recentemente) e a melhoria do controle do espaço aéreo, no foco tático e estratégico (o que teria de incluir a aviação civil). O futuro próximo dirá se estamos diante de um salto ou de um mico. Eventualmente, voltaremos ao assunto::  

Sobre avanços notáveis e recuos explicáveis::Leopard 1, EE T1 Osório e o destino da indústria de blindados no Brasil::

Vamos continuar no assunto.  No último post, falamos alguma coisa sobre o M8 Greyhound, que viria a se tornar um dos grandes sucessos de um dos grandes sucessos do regime militar brasileiro: a Indústria Nacional de Defesa (que chamaremos, a partir de agora, pelo carinhoso aplido de “INF”). Pois é  – por incrível que pareça, aconteceram, durante o período em que vigorou a “Redentora”, avanços notáveis. Sei que muita gente talvez discorde, um desses “avanços notáveis” foi a IND. Nos anos 1980, chegou a ser criada no país certa capacidade de projetar e fornecer equipamentos dos quais as FFAA brasileiras. Os governos civis posteriores à redemocratização deixaram o setor de defesa definhar até quase acabar, em função de políticas equivocadas, particularmente nos dois períodos FHC. Não vamos propriamente falar da indústria de defesa e de seu quase desaparecimento, nos anos 1990, mas sobre uma das mais interessantes experiências do período, que alcançou a capacidade de produzir um blindado capaz de competir com os fornecedores tradicionais. Esse artigo resultou de uma pesquisa que, embora tendo resultado em dados muito interessantes, ficou muito longa. Pois bem: para aumentar a diversão dos dez ou doze assíduos, publicaremos em três partes::

Com a aquisição de 250 Carros de Combate Leopard 1A5 pelo Exército Brasileiro fica consolidada a opção por este veículo como espinha dorsal de sua Arma Blindada. Atualmente, existe um número que alcança pouco mais de 350 unidades. Esses veículos substituíram totalmente os carros de combate leves M41C que durante mais de quarenta anos foram a espinha dorsal as unidades de blindados do EB. A opção por estes modelos, iniciada em meados dos anos 1990, tem uma história complicada, que se articula ao esforço desenvolvido a partir dos anos 1950, em desenvolver uma indústria de armamentos nacional.

Mas não é do Leopard 1 (ou “Leo”, como tem sido chamado no EB) que iremos falar. O tema, aqui é o EE T1 “Osório”, ponto máximo do conjunto de processos que, dentre outras consequências, tornou o Brasil um dos maiores produtores de blindados do Ocidente. O “Osório” foi a cristalização da tentativa de criar um carro de combate pesado brasileiro, capaz de disputar com os modelos mais avançados então existentes. O projeto foi desenvolvido pela empresa Engesa S.A. (acrônimo de “Engenheiros Especializados”), empresa paulista de mecânica fundada no início dos anos 1960. A No auge do regime militar, a empresa chegou a ser uma das cinco maiores fabricantes de material bélico do mundo com exportações para mais de 50 países.

O projeto do “Osório” foi desenvolvido nos anos 1980, e, embora concebido por engenheiros civis, acompanhava as idéias sugeridas pelos especialistas militares, que pretendiam reorganizar a arma blindada do EB. A intenção de produzir um blindado sobre esteiras no próprio país surgiu, por um lado, do sucesso da indústria nacional com os blindados sobre rodas, e, por outro, da recusa dos EUA, desde os anos 1950, em fornecer armamento atualizado para os países latino americanos. O fornecimento, financiado pelos programas de assistência militar implementado pelos EUA no âmbito dos tratados de defesa hemisférica, era realizado conforme a visão dos EUA da posição estratégica secundária ocupada pela América Latina, no contexto da Guerra Fria. No início dos anos 1960, diante da necessidade de modernização das FFAA brasileiras, alguns lotes de tanques leves M41A3, um tanque leve, foram cedidos atraves do Programa de Assistência Militar. O EB chegou a cogitar a aquisição de tanques pesados, mas a recusa dos EUA em fornece-los e a falta de recursos para adquirir modelos europeus fez o projeto ser engavetado.

A partir dos meados dos anos 1960, a renitente insistência dos EUA em recusar ao Brasil acesso a armamento atualizado fez com que as autoridades brasileiras procurassem os governos europeus. Esta iniciativa daria alguns resultados, mas também mostraria limites. Os europeus se mostravam renitentes em vender a um país que vivia com problemas de recursos. Nesta época, a situação parecia ter mudado: em função do “milagre brasileiro”, os recursos pareciam não ser problema. Assim, os europeus pareceram ver com bons olhos a oportunidade de vender ao Brasil – Inglaterra, França e Alemanha fecharam grandes contratos com o Brasil, entre os  final dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1970. Neste ponto, a interferência dos EUA mostrou-se um obstáculo – os acordos de restrição davam aos diplomatas e militares norte americanos a prerrogativa de resolver quais equipamentos europeus poderiam ser vendidos ao Brasil. Aqueles que incorporassem tecnologia de ponta ou peças de origem norte-americana poderiam ter a venda embargada.

No entanto, este era apenas um dos problemas. Mesmo que fossem encontrados fornecedores mais amigáveis, grandes compras não resolveriam todos os problemas do cotidiano. Os equipamentos das FFAA encontravam-se, nesta época, perigosamente obsolescentes, quando não fora de operação. Em princípio, seria preciso trocar quase tudo, e diante das prioridades de planejamento estratégico, o EB acabava ficando em último lugar. Restava à Força Terrestre tentar se virar com o que estava disponível – no caso, enormes quantidades de materiais fabricados nos EUA durante a 2ª GM ou nos anos posteriores. Nessa época, começaram a ser concebidos alguns projetos de repontencialização dos blindados de origem norte-americana disponíveis em números consideráveis nas FFAA brasileiras. O uso extensivo de material de segunda mão pelas Forças de Defesa de Israel e pela África do Sul, com momentos de grande sucesso, como a Guerra dos Seis Dias, era acompanhado com grande interesse por setores técnicos do EB. O ponto forte dessa opção é que, desde os anos 1950, havia no país uma dinâmica indústria mecânica voltada para a produção de veículos automotores, implementos agrícolas e máquinas em geral. Essa indústria mostrou-se capaz de sustentar projetos do tipo, visto que a tecnologia de motores usadas em tratores e caminhões era muito semelhante à utilizada em veículos militares. E durante a guerra,  as indústrias metal mecânica, automobilística e de transportes tinham tornado os EUA o “arsenal da democracia”.

Os projetos eram desenvolvidos pelos Parques Regionais de Motomecanização do Exército, enormes oficinas industriais equipadas para a manutenção do equipamento militar. Essas oficinas tinham sido criadas nos anos 1940, quando o afluxo de equipamento de origem norte americana, observado após o fim da 2ª GM tornou necessário montar a infra estrutura de suporte que permitiria ao próprio EB manter seus novos equipamentos funcionando. Com o tempo, diante da necessidade de manter operacionais equipamentos já obsoletos, os engenheiros do Exército começaram a projetar modificações nesses equipamentos, conforme eram estabelecidas demandas pelas forças blindadas e motorizadas. Eram realizadas experiências para a adaptação dos veículos à tecnologias mais modernas, ou pelo menos não tão desatualizadas quanto aquelas aplicadas ao equipamento. Outra questão encarada pelos engenheiros militares era o fato de que os equipamentos tinham características bem pouco econômicas, como o uso de motores a gasolina e de peças de reposição que tinham de ser encontradas no mercado externo, a preços proibitivos. Este talvez fosse o principal problema.

Alguns veículos eram modificados e serviam para avaliar as mudanças propostas. O principal objetivo buscado era sempre conseguir fazer modificações que tornassem a operaçao menos complexa e mais econômica. Uma vez considerados prontos, eram escolhidas indústrias que fossem capacitadas para desenvolver os projetos. Entre 1965 e 1980, toda uma série de veículos blindados norte-americanos foi modernizada e, em alguns casos, reconcebida – como foi o caso do carro de combate X1A2, “Carcará” desenvolvido a partir de uma proposta do Exército a partir do M3A1 “Stuart”, que existia em grande quantidade no país a 2ª GM. A conjuntura vivida pelo país nesta época – o “milagre brasileiro” – favorecia a parceria do EB com certos ramos da indústria, que viam nas necessidades da corporação um nicho de mercado a ser explorado.

Mas os motivos são mais amplos, alguns de ordem econômica e outros de ordem não econômica que levaram à implementação da IND no país. Dentre os da ordem não econômica, talvez o mais importante seja estratégico: o país procurava garantir-se contra a interferência político diplomática, em particular dos EUA, sobre a aquisição de equipamento militar; dos motivos de ordem econômica, a produção de armamento poderia estar no âmbito das políticas de substituição de importações, que eram buscadas no país desde os anos 1950. É lógico que as duas ordens de motivos se combinam, e não se pode falar apenas em uns ou outros, mas o fato  é que os motivos políticos parecem anteceder os econômicos, e tiveram peso maior no início do processo.

O interesante é que a prática de repotencializar equipamento obsolescente criou na indústria certa capacidade de fazer projetos. Isso vinha desde os anos 1950, quando o Centro Tecnológico do Exército (CTEx), criado a partir de um departamento de normalização para armamentos e munições, começou a desenhar projetos de armas. Alguns desses projetos foram repassados para empresas privadas selecionadas em função da capacidade de desenvolve-los.

