Vila Cruzeiro, 2010::Reflexões de um historiador militar amador sobre a intervenção que poderia ter dado certo::

FAZ TEMPO… Faz agora exatos dois anos, escrevi a última postagem carregada neste que, com alguma pretensão, eu chamava, na época, “o blogue das boas causas”. causa:: foi aberto em 2007, e teve, até o momento em que deixei de atualiza-lo regularmente, sete anos de intensa produção. Em dada época, chegou (pelo menos eu acho que chegou…) quase a ser uma revista de assuntos militares e comentários políticos, para amadores (como eu). Formou um pequeno grupo de fiéis leitores  – de fato, não mais que umas 50 pessoas -, que interagiam, na medida de seu possível, com a plataforma. Foi uma época extremamente prazerosa. Eu a abandonei por diversos motivos, o principal deles, uma pesquisa em que embarquei, por conta própria, em 2015, tendo a Primeira Guerra Mundial como objeto. Espero, futuramente, falar sobre o prazer e a dor de ser pesquisador autônomo, neste país.

Pois bem, não retirei o blogue do ar porque imaginava, de modo também pretensioso, que poderia ter utilidade como recurso de pesquisa, visto que muitos dos artigos citavam livros, filmes e tinham conteúdo baseado em pesquisas que chegaram a me dar bastante trabalho. Lógico que os ‘hits” desabaram, e atualmente, não chegam a 50 por mês. É sempre bom termos nossas pretensões confrontadas com a realidade.

As últimas postagens foram, respectivamente, sobre a desmontagem do programa estratégico do Brasil, de um livro do professor Jessé Souza. O segundo post era sobre uma das  excelentes análises políticas do então presidente do IPEA, que na época ia se transformando num faróis para quem quer que tentasse entender, fora do quadradinho, a natureza da crise política que então se abria (atualmente, diria que está escancarada…). O primeiro estava mais próximo dos objetivos do blogue: analisar, sob um viés de amador erudito (olha a pretensão aí de novo…) uma série de tópicos que tinham o programa SSN-BR, que era central na Estratégia de Defesa Nacional – uma das “jóias da era Lula”.

Escrevi muito sobre submarinos, na época – foi uma série de posts que deu trabalho, e que não saíram ruins. Aprendi muito sobre o assunto, e conheci alguns caras muito interessantes, a maioria deles submarinistas da MB (particularmente, gosto muito deste aqui, mas existem outros três que compõem uma série.

Também escrevi sobre política, na época das eleições gerais de 2010, primeiro mandato de Dilma Rousseff. Apesar das paixões já mobilizadas na época, nada apontava para a explosão de ódio filofascista que observamos hoje. Acho que ninguém – pelo menos eu não – previu, oito anos atrás, a explosão de preconceito de todas as espécies que tomou a mídia em geral e, em particular, a Internet, a partir de 2013-2014. Apesar das discussões acaloradas que alguns dos posts da época suscitavam, o ambiente era sempre bastante cordial. Não consegui encontrar, por exemplo, nenhuma citação ao deputado federal Jair Bolsonaro – na época, o maior produtor de sandices do Congresso era o falecido deputado federal Clodovil Hernandez; o MBL e o moleque Kim Kataguri ainda não nos brindavam com suas existências; ninguém jamais tinha ouvido falar na desembargadora Marília Castro Neves.  Sou obrigado a admitir que as estultices de gente como Ricardo Noblat e Reinaldo Azevedo eram, comparadas com o que vemos hoje, de uma elegância extrema.

Alguns intelectuais, como o filósofo Vladimir Safatle e o próprio Jessé Souza, já tinham previsto o emersão de setores de uma classe média sensível aos apelos antidemocráticos que a mídia começou a veicular mesmo antes de 2013. As hoje famosas (embora altamente polêmicas) “manifestações de 2013” são o marco da crise política que vivemos hoje. E sou obrigado a constatar, relendo alguns dos posts da época, que a serpente já saía do ovo, bem antes: eu mesmo gostava de chamar a revista Veja de Der Angriff do Reich paulista”, mas não cheguei a sacar o que isto podia significar.  “Veja”, e seus correligionários do PiG, elevavam seu discurso antidemocrático; Danusa Leão escreveu naquela época que sua empregada doméstica era “como parte da família” e esta era uma das características que tornavam o Brasil ímpar.

Se tivesse sacado, talvez não tivesse largado o blogue do jeito que larguei. Digo isso porque ainda acho que a análise militar pode ser uma das melhores ferramentas para avaliação da política – no mínimo para situar a mim mesmo. Começo a matutar se as ações de uma série de agentes sociais que orbitam em torno da “Operação Lava Jato” a começar por seu astro maior, o juiz de primeira instância Sérgio Fernando Moro, não constituiriam, de fato, ações de uma guerra híbrida que estaria sendo travada contra o Brasil, desde pelo menos a gestão de Barack Obama.

Teoria conspiratória? Possivelmente, até porque a “mobilização nacional” contra a “corrupção” não começou com Moro, mas com outro juiz, este de última instância, o notável ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Benedito Barbosa Gomes. E começou, instigada pela mídia, bem antes, com a denúncia feita, a partir de um aparente ataque histérico, pelo deputado federal Roberto Jefferson – que também acabou condenado no tribunal de Joaquim Barbosa.

Não vou discutir a questão do combate à corrupção, porque é claro que seus níveis, entre nós, alcançaram patamares intoleráveis, mas temos de admitir que, em determinado momento, o remédio começou a afetar a saúde do doente. E, pior, certas partes do corpo social – as que se beneficiam da corrupção – parecem tem criado algum tipo de antígeno contra os “fármacos” existentes, tal a capacidade de resiliência mostrada pelas práticas às quais a corrupção é inerente.

E, pior  ainda: pelo andor da carruagem,  caminhamos rapidamente para um estágio em que a violência será a principal ferramenta de atuação, haja vista a execução da vereadora Marielle Franco. Disso, entretanto, talvez fale depois. Por ora, quero convidar a todos para recordar o grande espetáculo de 2010, a intervenção militar no Complexo do Alemão, em novembro de 2010, jogada brilhante do psicopata Sérgio Cabral Filho, então governador do Rio de Janeiro.

Na época, fui plenamente favorável à intervenção, na medida em que as forças de segurança no Rio de Janeiro (as diversas polícias), e com elas, o poder público, pareciam estar perdendo o controle da situação, e a coisa culminou com um atentado à sede da Prefeitura do Rio de Janeiro por elementos ligados ao tráfico de drogas. Na época, Cabral Filho resolveu agir com uma atitude polêmica e arriscada: solicitou uma operação ao Exército, que não topou. Repetiu o pedido à Marinha, que colocou tropas e equipamentos dos Fuzileiros Navais à disposição do governador, em apoio às Forças Especiais da Polícia Militar carioca. Escrevi sobre o assunto o que considero um dos melhores “posts“, dentre as centenas que saíram no causa:: ao longo de sua atividade. Na época, tudo funcionou bem porque se tratava, pelo que hoje percebo, de um problema localizado, e o caráter das facções que mandavam no tráfico era diverso. E havia uma diferença fundamental: vivia-se num estado de direito pleno. As instituições realmente funcionavam, tanto que cada instância cumpriu seu papel e a intervenção desdobrou-se em diversas ações de caráter social, que, na época, acenaram com um futuro menos trevoso para o Rio de Janeiro e sua população.

É o problema da intervenção atual: ela se dá num momento em que o estado que a realiza vive uma situação de quase anomia e o governo que as patrocina podem ser chamados de tudo, menos de “legítimo”. 

Vale à pena voltar a 2010 (em causa:: se pode ler um quase diário da intervenção e de seus desdobramentos). Claro – eram minha interpretação e minhas reflexões sobre o assunto. Hoje em dia, renego muitas delas, mas continuo dizendo o que dizia na época: “A operação policial-militar é muito impressionante, mas o que realmente importa é o “depois”. Medidas que resgatem as centenas de milhares de cidadãos brasileiros vivendo nessas comunidades urbanas, não para o Estado, mas para a Nação. Só assim deixaremos de ter de repetir o óbvio: não existe guerra.”

Na época, falava-se muito em “guerra”, embora o conceito não coubesse – como não cabe agora – no contexto. E hoje, diferente de dez anos atrás, não parece haver projeto a ser aplicado para resgatar o território que se pretende negar ao “adversário”. Hoje, não se parece estar cogitando o “depois”. Quer dizer: o que pretende o governo, através de suas instituições permanentes e estado, fazer depois de dezembro? O Exército Brasileiro irá se retirar – e daí? Vale perguntar se os planejadores do estado estão a cogitar sobre as políticas públicas que serão aplicadas nas comunidades carentes do Rio de Janeiro. Não ouvi nada a esse respeito. Haverá uma orgia de obras nas favelas, destinadas a marcar a presença do estado sobre o território que organiza  coordena? Está certo que muitas das obras hoje são consideradas mal concebidas, e que não atingiram os resultados que era esperado. Mas pelo menos, fica claro que havia um plano. Hoje, se existe tal plano, ainda não se falou claramente nele e não se sabe o que deixará o governo, principalmente o federal, aos sucessores, como indicações para a ação sobre as instituições municipais e estaduais do Rio de Janeiro. Porque na época, o governo do Estado não abriu mão de suas instituições.

Trata-se de pergunta retórica, pois, caso questionado, o governo atual provavelmente responderá dizendo que “as reformas são necessárias para reativar a economia”. Não existe, por outro lado, ambiente político para nenhuma reforma – atualmente, mal se sabe se a reforma aprovada, a trabalhista, embora aprovada, realmente irá vingar. E não existe nenhum sinal de que a economia irá ser reativada, no ambiente de “salve-se quem puder” do “combaté à corrupção”. E o próprio governo vestiu a camisa de força em que está metido: não existem condições de estender os recursos disponíveis para que cheguem às favelas. Em princípio, por duas décadas.