A história é longa. Continuará com outra parte ainda esta semana e a última, dentro de uns dez dias::

M-8 Greyhound::O avô do Cascavel::

Passados os “temas polêmicos”, vamos a um menos polêmico… Ou talvez nem tanto. Tanto quanto a Força Aérea e a Marinha – sobre cujas agruras falamos, ao longo dos últimos anos, um pouco mais, o EB costuma a ser tratado pelos governos, sejam militares  ou civis, a pão e água. Sem dispor de fundos para adquirir equipamentos atualizados, o EB costuma a se virar de três maneiras: adquire equipamento de segunda categoria, nos EUA e, muito menos, na Europa; moderniza equipamento obsolescente, de modo a possibilitar seu uso durante mais algum tempo; investe recursos pesquisando formas de produzir equipamento. Ao longo doos últimos 60 anos, algumas instituições como o CTEx (Centro de Tecnologia do Exército) e o IME (Instituto Militar de Engenharia), que se tornaram centros de excelência em pesquisa aplicada. Essas instituições desenvolvem pesquisas que são repassadas, quando da operacionalização, à empresas privadas, que colocam os projetos em produção. Ultimamente, foi exatamente o que aconteceu em relação ao novo veículo blindado que deverá começar a ser distribuído às unidades de infantaria e cavalaria blidada do EB – o “Guarani“. O CTEx desenvolveu o projeto e a empresa IVECO, filial da FIAT, o colocará em produção. O “Guarani”, um VBTB de seis rodas tracionadas, deverá substituir o “Urutu”, também desenvolvido pelo Exército, mais de quarenta anos atrás. Naquela ápoca, os problemas eram semelhantes – o EB estava às voltas com a obsolescência de seu equipamento, que, em boa parte, remontava à segunda Guerra Mundial. Vamos apresentar uma dessas peças. Venerável. E que acabou originando um dos primeiros grandes sucessos da indústria de defesa nacional::

No início da 2ª GM, muitos exércitos faziam uso extensivo de carros blindados sobre rodas. A Blitzkrieg, nova modalidade de doutrina militar desenvolvida nos anos 1930 pela Alemanha, fazia amplo uso de operações motorizadas e tinha introduzido, desde seus primórdios, a utilização de carros blindados sobre rodas como elementos de unidades de reconhecimento. Em 1939 as Divisões Blindadas (Panzer), Divisões Ligeiras (Leichtdivisionen – divisões blindadas com um complemento menor de tanques) e Divisões de Infantaria Blindada (Panzergrenadierendividisonen) estavam amplamente dotadas de carros blindados, chamados Panzerspahwagen  – Leichte (leve) e Schwere (pesado), de até 8 rodas, equipados com metralhadoras e canhões automáticos que variavam entre 2 cm e 3 cm. O desempenho dessas máquinas era considerado excelente para as funções que deviam cumprir – reconhecimento e exploração avançada – dada a alta velocidade e mobilidade, embora a capacidade “fora de estrada” fosse limitada. Os britânicos também faziam extenso uso de carros blindados sobre rodas, particularmente no Norte da África e Oriente Médio, onde a configuração do terreno favorecia, em particular, esses veículos.

Os norte-americanos, que já naquela época, sediavam a mais avançada indústria de veículos automotivos do mundo, paradoxalmente eram o país industrializado que menor uso fazia de carros blindados. O problema era a doutrina. Durante os anos 1920, a doutrina norte-americana de combate motorizado baseava-se no conceito de “cavalaria mecanizada”, que punha demasiada atenção no deslocamento de veículos motorizados por estradas, para enfatizar a velocidade, tida como fator de choque – chegaram a ser distribuídos tanques que, em estrada, se deslocavam sobre rodas, sem as esteiras. Os americanos acreditavam que a velocidade seria uma vantagem, visto que poderia prover proteção adicional a veículos relativamente leves. Como desdobramento dessa doutrina, surgiu, no final dos anos 1920, a idéia de scout car (algo como “carro escoteiro”, “carro que vai na frente”).

A idéia começou a ser desenvolvida pelo Departamento de Munições do Exército dos EUA (US Army Ordnance Department), no início dos anos 1930. Tratava-se de um veículo de reconhecimento, rápido e manobrável, cujas tarefas seriam a exploração da frente e identificação das unidades inimigas, e, eventualmente, apoiar ataques pelos flancos do adversário. Esses veículos de reconhecimento começaram a ser distribuídos em meados dos anos 1930. Referenciados pelo Exército como M1, M2, M3 e M3A1 (o último modelo distribuído, já durante a guerra) , eram, essencialmente, caminhões dotados de blindagem leve e armamento muito fraco (normalmente uma metralhadora Browning cal. .50 não protegida). Tinham 4 rodas tracionadas, mas o sistema, pensado para incorporar o máximo de peças oriundas de veiculos civis, revelou-se bastante ineficaz. Como resultado esse tipo de veículo praticamente só tinha bom desempenho em estrada ou terreno plano. A doutrina de “cavalaria mecanizada” implicava que pudessem conduzir um esquadrão de “infantaria mecanizada”, que seria colocado junto da frente de combate. Essas unidades teriam o apoio de “tanques de cavalaria”, rápidos e levemente armados.

A avaliação da Guerra Civil Espanhola mudou esse quadro, pois os veículos sobre rodas, naquele conflito, foram amplamente superados pelos tracionados a esteiras, em função da rede de estradas deficiente da Espanha. Também ficou claro que os tanques armados com canhões de tiro rápido superavam os tanques “de infantaria”, armados com metralhadoras. Em consequência, a doutrina norte-americana foi modificada, e passou a enfatizar unidades maiores, dotadas de tanques e veículos assemelhados, mais pesados, melhor protegidos e armados. A velocidade passou a ser articulada ao rompimento, ou seja, a capacidade das unidades em superarem o adversário e se manterem em campo até a chegada da infantaria convencional, transportada em caminhões. Com o início da guerra na Europa e o avassalador sucesso das unidades blindadas alemãs, o novo conceito se consolidou, e jogou a  “cavalaria mecanizada” para segundo plano, embora sem chegar a extingui-la.

Scout cars e “carros blindados” eram, essencialmente, veículos de “cavalaria mecanizada”, e os últimos começaram a ser projetados quando aquela arma já estava em decadência. O que os distinguia dos scout cars era o fato de serem totalmente fechados e disporem do armamento instalado em uma torre girante. Nas novas “divisões blindadas”, que começaram a ser organizadas a partir de 1939, o reconhecimento era cumprido por tanques leves, muito rápidos e armados com o canhão M6 de 37mm. Entretanto, diversas iniciativas para conceber um modelo viável de CB começaram a ser tomadas, pois o Exército sentia que ainda precisava desses veículos, principalmente como caçadores de tanques. Seriam, basicamente, plataformas concebidas em torno de uma variação anticarro do canhão M6. Imediatamente antes da entrada dos EUA na guerra foram examinadas propostas, referenciadas como T17 e T17E (o T significa, no caso ,”Test”, sendo que a letra M, de “Model” é adotada apenas depois do produto ser aprovado e adquirido pelo Exército dos EUA), da empresa Chevrolet. Foram rejeitadas pelo Exército como muito grandes e relativamente frágeis (posteriormente, já durante a guerra, cerca de 2000 foram entregues à Grã Bretanha nos termos dos acordos Lend-Lease), mas não chegaram a ver ação no norte da África. Um punhado de T17E veio parar no Brasil.

Quase ao mesmo tempo que o  T17 era testado, o Exército dos EUA recebeu para exame, três outros desenhos, denominados T21, T22 e T23. Os três concorrentes eram parecidos, e o T22 foi adotado em função da capacidade da empresa Ford de entregar uma grande quantidade ainda em 1942, visto que os veículos foram considerados adequados para emprego na campanha da África do Norte. Alguns testes mostraram claramente que a função original pretendida pelo Exército, de caça-tanques, não poderia ser cumprida pois o projétil perfurante de 37 mm não perfurava a blindagem frontal nem mesmo do então obsolescente Panzer III. Como o carro era relativamente veloz, manobrável e guardava certa semelhança com o caminhão médio de 2 ½ toneladas, o que o tornava muito fácil de manter, acabou sendo adotado como carro de reconhecimento, nas unidades de “cavalaria mecanizada”. Na nova doutrina norte-americana, essas unidades, dotadas de veículos mais leves e velozes, deviam deslocar-se nos flancos das unidades blindadas, buscando explorar as linhas inimigas. Isto implicou em dotar o modelo de um rádio de longo alcance e mais um tripulante, sentado do lado direito do motorista. Na torreta ficavam o comandante (geralmente um terceiro-sargento ou cabo), que também cumpria funções de operador da metralhadora.

O novo blindado, referenciado pelo Exército como M8, começou a ser distribuído na primeira metade de 1943. Os ingleses, que desde a 1ª GM denominavam os veículos de cavalaria blindada com nomes de cães, passaram a chama-los de Greyhound (“galgo”, um tipo de cão de caça à raposa muito veloz). O Exército dos EUA os adotou meio de afogadilho, e tinha motivos para tanto. No norte da África, praticamente sem estradas, os scout cars revelaram-se pífios: eram mecanicamente frágeis, gastavam muito combustível, eram mal protegidos e pior armados. Algumas unidades chegaram a experimentá-los como transportadores de tropas, mas a tendência do veículo em atolar na areia acabou por torna-los muito impopulares.

Distribuídos os M8 em quantidades razoáveis, às vésperas da invasão da Sicília, as unidades de combate começaram a descobrir as limitações do veículo. A principal era sua limitada capacidade fora-de-estrada. Em situações que envolvessem terreno mole ou muita lama, o veículo atolava com certa facilidade. O pessoal de tropa atribuía o problema ao motor. Adaptado a partir de um modelo civil, de seis cilindros, com cerca de 110 hps, era considerado fraco para distribuir potência pelos seis rodízios, cujos pneus eram consideravelmente pesados. A distribuição das rodas foi considerada muito boa para rodar em estrada, onde o carro alcançava facilmente os 90 km/h, em quarta marcha, sem perder a estabilidade. Entretanto, esse desenho comprometia o desempenho fora-de-estrada pois, em terreno acidentado, a distância entre as rodas também acabava por se transformar num problema. O resultado é que, em certas condições, o M8 se saía ainda pior que os scout cars que devia substituir.

Outro problema era a proteção. A blindagem era inoperante contra qualquer coisa maior do que o projetil 7.92X57mm (o IS, padrão da Wehrmacht); o projétil alemão de 3 cm perfurante, disparado por uma arma anti aérea introduzida em grandes números a partir de 1944, frequentemente usada em alça zero (com o tubo na horizontal),  atravessava qualquer ponto do casco do veículo. A grande vantagem do M8 era sua torreta girante, acionada por um sistema hidraulico de operação manual, que permitia ao carro atirar com seu canhão em todas as direções, embora o veículo tivesse de parar de rodar para que o disparo fosse realizado. O restante do armamento consistia em uma metralhadora coaxial Browning .30 (cal 7.62X63 mm – a onipresente M1919A4) e outra, pesada de .50 modelo M2,  montada num reparo móvel, junto à escotilha da torreta. Esta que podia cumprir funções anti aéreas e era soberba contra veículos não protegidos e tropas desmontadas. Mas, como se tratava sobreturo  de um veículo de reconhecimento, cuja ênfase estava na velocidade, o armamento acabava sendo secundário.

De qualquer maneira, o M8 era uma plataforma mais versátil, manobrável, melhor protegida e armada que os scout cars White (quase todos eram projetos da fábrica White Motor Co.) e, em 1944 quase não havia mais destes veículos em unidades de primeira linha, estando relegados a funções não-combatentes. Nas unidades de combate mecanizadas e em algumas grandes unidades de infantaria, o CBR M8 foi colocado em tarefas de reconhecimento e patrulha. Na cavalaria mecanizada, o reconhecimento buscava fazer contato com unidades inimigas de modo a estabelecer com segurança sua localização e movimentos e avaliar a composição e potência. O poder de fogo, nesse caso, não precisaria ser muito pesado, pois a unidade, geralmente com força de batalhão ou companhia reforçada, não devia enfrentar o adversário, mas apenas mantê-lo sob contato e observação: o importante era manobrar bem e, se necessário, sair rápido da alça do adversário para avisar os “grandões” da presença e posição deles. Nessas condições, o canhão de 37 mm, de carregamento manual, combinado com as metralhadoras, era considerado suficiente. Assim, embora fosse difícil ver os  M8 atuando em combinação com tanques, seu uso em combate urbano foi bastante frequente, visto que ao contrário dos blindados, manobrava bem nos espaços fechados das pequenas cidades italianas, francesas e alemãs. Nessas condições a infantaria de assalto chegava a preferir contar com os CBR do que com bombardeios prévios de artilharia, pois as cidades arrasadas eram ótimos bastiões para defensores decididos dotados de armas leves. O pequeno canhão do M8 não chegava a derrubar uma casa mas acabava com um bastião, quando usado contra portas e janelas, e a massa do carro provia proteção razoável contra armas de infantaria.

O final da 2ª GM não foi, de modo algum, o final da carreira do M8. Produzido em números bastante grandes (mais de dez mil foram distribuídos), ele podia ser visto em todas as frentes. O interesante é que, se na Europa os CBRs fugiam diante do menor sinal da presença de canhões ou armas AC portáteis (os indefectíveis Panzerfaust e Faustpatronne distribuídos a três por dois na fase final da guerra), no teatro do Pacífico chegaram a cumprir a função original de caça-tanques em divisões de infantaria, em função da inexistência de oponentes razoáveis do lado japonês.

Finda a guerra mundial, o Exército dos EUA começou a descomissionar os seus, mas a Guerra da Coréia, iniciada menos de cinco anos depois de finda a outra, reverteu a tendência. Não que tivessem voltado à ativa, na pátria de origem: depois da 2ª GM, os norte-americanos desistiram de usar CBRs em suas unidades blindadas e mecanizadas, e planejavam distribuir, a partir do início dos anos 1950, uma versão implementada do excelente tanque leve M24 Chafee. Este era o próprio tanque de cavalaria, dentro da noção norte-americana. Começou a ser distribuído em meados de 1944, para substituir o muito obsoleto M5 Stuart. Seu desenho, baseado na experiência de combate e no exame de exemplares alemães capturados, foi considerado excelente: era leve, muito manobrável, tinha baixa silhueta e era o primeiro carro de combate norte-americano que incorporava, desde a prancheta, o conceito de “blindagem escorrida” (sloped armor), blindagem composta por chapas usinadas de tal forma que diminuiam o peso do veículo sem comprometer-lhe a proteção. Entretanto, o canhão de M6 75 mm/39 calibres “aligeirado” (com o tubo feito para ser mais leve), projetado para ser usado em aviões de ataque a navios, foi considerado de baixo desempenho, embora muito mais efetivo do que o velho M3 de 37 mm.  Era uma peça excelente, mas o novo tanque deveria ser um pouco mais:  mais pesado, dotado de um canhão mais eficiente; e também pensado dentro da nova doutrina de aeromobilidade – devia ser leve o suficiente para entrar em avião de transporte. O que surgiu desse esforço foi M41 Walker Bulldog, que entrou em serviço em 1953. Construído aos milhares, durante mais de dez anos, passou a ser considerado o “carma” das forças blindadas brasileiras, que operaram quase 400 deles durante mais de trinta anos: barulhento, mal-cheiroso e viciado em gasolina de avião. Quando foi modificado, por obra dos mágicos do CTEx, continuou barulhento e mal-cheiroso, mas pelo menos passou a consumir óleo diesel.

Mas isso é outra história. Se por um lado a nova doutrina aposentou de vez os M8 nos EUA, o país viu-se, de uma hora para outra, com uma quantidade razoável de unidades em estado de novas para serem distribuídas entre os aliados. Assim, durante o conflito coreano e depois, na Indochina francesa, o “carrinho” continuou a ser visto em grandes números. Os maiores exércitos (a França recebeu mais de 400 deles) somente os descomissionaram no final dos anos 1950 e, ainda assim, foram repassados para países como Vietnam (então começando a mergulhar na guerra contra as guerrilhas revolucionárias), e as repúblicas centro- e sul-americanas.

O EB adquiriu intimidade com os M8 a partir da FEB. Estruturada como uma divisão de infantaria norte-americana de primeira linha, a 1ª DIE (Divisão de Infantaria Expedicionária), o elemento combatente da FEB, tinha mais de 15.000 efetivos em sua ordem de batalha e estava dotada de uma unidade de reconhecimento e escolta organizada à maneira da cavalaria mecanizada norte-americana. Sua origem era uma das unidades do EB cujos elementos tinham recebido equipamento de origem norte-americana: o 2º Regimento Motomecanizado, unidade experimental de infantaria motorizada aquartelado no Rio de Janeiro. O 3º Esquadrão de Reconhecimento e Descoberta foi incorporado à 1ª DIE em fevereiro de 1944, e teve mudada a designação para 1º Esquadrão de Reconhecimento. A pequena unidade embarcou para a Itália em junho de 1944, sem equipamento, e chegada ao teatro em 16 julho de 1944, foi instalada nas cercanias de Nápoles. Pouco depois, recebeu parte do equipamento e treinamento para usá-lo. Em 15 de setembro parte para a primeira missão: fazer o reconhecimento de uma área adjacente à frente para onde tinha sido destacada a FEB. Tinha então a força de pelotão e oito viaturas. Em novembro de 1944 atingiu sua dotação definitiva: em torno de 200 efetivos (inclusive oito oficiais), com 15 M8 no elemento principal, 5 transponrtes meia-lagarta (tipo White M3) e um punhado de outros veículos motorizados, incluídos aí 24 jipes (chamados, no jargão militar, de “viatura de 1/2 ton 4X4”). Sua atuação mais importante foi durante a batalha pela tomada de Montese, única vez em que atuou de modo integrado com toda a grande unidade brasileira. Nessa época, o comandante era o capitão Plínio Pitaluga, cavalariano considerado pelos mentores norte-americanos um dos mais competentes oficiais integrados à FEB, e dos poucos que, no EB daquela época, entendia plenamente o caráter da guerra moderna. Na ofensiva final, entrou em combate várias vezes e conseguiu levar seus CBRs, no final de abril, até as fraldas dos Alpes, onde fez a ligação com as forças francesas.

Não deve ter sido por este motivo que os oficiais brasileiros passaram a adorar o M8. No Brasil já haviam, desde 1942, um punhado de T17, um veículo de três eixos tracionados, projetado em 1940 para atender aos ingleses, que usavam esse tipo de equipamento em grande quantidade, na África do Norte. Convocados pelo governo, os engenheiros da Ford e da GM os projetaram sem fazer idéia de onde e como seriam usados. O resultado foi uma espécie de “caminhão de mudanças” subpotenciado, em função de um motor originalmente projetado para acionar geradores e máquinas estacionárias – o mesmo depois usado no M8, o Hercules JXD. Imaginando melhorar a estabilidade, os engenheiros da Ford projetaram um tipo de seis rodízios tracionados, impulsionado cada grupo de três por um motor, cada motor com a própria caixa de mudanças e sistema de transmissão. Parece piada, mas, segundo consta, os engenheiros imaginaram que essa solução facilitaria a operação do veículo no deserto – que achavam ser o que aparecia nos filmes de Hollywood: uma enorme praia de areia fofa, só que sem água à vista. Não concebiam que em tal paisagem existisse terreno consistente e, muito menos, estradas de terra socada. O resultado foi um pesadelo mecânico, que os ingleses detestaram, mas como não estavam em condições de reclamar, aceitaram assim mesmo. Mas não chegaram a usá-los no deserto, pois a guerra lá acabou antes. Mandados para a Itália, os Staghound (um tipo de cão de caçar veados), muito largos (os engenheiros da Ford não imaginavam como seriam as estradas e aldeias européias) saíram-se pessimamente nas estreitas ruelas italianas. Boa parte ficou nos EUA, que acabaram os usando para treinamento de elementos da Guarda Nacional e em tarefas de segurança interna. Nem notação militar a geringonça recebeu.

Quando o Brasil entrou na guerra, os americanos começaram a enviar equipamento mais atualizado para cá, inclusive blindados, que os militares locais queriam muito, mesmo sem saber o que fazer com eles. Muitos oficiais foram mandados para o estado da Louisiania, fazer cursos de guerra mecanizada – Pitaluga foi um, o então capitão Ernesto Geisel, outro. Durante a guerra, o EB chegou a reivindicar a formação de uma divisão blindada de modelo norte-americano, mas a escassez de equipamento – em 1944, a indústria norte-americana funcionava no limite – fez o projeto ser engavetado. No entanto, algumas quantidades de material moderno ou razoavelmente atualizado foi providenciada. Foram recebidos tanques M3 Grant, um tipo baseado nos desenhos franceses do entreguerras, já obsolescente, Sherman M4 de várias versões, em número suficiente para formar uma unidade denominada Companhia-Escola de Carros de Combate Médios. Nos anos subsequentes à guerra, o EB recebeu carros de segunda mão, revisados, diretamente dos estoques do Exército dos EUA. Também foram recebidos, entre o final dos anos 1940 e início da década seguinte, centenas Shermans, Greyhounds, meias-lagartas White, de tanques leves M3 e vários tipos de viaturas não protegidas e tratores. Esse equipamento foi reunido, principalmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, para formar unidades blindadas e mecanizadas, no estilo norte-americano. No entanto, embora a partir de 1947 os norte-americanos tenham passado a instruir o Exército Brasileiro regularmente, a quantidade de equipamento enviada para cá, nos termos dos acordos de defesa mútua e assistência militar, nunca chegou a ser suficiente para formar grandes unidades com o efetivo das norte-americanas. E nem o país, tinha, naquela época, recursos técnicos, indústria ou infra-estrutura para apoiar o funcionamento de grandes formações mecanizadas. A doutrina foi relativamente bem absorvida por aqui – os oficiais brasileiros, oriundos da classe média urbana, eram considerados preparados, no sentido intelectual, e o EB tratou de criar escolas de formação e unidades-escolas, que difundiam os ensinamentos repassados pelos EUA e os adaptavam aos padrões brasileiros. Por exemplo, nos anos 1950, com base nos ensinamentos adquiridos na 2ª GM, os EUA desenvolveram uma doutrina de deslocamento aeromóvel impossível de ser reproduzida em condições brasileiras. Ainda assim, foram enviados para treinamento nos EUA alguns oficiais e graduados, e uma escola de formação foi criada, denominada “Núcleo da Divisão Aeroterrestre“. Com base nessa unidade, cujo efetivo inicial era pouco maior do que uma companhia, foi formada uma unidade paraquedista com força de batalhão reforçado (o Regimento de Infantaria Paraquedista) e uma de infantaria transportada em aviões, dotada de complemento de artilharia e viaturas. A mesma coisa se deu com o uso de mísseis: pequenas quantidades de equipamento eram adquiridas onde estivessem disponíveis e reunidas em unidades-miniatura, destinadas a testar doutrinas de emprego, adaptá-las as condições nacionais e examinar os equipamentos.   

Essa forma de ação revelou-se visionária: durante os anos 1950, em função das tribulações políticas locais, os EUA passaram a limitar o acesso do país a equipamento moderno. O resultado é que em meados dos anos 1960 o EB estava equipado com um inventário de material obsoleto originado nos meados dos anos 1940. Por outro lado, para manter em condições mínimas de aprestamento a ordem de batalha disponível (aproximadamente um corpo blindado e dois de infantaria, num total de mais ou menos 140.000 efetivos), um grande esforço foi feito, a partir dos anos 1950, para dotar o EB de infra estrutura de apoio técnico e logístico. Como o equipamento norte-americano era considerado muito confiável e fácil de manter, em termos mecânicos, os militares brasileiros passaram a fazer uma série de modificações no equipamento disponível, a medida em que este chegava ao limite de sua vida útil. No início dos anos 1960, era o que acontecia com o material rodante, e os norte-americanos faziam ouvidos de mercador à insistência dos militares brasileiros por equipamento atualizado. Quando resolviam despachar equipamento novo, este era considerado leve demais – é o caso dos blindados: o EB queria tanques M60, tiveram de se contentar com os M41A: queria mísseis terra-ar e radares de busca, tiveram de se lambuzar com algumas baterias de canhões semi automáticos Bofors apontados por telemetros visuais. 

Foi então que resolveram tomar providências, no final da década de 1960. Mas onde entra o cascavel EE9, o mais bem sucedido produto da indústria nacional?.. Bem, fiquem com esta pergunta e divirtam-se bastante enquanto aguardam o próximo capítulo desta novela::                

Algumas reflexões sobre o Exército Brasileiro::Direto a um tema polêmico::

O último post, ao que parece, deve ter provocado muitas reflexões em algumas pessoas, visto que o número de acessos ao blogue das boas causas aumentou de forma surpreendente. Posso então supor que  o tema deve ter tido alguma ressonância entre os leitores interessados nos assuntos abordados por aqui. Temas polêmicos sempre têm.

Exércitos estão entre as instituições das quais as nações mais se orgulham. Pergunte a um norte-americano o que ele acha dos “homens que os protegem” (boa parte da população civil dos EUA referem-se assim aos homens das fileiras); pergunte a um russo o que pensa do Exército Vermelho – “por eles , eles que nos salvaram”, disse certa vez o compositor Dmitri Shostakovich, quando lhe perguntaram porque compôs a Sinfonia Leningrado. Poderíamos continuar relacionando exemplos, e, quando chegar a vez do Brasil, não será diferente. Os brasileiros orgulham-se de seu Exército. Afinal, sempre que necessário, a instituição não fugiu à luta – exatamente como diz o Hino Nacional.

O que não implica que a instituição não tenha cometido erros, em sua longa trajetória. Os cometeu. Não foram poucos e, muitas vezes, não foram pequenos. Examiná-los é tarefa complicada, tanto para o militar quanto para o civil. Assim como os acertos também os erros só podem ser examinados tendo o contexto histórico como pano de fundo. O problema é que, para o exame de certos fatos, é preciso que o tempo crie certa distância entre o calor da hora e o presente. E certos fatos exigem distância muito maior – e difícil de percorrer.

Existe uma explicação razoavelmente simples para essa relatividade da distância e do espaço de tempo. Para começo de conversa, sejamos claros: estamos falando sobre o golpe militar de 1964. Quando se tenta refletir sobre fatos como os que se desenrolaram a partir de então, a reflexão envolve múltiplas dimensões, todas subordinadas a três, mais amplas: a política, a ideológica e a militar.

As duas primeiras são fáceis de entender, por mais que se observem discordâncias sobre a natureza delas com relação aos fatos examinados. Mas a terceira… Provavelmente muita gente discordará, com argumentos desdobrados a partir da idéia de que aqueles fatos não são de natureza militar, visto que não havia uma guerra. Historiadores, sociólogos, cientistas políticos, militares profissionais e outros membros da sociedade civil podem levantar diversos aspectos dessa questão. A este blogue, somente importa um desses muitos aspectos: houve ou não houve uma guerra?

Os militares são os primeiros a afirmar que sim – não uma guerra convencional, mas de outra natureza, a “guerra revolucionária”. O problema é que se trata de uma guerra travada entre fantasmagorias –aquelas plantadas pela ascensão das utopias do século 20 e outras, criadas pela reação às utopias. Em certos momentos, essas fantasmagorias criaram guerras muito reais, e levaram o mundo à beira do abismo. Em outros momentos, as guerras eram reais, mas menores. E em diversos momentos, foram guerras travadas de modo subterrâneo – muito reais, embora menos destrutivas. Nessas guerras não se usou armamento pesado, não houve bombardeios nem enfrentamentos entre exércitos. Ainda assim, algumas provocaram tantos mortos quanto uma guerra de verdade, e deixaram seqüelas tão profundas quanto as guerras de verdade.

Talvez até mais profundas, mas não impossíveis de serem aplainadas. Profundas porque muitas dessas guerras foram travadas dentro de países, entre grupos cujos projetos para a sociedade foram, em dado momento, irreconciliáveis. Nessas condições a ideologia assume o caráter de motor dos atos. O que está em disputa, tanto quanto nas guerras de verdade, é o futuro. E a guerra, mesmo subterrânea, se torna uma guerra total. A única vitória possível é a aniquilação do adversário – militar, política e mesmo física.

Os governos militares que se abriram em 1964 persistiram por duas décadas, até 1985. Durante pelo menos dez anos, os militares enxergavam-se numa dessas guerras, travada para “salvar o Brasil e seus valores” contra o ataque de uma “ideologia exótica”. A “pré-guerra” vinha desde os meados dos anos 1950, crise política após crise política. Em primeiro lugar, havia o fato de que, na visão dos militares, em particular, a Nação tinha de ser salva de si mesma. Em 1956, um pequeno grupo de oficiais da Força Aérea rebelou-se, num movimento quixotesto que beirava o ridículo, contra … o grupo que nunca teve o direito de [governar o país], como ficou cabalmente provado pela sua conduta à frente dos destinos da Nação, e que, aliás, foi a causa de sua queda. Era lógico, portanto, que não nos conformássemos com sua volta ao poder. A declaração, emitida por um tenente-coronel, tentava explicar um grave ato de insubordinação como motivado pela eleição de um grupo político impatriótico e oportunista, liderado pelo presidente eleito Juscelino Kubistchek de Oliveira. Os motivos alegados então eram os mesmos que continuam a ser alegados por parte dos militares e também dos civis – “o povo não sabe votar”, “não está preparado para a democracia”.

Kubistchek não era comunista, assim como não era seu sucessor, Jânio Quadros. O que não impediu que este último deflagrasse a “grande crise” – a amalucada renúncia de 1961. Já o vice de Jânio era outra história: os militares acreditavam que fosse pelo menos simpatizante. Em 29 de agosto de 1961, um “pronunciamento”, no melhor estilo latino americano, afirmava, em seu manifesto que…  João Goulart, quando Ministro do Trabalho, já demonstrava, claramente, sua tendência ideológica, ao encorajar e mesmo promover constante e sucessiva agitação na área sindical, com claros objetivos políticos que, na realidade, eram contra os interesses das classes trabalhadoras. Era também comprovada a grande infiltração de conhecidos agentes do Comunismo internacional, bem como de numerosos elementos esquerdistas, em vários setores do Ministério do Trabalho, inclusive em funções importantes na sua administração e nos sindicatos. Goulart era apenas um líder vacilante, cujo mandato foi marcado pela abertura um tanto desordenada às organizações da sociedade civil: estudantes, organização populares e de trabalhadores ganharam espaço, no contexto de uma situação internacional de confronto. Um presidente oportunista, outro louco e um terceiro fraco fizeram aquilo que os militares tanto temiam: transformaram o país em um dos campos de batalha da guerra global que se travava. Interesses estrangeiros queriam impor ao Brasil. Seus agentes constituíam um exército, disciplinado, bem treinado, disposto para a luta – e infiltrado. É preciso lembrar? O mundo vivia o auge da Guerra Fria. O golpe militar de 1964, que seu perpetradores inicialmente chamaram de “revolução” e que, em nossa época, tem sido chamado, pelos simpatizantes, de “contrarrevolução”.

Os fatos acima são de conhecimento de todo mundo que tenha um mínimo de informação sobre a história recente de nosso país. Mas é preciso citá-los como forma de voltar a questão que proponho que seja discutida: se é que teve algum, qual o valor militar da “guerra” travada a partir de 1964? Já levantamos dois pontos que podem ser trazidos a esta reflexão: se é que havia uma “guerra”, ela se travava no contexto de uma guerra maior, global (um) e (dois) o conceito atualmente adotado pelos simpatizantes do golpe de 1964, “contrarrevolução”, parece inserido em uma tentativa de dar legimidade militar ao ato de quebra da legalidade. Na medida em que sucessivos governos eleitos estavam tornando o país campo de batalha para as “forças inimigas”, a intervenção militar pode ser vista como forma de negar ao adversário o uso do terreno e da infra estrutura nele localizada – ou seja, uma ação militar transposta para o campo da política. Nesta visão, o golpe pode ser inserido numa sequência de manobras destinadas a tirar do adversário a vantagem estratégica.

A questão é que essa manobra tem lugar no contexto de uma “guerra irregular”, uma outra forma de guerra. Conforme a análise do general alemão ocidental von der Heydte, recuperada por um analista de extrema-direita contemporânea… A guerra irregular é não-convencional por natureza. É a guerra promovida fora dos quadros das “convenções“, na qual “leis e normas” criadas para a guerra ‘convencional’ não são aplicáveis ou só são aplicáveis a um nível periférico.

Ou seja, os atos dos agentes envolvidos na “guerra” se justificam visto que as “convenções”, os chamados “usos e costumes da guerra entre nações” não são aplicáveis numa “guerra irregular”. Não é uma guerra entre grandes unidades formais, mas entre pequenas frações, com alto grau de iniciativa. Ainda segundo o mesmo Von der Heydte… A guerra irregular é normalmente concebida como o conflito armado, no qual as partes não constituem grandes unidades, mas pequenos e muito pequenos grupos de ação, e cujo desfecho não é decidido em poucas e grandes batalhas; ao contrário, a decisão é buscada e afinal concretizada através de um número muito grande de pequenas operações individuais, roubos, atos, de terrorismo e sabotagem, bombardeios e incursões.

Ao que parece, o texto de von der Heydte serve como uma luva para justificar a atuação de agentes que estariam, no lado das forças do Estado, em posições intermediárias da cadeia de comando. O “inimigo” atua em pequenas frações, com alto grau de iniciativa, buscando a vantagem através de ações tipo “golpe de mão” (roubo, sabotagem, etc.), e são capazes de se ocultar no meio da população civil. Ou seja, pratica uma espécie de guerra de guerrilhas seja no ambiente urbano, seja no rural. Essa nova forma de guerra torna os procedimentos militares convencionais inúteis ou, para além, passíveis de releitura. É preciso que o “lado de cá” seja liberado do formalismo das guerras convencionais e do corolário de regras daí decorrente. Neste ponto justificam-se todos os atos de exceção, desde a suspensão das liberdades democráticas até a existência de agentes cuja liberdade de ação por vezes fazia supor que não estivessem submetidos a nenhuma cadeia de comando.

A existência desses agentes é também explicável pelo fato de que, se a guerra é não convencional, os métodos também tem de ser, de modo a aumentar a velocidade da reação. Segundo um analista, em artigo recenteNessas circunstancias, torturar para obter informações voltou a ser uma opcâo tentadora. E as grandes democracias ocidentais, as mesmas que promoveram o Julgamento de Nuremberg, caíram nos anos seguintes a Segunda Guerra Mundial, uma a uma, na mesma tentação de empregar métodos pelos quais condenaram os vencidos da véspera:os franceses na Indochina e na Argélia, os ingleses na Irlanda do Norte, os norte-americanos no Vietnã,e assim por diante.

O problema é que a “guerra” um dia acaba. Não sendo uma guerra convencional, parece que as normas aplicáveis às guerras convencionais em torno de vencedores e vencidos também não se aplicam. Afinal, foi uma guerra travada sob a superfície, com o Estado e seus agentes negando qualquer situação de exceção. Mas sempre acaba chegando o momento em que as regras mandadas para o espaço cobram seu preço.

A “paz” é conquistada pela submissão do inimigo. Só que, no caso, este não pode ser claramente declarado inimigo e os atos do Estado e de seus agentes passam a ser vistos como moralmente condenáveis ou, no limite, criminosos. Quando a “paz” volta, não há como purificar atos abomináveis apresentando-os como da ordem da situação de exceção que é uma guerra convencional.

Por exemplo: durante muitos anos, a vasta literatura que, no Ocidente, esmiuçou todos os detalhes da 2ª GM apresentava atrocidades contra civis e militares como existentes apenas do lado dos nazistas. Mais recentemente, a literatura especializada começou a apresentar situações em que atrocidades de toda ordem recaiam sobre militares ingleses e norte americanos. Tal literatura possibilita ao leitor um julgamento pessoal, apresentando-as como atos decorrentes da situação de guerra, ainda que moralmente condenáveis. Assim, massacres de prisioneiros, morte de civis colhidos entre dois fogos, o arrasamento desnecessário de cidades e mesmo da zona rural, no ETO (sigla em inglês de “Teatro Europeu de Operações”), inicialmente omitidos ou negados, foram sendo levantados ao longo da revisão das análises das operações, principalmente a partir da emergência de uma nova história militar, na Europa e nos EUA. Com o Vietnã foi mais ou menos a mesma coisa, uma revisão apressada pelo fato de que aquela campanha, que chegou a envolver seiscentos mil militares norte-americanos (calcula-se que dois e meio milhões de efetivos tenham estado envolvidos diretamente na guerra, entre 1961 e 1973), era vista como guerra injusta por boa parte da sociedade norte-americana. A revisão em ambos os casos, permitiu separar as ações militares das ações questionáveis e, curiosamente, até mesmo encontrar o valor das ações da Wehrmacht. É curioso como as publicações, hoje em dia, omitem o fato de que as Forças Armadas alemãs foram levadas ao banco dos réus, em Nuremberg…

Porque os militares brasileiros, então, não juntam forças com especialistas treinados para tentar uma revisão da “guerra não convencional” brasileira? Se houve uma guerra, então, que se admita claramente que foi uma guerra, na qual brasileiros “colocaram a própria vida em risco no combate ao terrorismo e à subversão”, como disse, certa vez, o general de exército Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo Sarney. Segundo os militares, por volta de cem brasileiros morreram em ações promovidas pelo “outro lado”, inclusive um “soldado inocente” (???).

Nunca houve tal proposta, nem por parte das áreas de história das FFAA, nem por parte de especialistas universitários vacilantemente simpáticos ao regime militar (com exceção de Olavo de Carvalho, não lembro de nenhum intelectual que se declare abertamente simpático à Redentora, mesmo durante as palestras feitas no Clube Militar…). Certamente um especialista poderia facilmente dar um nó de marinheiro – ou até algum mais complicado – em pingo d´água, com base nos escritos teóricos que, desde os anos 1950, procuram conceituar a tal “guerra não convencional”.

Seria, sem dúvida, uma experiência interessante. Mas o que se vê, de fato, são os chefes militares tentando negar os fatos. Durante os anos 1990, entrevistas com oficiais-generais das FFAA, promovidas por um projeto de documentação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, abriu o que teria sido uma “oportunidade de ouro” em fazer aquilo que um dos antigos chefes do CIE (Centro de Informações do Exército, junto com a EsNI – Escola Nacional de Informações – o mais ativo sanctu-sanctorum da “guerra não convencional”, dentro da Força Terrestre), general de divisão Agnaldo Del Nero Augusto, viria a propor, em 2001. Disse o general, em entrevista publicada na imprensa: Em toda ação de guerra, e eu acho que a Revolução errou muito por não ter expressado à população que vivíamos um estado de guerra, acontecem injustiças. Basta olhar, hoje, o Afeganistão. É possível se ter atingido inocentes, agora, existiam stalinistas, marxistas-leninistas, maoístas, fidelistas… Entretanto, aqueles que foram comandantes na “guerra” falaram sobre a luta, sobre os dissabores, sobre o “sacrifício”, mas sobre as ações subterrâneas, nada. Um dos entrevistados, general de brigada Adyr Fiuza de Castro, primeiro comandante do CIE, em 1967, chegou a chutar o balde, segundo um dos artigos que consultei: Guerra e guerra. […] Agora, não sou um homem mau, não me considero um homem mau. Mas não sou contra a tortura. Acho que ela e válida em certas circunstâncias – para adquirir informações. […] E todo mundo acha. Desde os esquimós até a China, todo mundo usa, quando necessário.

É mais ou menos o que achava o general de exército Jacques Massu, quando admitiu que a prática seria bastante comum, embora “não difundida nem institucionalizada”, durante a guerra colonial francesa na Argélia, da qual foi o comandante. De fato, a única justificativa que os militares parecem admitir para a tortura é a “obtenção de informações”. Entretanto, admitir a tortura seria o primeiro passo para admitir que o objetivo buscado pela corporação foi mesmo a eliminação, pura e simples, do adversário – fato que, apesar das “injustiças” do general Del Nero, dificilmente é admitido como objetivo aceitável para uma guerra.

Outro ponto que provavelmente teria de ser discutido é o que mostra que virtualmente todas as operações, mesmo as que poderiam ser vagamente admitidas como “campanhas militares” (por exemplo, a “guerrilha do Araguaia”), começaram, foram levadas e se concluíram com tortura e eliminação de adversários. Existe valor militar possível em operações assim? Podem ser erguidos monumentos aos vencedores de tais operações? Dificilmente. A honra militar admite enganos no calor do combate, como a execução sumária de civis franceses inocentes, confundidos com colaboradores por norte americanos e canadenses. Mas dificilmente pode admitir o assassinato premeditado de combatentes “do outro lado”, se este qual lado for. Ainda que a eliminação seja o destino do vencido, esta não pode ser posta claramente.

Ficou claro então que dificilmente poderá um especialista extrair valor militar da “guerra não convencional” brasileira sem uma operação revisionista de consequências imprevisíveis. Numa coisa estão certos os antigos chefes – as FFAA perderam a “guerra da memória”, embora esses chefes se vejam como “vencedores” da guerra de fato. Ações como a do famigerado “Orvil” (“livro”, escrito ao contrário, projeto engendrado pelo general Leônidas Pires Gonçalves), que pretenderam “desmistificar” as ações dos “subversivos” não deram em nada por tentar a tática, de difícil execução, de “culpar a vítima” (ou, diria eu, no caso, o “vencido”, que acaba responsável pela própria morte), sem admitir quais seriam, afinal as responsabilidades dos militares – ou melhor, de antemão negando todas.

Existem mais alguns tópicos a comentar, mas acho que este post está… muito longo. Não quero ser acusado de torturador…::

Algumas reflexões sobre o Exército Brasileiro::Colinas, cavernas, esqueletos::

Um mês atrás (ou talvez mais…) começamos a discutir algumas questões sobre o Exército Brasileiro, uma dentre as mais antigas instituições de estado de nosso país. O EB, para bem ou para mal – em geral as duas coisas – esteve envolvido em praticamente todos os grandes eventos históricos que marcam nossa trajetória como Nação. História é história, e nem tudo que está nela é brilhante. Mas, por vezes, tendo a concluir que nosso EB (ou “GEB”, como diz, de modo estudadamente irônico, meu amigo Adler Homero Castro – ganha um FAL com munição fora da data de validade quem adivinhar o que significa isto…) pensa diferente.. Por exemplo, essa questão da “Comissão Nacional da Verdade”.

Em teoria, a “Comissão” é um desdobramento da Lei do Acesso à Informação (que regulamenta o acesso a documentos públicos). Trata-se, em última análise, de uma lei bem chinfrim, pois buscará (se é que vai mesmo ser implantada…), levantar fatos obscuros ocorridos durante o regime militar e esclarece-los. Não irá apurar nem punir nada. O que, então, faz com que Exército (e as outras FFAA, deve-se pontuar) se feche em copas toda vez que o assunto é trazido à baila? Por que é tão complicado debater os fatos acontecidos durante a “guerra suja” brasileira? Por que alguns oficiais-generais da reserva se dispõem ao papel um tanto ridículo de tentar dar nó em pingo d´água e justificar certos atos militarmente injustificáveis?

O general de exército Rocha Paiva é um desses voluntários. Depois de sua entrevista à jornalista Miriam Leitão, virou um “popstar” dos blogues de extrema direita. Com um discurso intelectualmente pouco sofisticado, o general, na reserva há poucos anos, utiliza alguns truques retóricos rasteiros para tentar, dentre outras coisas, culpar as vítimas. Ele se diz “contra a Comissão Nacional da Verdade”, com o argumento de que será “parcial e maniqueísta”.

A manifestação do general Rocha Paiva poderia ser tratada com base no regulamento, visto que aos militares, sejam da ativa ou da reserva, não cabe assuntar sobre tema da estrita alçada do Legislativo e do Executivo. Por outro lado, as manifestações dos chamados “milicos de pijama” ou “síndicos da reserva” – o general ocupa, atualmente, um desses postos honoríficos – são interessantes por expressarem o pensamento de certos setores da sociedade, dos quais os militares fazem parte – alguns dos tais “setores médios urbanos da população brasileira”.

Não é difícil encontrar tais manifestações na Internet. Ao procurar informações sobre a tal “Comissão”, encontrei muitas delas, boa parte emitidas por anciãos respeitáveis (outros, nem tanto, é verdade…). Uma das  que me pareceu mais interessantes é a do general-de-divisão Francisco Batista Torres de Melo, de 87 anos, residente em Fortaleza, Ceará. Em uma “Carta ao Presidente das organizações Globo“, o general manifesta seu estupor em uma longa diatribe, aparentemente redigida no final de outubro do ano passado. O problema, lógico, é a “Comissão da Verdade”.

A carta do general, provavelmente fora da ativa já deve fazer mais de vinte anos, não é uma peça lá muito bem escrita. Tampouco é conceitualmente rigorosa ou historicamente precisa. Afinal, o general não é um literato, nem historiador, e muito menos filósofo político. É um homem de armas, naquilo que, em nosso país, a expressão significa. Exatamente por isso vale à pena examinar o texto: se o soubermos ler, encontraremos lá a expressão do pensamento de um militar profissional que viveu toda a sua carreira em meio às efervescências do século passado. Nasceu em um Brasil e morrerá em outro, que não consegue entender direito.

A primeira questão é o valor da democracia, para essas pessoas. Para alguns desses anciãos é difícil, se não impossivel, olhar o mundo atual com olhos que não sejam aqueles que, na juventude, viam na ordem-unida a solução para o país. Afinal, Luís Carlos Prestes, se vivo fosse, provavelmente também continuaria pensando que numa ditadura stalinista se encontraria a melhor solução para o mundo e, principalmente, para uma sociedade “tumultuária” como a nossa (a expressão é de Gustavo Barroso, político cearense, pensador integralista e historiador militar, morto em 1959). Certa vez um poeta escreveu que “na juventude, nossos ideais são colinas do alto das quais olhamos o mundo; na velhice, são cavernas no fundo das quais nos escondemos do mundo”. É totalmente compreensível que, depois de uma vida passada no mundo até certo ponto tranquilo dos quartéis, o general ache que o regime democrático não passe de desordem. Para além: tendo passado a vida numa instituição que só admite idéias unívocas, e que divide o mundo, de modo absolutamente cartesiano, entre vitoriosos e derrotados (e, no dicionário da tropa, “derrotar” é sinônimo de “subjugar”), um mundo no qual os derrotados estejam no poder só pode estar virado de ponta-cabeça. Diz o bom general, em sua “Carta”:

No dia 28, no Bom Dia Brasil, veio o atual senador Aloysio Nunes Ferreira pregar mentira, quando, deveria encontrar-se preso, por ser assaltante do trem pagador. Se ele fosse um pé-de-chinelo da vida estaria preso, mas, como é comunista e ladrão, e o nosso povo, em sua maioria, ainda não sabe eleger seus legisladores, acaba chegando a senador da república. Pobre Senado. Onde ele gastou o dinheiro roubado? Deve ter sido nos cabarés de PARIS para onde fugiu. Agora, vem dar uma de democrata, quando era motorista do senhor Carlos Marighella, autor da CARTILHA DO GUERRILHEIRO URBANO. Não leu? Só um pouco: “Este é o núcleo doutrinado e disciplinado com uma estratégia de longo alcance e uma visão tática consistente com a aplicação da teoria Marxista, dos desenvolvimentos do Leninismo e Castro—Guevaristas, aplicados às condições específicas da situação revolucionária. Este é o núcleo que dirigirá a rebelião à fase da guerra de guerrilha.” Este é um dos democratas da guerrilha que lutou contra a sociedade brasileira.

Nesse curto trecho é fácil notar que o general não consegue descolar a figura do senador do PSDB, paladino neoliberal, daquela do militante da ALN, guerrilheiro urbano com origem no movimento estudantil e na classe média paulista. O general continua vivendo uma guerra, a guerra contra os “subversivos”, na qual o povo brasileiro, ignorante, por não saber votar elege os derrotados que, agora disfarçados de democratas, chegaram ao poder. Povo de “boa índole” mas, mal-preparado, não sabe que aos derrotados resta danação perpétua, como foi feito com nazistas alemães e comunistas soviéticos, ambos derrotados em guerras e “guerras”, “contra a sociedade brasileira”.

A guerra desses homens é outra questão interessante. Por vezes parece espantoso como alguns militares da geração de 1964 afirmam ter estado em uma guerra, travada contra o “Movimento Comunista Internacional”. O general foi um dos combatentes. Ao longo de uma longa vida, foi disciplinado soldado em uma longa guerra – a Guerra Fria. A guerra dos blocos, na qual o Brasil posicionou-se do lado da “liberdade”. Embora eu não tenha levantado sua biografia, imagino que ele tenha saído aspirante a oficial em meados dos anos 1940, por volta do final da 2ª GM; viveu a redemocratização de 1946, a sucessão de eleições, de crises e de quarteladas, a transformação do país em uma sociedade urbana, múltipla em agentes e posições políticas – fato tido por muitos militares e por setores da sociedade civil como raiz da “desordem”. Destes setores esses anciãos fazem parte, e com um carma a mais que seus confrades civis da classe média: “injustiçados”. Afinal, são frequentemente acusados de responsáveis por parte da desordem que por aí campeia. Neste sentido, o general é muito claro. Em uma entrevista replicada em um bom blogue de assuntos militares, diz ele:

… os militares estavam sempre … ao lado dos governos. É muita injustiça, portanto, dizer que nós éramos contra o governo. O militar, normalmente, é sempre governo. … em 30 não foram os militares que fizeram a revolta que levou à queda de Washington Luis. Houve, de fato, militares que fizeram parte daquele movimento, mas, na verdade, quem fez a revolta foi Minas Gerais, foi o Rio Grande do Sul, foi a Paraíba, foram os políticos que revoltaram-se contra Washington Luis. Não foram os militares os responsáveis pela revolta de 32, em São Paulo, foram os políticos paulistas em reação ao … Getúlio Vargas, que era um ditador. Os militares não fizeram a revolta de 35, consequência da ação de pessoas de fora … o senhor sabe que a coisa nasce lá pela União Soviética … Em 45, quando o Getúlio caiu … não foram os militares que o derrubaram, foram os mineiros, lembremos do grande Manifesto Mineiro, que balançou o sistema político. Se o senhor for em 54, não foram os militares que mataram Getúlio, foram os elementos que o cercavam, o exploravam …. Eram elementos podres cercando-o e que levaram àquela explosão. No caso do Jânio, ele, na sua loucura, … largou o governo e foi embora, não fomos nós. Da mesma maneira que não fomos nós, militares, que botamos o João Goulart pra fora do governo. Ninguém fala, ninguém diz, todo mundo permanece calado, mas Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Meneghetti , no Rio Grande do Sul, Ney Braga, no Paraná…

Está aí um outra questão: a relação dos militares com a política. A culpa, então, é sempre dos políticos. Este era, por sinal, o discurso dos militares que, no final do século 19, resolveram meter-se na política que mantinha o país no atraso – e o atraso era representado pela monarquia; também era o discurso dos tenentes dos anos 1920, os que promoveram levantes dos mais diversos matizes políticos, mas tendo sempre no egoísmo e corrupção dos “casacas” a explicação de todos os males.

Temos, então, dois cenários que se cruzam: por um lado, a “guerra contra a sociedade brasileira”, que obrigou os militares a tantos sacrifícios;  por outro, a sociedade “tumultuária”, composta por um povo bom mas ignorante e por “casacas” mal-intencionados. A guerra não foi provocada pelos militares brasileiros – afinal, qualquer criança sabe da “índole pacífica” de nosso povo. A “guerra” foi iniciada pela União Soviética, “contra a sociedade brasileira”. Os atos que agora esses políticos querem atribuir aos militares foram necessários (um) e justificados (dois), e estiveram integrados ao único momento em que as classes armadas se manifestaram – cumprindo seu dever. Afinal, havia uma guerra contra a sociedade brasileira, guerra disfarçada de política. Assim, os desaparecidos nada mais foram que soldados do outro lado, “mortos em combate”. Não foram atos ignóbeis , pois mortos houveram dos dois lados. C´est la guerre... Por que, então, esclarecer apenas os de um lado? Coisa da esquerda, que, segundo o general, perdeu a guerra e …  precisa, até hoje, justificar a situação e investe na tese de que os militares não prestam, os militares são os causadores de tudo. No entanto, o senhor não vê, nessa confusão toda que está ai, nesses roubos todos, nenhum militar envolvido.

A “Comissão da Verdade” não irá resolver essas questões, pois elas são da ordem da ideologia. As posições dos militares podem ser explicadas, em parte, pelo espírito de corpo, ou seja, pelo apelo à uma tradição que alimenta a identidade e reforça a coesão de uma corporação, seja civil ou militar. Quando o general invoca o espírito progressista do militar brasileiro, que participou de todo o processo de evolução desse País, apela à uma tradição que remonta aos militares positivistas do últimos quartel do século 19. Partidários do progresso, os militares se vêem como essencialmente patriotas e amantes da paz. Como na “Canção do Exército”: “A paz, amamos com fervor, a guerra só nos causa dor. Porém se a Pátria amada for um dia ultrajada lutaremos sem temor”. Quase como se ecoasse a canção, diz o general… eles é que começaram a matar. Quem jogou a bomba no aeroporto de Guararapes? Fomos nós? Não! Lá, mataram um almirante reformado, mataram um jornalista e um pobre de um jogador de futebol, um grande jogador de futebol, perdeu uma perna. Se eles estavam na disposição de tomar o poder pela força, por isso criaram a Guerrilha do Araguaia, na certeza de que teriam um território livre para atuar. Como eles estavam na teoria da força, a reação só poderia se dar na base, também, da força.

Todo discurso ideológico tem fraturas e neste, o problema é que os fatos “militares” ocorridos durante o regime militar não se justificam militarmente – e os militares sabem disso. Em seu imaginário está outro tipo de guerra, como a do Paraguai ou da campanha da Itália. Nessas ecoam as canções, a “glória refulgente”. Mas o treinamento que os milicos receberam a partir dos anos 1950 foi para outro tipo de guerra. Nesta, o inimigo é insidioso, e não aceita a derrota. Os atos que deveriam ser comemorados viram esqueletos a serem escondidos.

Neste ponto é que, possivelmente, iniciativas como a “Comissão da Verdade” talvez abram a possibilidade de soldar a fratura. Os norte-americanos, na formação de seus militares, estudam a Guerra do Vietnã. Foi uma guerra tão suja quanto nossa miniatura, a “Guerrilha do Araguaia”. Gerou fatos abomináveis como o massacre de My Lay, e pobres figuras como o tenente William Calley e seu comandante, o tenente-coronel Frank Barker, que ordenou o massacre. Mas também foi a guerra em que uma doutrina, então ainda nascente, amadureceu – a das tropas aeromóveis. Foi lá que o helicóptero turbo-eixo começou a adquirir o papel que tem hoje em dia; foi lá que se inventou o helicóptero “canhoneiro”; foi lá que o apoio aéreo aproximado foi reinventado. Execrada nos anos 1960 e 1970, a guerra do Vietnã foi transformada num evento militar porque os fatos abomináveis foram separados dos fatos militares. Claro que ainda gera muita controvérsia, e claro que o Exército dos EUA não frisa os fatos abomináveis, e nem mesmo admite claramente que foram abomináveis. Quando da apuração do massacre de My Lai, o único condenado foi o segundo tenente Calley, quando até mesmo o general comandante da divisão (a 23ª Infantaria, a “Americal“, uma das mais tradicionais grandes unidades do Exército dos EUA) no episódio, meteu os pés pelas mãos.

Algum dia se poderá dizer, por aqui, que a “Guerrilha do Araguaia” foi uma campanha militar? Algum dia, não sei, mas tenho certeza que hoje não se pode, porque se é que a “Campanha do Araguaia” foi uma campanha militar, se é que deixou algum ensinamento militar, foi também uma campanha suja. Quaisquer que sejam seus aspectos militares, não poderão ser invocados, estudados ou lembrados (deixemos claro, aqui: nunca com a ressonância da campanha da Itália…) caso a sujeirada não militar, ainda que cometida por militares, não venha a ser esclarecida.

Muito bem – acham nosso militares que foi uma guerra? Então talvez o Exército Brasileiro devesse admitir que nas guerras também se cometem os piores erros, e que os militares, por serem militares, não estiveram imunes a comete-los. É uma desculpa um tanto capenga, mas é melhor do que tentar negar os fatos. Esclarecidos esses, talvez se possa dizer que os militares brasileiros não veneram figuras como a do tenente-coronel Rodrigues de Moura… E a “guerrilha do Araguaia” poderia virar uma campanha. Não tão comemorada quanto a da Itália, mas pelo menos lembrada, se pouco, nas salas de aula dos cursos de formação.

Pensando bem, talvez fosse o caso de invocar Golbery do Couto e Silva. General da reserva, figura ambigua da política brasileira, Golbery era favorável à apuração dos atos da “guerra suja”, particularmente os da era Médici. Dizia ele que caso se tirasse os equeletos do armário, eles ficariam em cima do tabete durante algum tempo, mas acabariam sendo enterrados de vez, mais cedo ou mais tarde. Entretanto, se forem mantidos no armário persistirão fedendo. E, digo eu, assombrando. A todos nós. Tirar os esqueletos do armário, através de iniciativas como a “Comissão da Verdade” permitirá devolve-los, finalmente, às suas famílias. Traze-los de volta para serem enterrados em casa. E também talvez possibilitasse aos últimos remanescentes de uma geração que se considera injustiçada sair de suas cavernas para morrer em paz no alto de suas colinas.

Voltaremos ao assunto, qualquer hora dessas::

Já ouviram a “Canção do Exército”? Pois aí está uma chance.

Algumas reflexões sobre o Exército Brasileiro::Sobre equipamentos e modernizações::

Notei, revendo os posts publicados no causa:: ao longo dos últimos anos, que, quando o assunto é Brasil, a maioria deles diz respeito à Força Aérea e à Marinha. O Exército Brasileiro, força singular criada em 1822, e que teve significativa presença ao longo de nossa história, ficou relegado a um pouco honroso terceiro posto. Quando o assunto é rearmamento, então, quase nada diz respeito à corporação verde-oliva. Tentarei corrigir essa injustiça para com nossos milicos. causa:: irá publicar, neste post e no próximo, dois artigos que dizem respeito à questões ligadas à doutrina e ao equipamento da Força Terrestre brasileira. Divirtam-se!::

Parte1Outro dia, li uma notícia bastante elogiosa em torno de um batalhão de engenharia de construção envolvido nas obras do complexo de transposição das águas do Rio São Francisco. Ao que parece as pessoas comuns entendem que se trata de uma “aplicação construtiva” dos meios militares nacionais, da mesma forma que também é entendida como “aplicação construtiva” a utilização das tropas regulares em tarefas de policiamento urbano. De outra forma, as pessoas parecem entender, os militares estariam parados nos quartéis, sem nada a fazer, porque somos uma nação pacífica. É umavisão algo tosca do que significa a tarefa de prontidão para a defesa da soberania nacional.

Nessa direção, talvez o EB seja, dentre as forças singulares, a mais problemática. Em primeiro lugar, por seu volume: dos quase 300.000 efetivos das FFAA brasileiras, mais da metade (em torno de 190.000) estão integrados ao Exército. As atribuições constitucionais das corporações, são basicamente as mesmas: garantir a integridade do território nacional contra inimigos externos, como também apoiar, em caso de necessidade, as forças de segurança, para a garantia da ordem interna – vide as atuações do EB e da Marinha na pacificação do Complexo do Alemão (Rio de Janeiro) e no policiamento da cidade de Salvador, recentemente. O problema é que uma boa parte dos formadores de opinião parece pensar que, no Brasil, seria esta última a principal função das Forças Armadas. Não repetirei que é um equívoco, que nenhum país tem Forças Armadas apenas em função da hipótese de guerra, etc., etc. O fato é que, desde os anos 1950, as FFAA têm sido colocadas como última prioridade nacional. A manutenção da operacionalidade é um problema cotidiano para cada uma das Forças Singulares. No EB não é diferente – apenas aparece menos. O que não significa que a Força esteja parada: temos observado, ultimamente, a aquisição, depois de mais de quarenta anos, de um novo modelo de armamento de infantaria; um novo veículo blindado sobre rodas deverá, a partir de 2014, substituir os venerandos Urutus e Cascavéis. Para essas compras, os recursos já estariam previstos no orçamento da Força – se bem que… Sabe como é… Recursos sempre podem ser contingenciados. Também existem estudos em andamento para a aquisição de peças de artilharia e de sistemas de mísseis antiaéreos atualizados, mas, como de hábito, não existem recursos previstos para efetivar as aquisições. Vale apontar que a situação da artilharia antiaérea e das mais criticas – seria mais correto dizer que o país não possui defesa antiaérea alguma. Um punhado de canhões antiaéreos de 35 e 40 mm, sem sistemas de detecção antecipada nem equipamentos automatizados de pontaria (quem quiser ficar deprimido pode ler sobre o assunto aqui). Apesar de todas as premências constatadas, e de sua urgência, uma decisão vem sendo cozinhadas em banho-maria desde 2009. De fato, como no caso da Marinha e da FAB, o EB tem se virado com modernizações de equipamentos obsolescentes e compras de oportunidade.

No primeiro caso, encontra-se a decisão de assinar um contrato para a modernização do VBTP-L (“Viatura Blindada d e Transporte de Pessoal – Lagartas”) FMC M113, de origem norte-americana. Esse veículo existe em números consideráveis no inventário da Força Terrestre, na qual começou a ser introduzido em meados dos anos 1960, em função da modernização das tropas de infantaria blindada. Atualmente, as tropas de Infantaria Blindada do EB, intregradas às Brigadas de Cavalaria e Infantaria Blindadas, utilizam mais de 500 unidades dessa veterana peça de armamento (Cada BtlInfBld reúne algo em torno de 70 VBTP-L – se você estiver interessado em saber alguma coisa sobre o M113, leia aqui mesmo, no causa::).

A modernização deixará os M113 brasileiros em estado de novos, mas nada além disto – basicamente, o equipamento continuará o mesmo. A empresa anglo-norte-americana BAE Systems Land and Ordnance (que atualmente controla as empresas norte-americanas responsáveis pela fabricação e manutenção do M113) deverá executar, em conjunto com o Exército e em território brasileiro, a modernização de um lote inicial de 150 unidades do blindado, embora seja prevista a extensão do processo para até 400 deles.

A decisão de modernizar os M113 do EB é polêmica, mas tem sido considerada razoável, visto que essa viatura ainda é utilizada em grandes números, por diversos exércitos, e a BAE Systems fornece um “kit” de modernização bastante procurado, que é basicamente o objeto do contrato assinado entre o governo brasileiro e o governo norte-americano, através do programa FMS (Foreign Military Sales). As críticas à adoção da solução pelo Brasil partem do pressuposto de que o M113 é um sistema obsolescente, o que não é totalmente verdadeiro. Mas ainda que fosse, as funções cumpridas por esse equipamento, no âmbito da doutrina de combate blindado do EB não o poderiam ser pelos VBTP-MR (“Viatura Blindada de Transporte de Pessoal – Média sobre Rodas”) existentes, tais como o Engesa EE11 “Urutu” e o futuro Iveco “Guarani”. A questão é que, segundo alguns especialistas, o EB deveria levantar a possibilidade de incorporar um verdadeiro “Veículo de Combate de Infantaria” (em inglês, IFV, Infantry Fighting Vehicle, “Veículo de Combate de Infantaria”) equipamento que nunca fez parte do inventário nacional. Trata-se de um veículo capaz de transportar uma esquadra de infantaria, mas equipado com armas capazes de apoiar a tropa no momento do desembarque, ou de suportar a tropa lutando a partir de seu interior. Por sinal, é bom que se diga logo que o termo de comparação para esses veículos não é o M113, cuja categoria é a dos APC (sigla de Armored Personnel Carrier, “Transportador Blindado de Pessoal”). A estrutura deste não permite a montagem dos sistemas de armas necessários, geralmente instalados em torres com capacidade de conteira de 360 graus e auto estabilização – algo do tipo do BMP3 (Sigla de Boyevaya Mashina Pyekhota – “Viatura de Combate de Infantaria”) de origem russa e do lado norte-americano, a série M2 Bradley IFV. São ambos VTBP-L que podem conduzir até oito infantes, além dos dois ou três tripulantes. O BMP3 pode receber uma gama de armamento cujo padrão é um canhão automático 2A72 de 30 mm, com 550 cargas de munição e uma cadência de tiro de 350 salvas por minuto, e uma metralhadora PKT (utiliza o cartucho 7,62X54 mm), mas pode incorporar um canhão multifunção 2A70 de 100 mm, capaz de utilizar munição convencional ou um míssil anticarro 9M117 (Stabber, no jargão da OTAN). Já o Bradley é equipado com o canhão automático M242 de 25 mm, de cano simples, com cadência de fogo de até 800 salvas por minuto; transporta também uma metralhadora M240C (utiliza o cartucho 7,62X51 mm), e também pode receber uma gama de mísseis anticarro e lançadores múltiplos de foguetes não guiados.

Esse tipo de veículo corresponde a uma doutrina que não é totalmente desconhecida pelo EB, na qual os infantes atuam em conjunto com forças blindadas apoiadas por fortes elementos aéreos, constituídos por helicópteros e caças táticos capazes de apoio aproximado de precisão (como o A10 Warthog e o SU25 Frogfoot). Já a Cavalaria Mecanizada tem por função explorar os flancos do adversário, região que, numa ação de combate, torna-se mais vulnerável, visto que o adversário é obrigado a concentrar suas forças para dar consistência à defesa.

Os veículos sobre rodas, os tais VBTP-MR, são ideais para tal tipo de atividade, em função da velocidade e manobrabilidade. Por outro lado, não são muito adequados como plataformas para armamento mais pesado, em função da estabilidade do tiro: o recuo provocado pelo disparo da peça é descarregado para a estrutura do carro, e então para o solo. Decorre daí que um sistema sobre esteiras provém maior superfície de contato, apoiada em uma suspensão mais estável. Um sistema giroestabilizado elétrico permite que o disparo seja feito com o carro em movimento, já que o balanço da plataforma é compensado, mantendo a torre estável. Em veículos sobre rodas, é possível instalar esses equipamentos, embora o processo seja mais complicado.

Ainda nos annos 1980, o EB chegou a experimentar uma versão do EE11 que se adequaria à função. Isto foi feito por meio da incorporação de uma torre Engesa MK 3, montando a versão nacional do canhão belga Cockerill de 90 mm. A adaptação não funcionou muito bem, visto que a torre não era estabilizada, o veículo não oferecia uma plataforma estável para o tiro e tudo isso o impedia de disparar em movimento. A coisa não poderia ter dado certo, pois o sistema de armas tinha sido simplesmente transposto do VBR (“Veículo Blindado de Reconhecimento”) EE9 “Cascavel”, cuja função era (e ainda é) compor elementos de reconhecimento das unidades de cavalaria mecanizada. A função primordial desse equipamento, concebido pelo Exército no início dos anos 1970 e aperfeiçoado pela extinta Engesa S.A., não seria o combate, e seu armamento destina-se basicamente a prover defesa eventual para os elementos de reconhecimento mecanizado, bem como explorar brechas encontradas nas linhas inimigas, até a chegada de forças blindadas. Desde então, o EB não incorporou novas viaturas dessa catagoria.

Resumo da ópera: mesmo com a entrada em serviço, no ano que vem, do Iveco “Guarani”, este não será substituto para os M113, que continuarão como equipamento básico dos Batalhões de Infantaria Blindada. Estes, junto com os Regimentos de Carros de Combate e os Grupos de Artilharia Autopropulsada, formam a estrutura das duas unidades blindadas do EB: a 5ª Brigada de Cavalaria Blindada e 6ª Brigada de Infantaria Blindada, grandes unidades de alto poder de choque, sediadas, respectivamente, no Paraná e Rio Grande do Sul. Por outro lado, tem sido dito que o “Guarani” poderá, no futuro, apresentar uma versão de oito rodas, montando um canhão de 105 mm. Mas, até agora, é só especulação. Quem viver, talvez veja::