Em 2010 existia esse ambiente favorável; em 2010, a população carente do Rio de Janeiro a presença das FFAA e da tropas de polícia; em 2010 essas populações não foram tratadas como inimigas. Em 2018, não se consegue encontrar pessoas que apoiem a intervenção, como ela está sendo feita. Mesmo a classe média carioca está reticente, porque o governo federal é altamente impopular no país inteiro. E é impopular por ser ilegítimo. E isso não irá se resolver, com ou sem intervenção. Ou, como tem sido dito, se estendendo a intervenção a outros Estados da Federação. Ao contrário, tal ato só fará frisar a ilegitimidade do governo, por apelar a uma narrativa que apenas faz remeter às feridas, que, pelo que temos podido ver, estão, entre nós, mal fechadas (ao contrário do que a maioria parece pensar): o ciclo dos governos militares.

Bem, por ora, acho  qu já refleti o suficiente.  Tentarei voltar ao assunto::

Uma outra visão – não tão agradável – sobre o dilema brasileiro::

TENHO OPTADO por postar meus delírios no Facebook, de modo que quase abandonei – quase não: abandonei mesmo – o blogue das boas causas durante anos. A agilidade do FB, que descobri tem pouco tempo, é bem maior, e posso ter a ilusão de que serei lido. Entretanto, tenho de reconhecer que o FB também tem lá suas limitações. A agilidade é justamente, e paradoxalmente, uma delas. Aquela plataforma não parece feita para textos muito longos. causa:: não: aqui já publiquei textos de dez páginas, sem o menor pudor, e os leitores sempre foram poucos mas fiéis. Assim, tomei a decisão (tentarei cumprir) de usar o Facebook como uma espécie de letreiro para os textos maiores, que publicarei aqui. Assim, posso ter a certeza de que não encherei o saco de ninguém lá::

Um exercício interessante a leitura de A tolice da inteligência brasileira (São Paulo: Casa da Palavra, 2015, 220 p.) do advogado e doutor em sociólogo e atual presidente do IPEA Jessé Souza. O doutor Souza é professor de Sociologia Política da Universidade Federal Fluminense, e suas teses são bastante polêmicas, embora relativamente pouco conhecidas entre nós – ele passou boa parte de sua carreira em universidades alemãs, onde conseguiu seu doutorado, em 1991. Modéstia à parte, eu conheço bem as teses dele, e até já as levantei anos atrás, em um dos posts aqui no causa:: juntamente com a tese dos professores (e contemporâneos, com toda honra) João Fragoso e Manolo Florentino, sobre o “arcaísmo como projeto”. No momento, não resisto a, respeitosamente, colocar Fragoso e Florentino de lado e comentar sobre as  teses do doutor Souza. Considero indispensável, neste momento, chama-lo para o debate sobre o momento pelo qual o Brasil passa.

Em resumo, é mais ou menos o seguinte: diz Souza que indivíduos inteligentes, bem formados e informados, e os grupos sociais a que pertencem são feitos de tolos (eu diria “idiotas”, mas respeitemos a letra do autor…) como parte da estratégia usada pela elite para reproduzir os privilégios injustos com que convivemos e que – sejamos precisos – também nos atingem e nos vitimam. É a tese central do livro: a classe média, da qual faz parte a inteligência, se deixa enganar por falácias como a da “meritocracia”. Se crê (no sentido, acho eu, religioso do conceito) como o extrato social cujos membros se fizeram por “mérito próprio”, conquistado através do esforço e do trabalho. Por outro lado, tende a negar os seus privilégios culturais que lhes são concedidos, e como tais previlégios resultam de benefícios que são negados ao resto da população. Essa elite intelectual, ocupando a universidade, os laboratórios e parte da burocracia estatal, tende a buscar integra-se a um projeto político que, pensam, os beneficia, e constroem uma imagem distorcida do Brasil. Essa imagem tira o foco dos problemas de fundo – que residem  justamente no sistema  de privilégios que o projeto político da elite visa manter e ilumina problemas que são meras decorrências: conforme Souza, a corrupção é uma dessas decorrências.

Plutocratas e oligarcas precisam, na atualidade, desse “exército de intelectuais”. Estes, principalmente na burocracia do Estado, na produção e reprodução do conhecimento, nos meios de comunicação (as hoje ditas “mídias”) e na industria cultural irão burilar e aperfeiçoar o discurso que ilumina as decorrências e oculta a questão de fundo. É assim que a contradição de base desaparece da tela e as decorrências mantém a sociedade no estado em que está: 1 por cento da população brasileira consegue se apropriar do resultado do trabalho dos outros 99 por cento.

Não é que os intelectuais façam isso de caso pensado – é uma questão de acabar enredado na própria teia, a visão de mundo que orienta o pensamento e a ação. Essa teia tem um nome: ideologia. Considero este um dos pontos em que o livro de Souza deixa a desejar.

A democracia formal vigente é uma dessas distorções: é essa uma conclusão inevitável e dramática, quando começamos a entrar na vibe de Souza (quero dizer que as reflexões a seguir são enfeitadas com algumas de minhas pérolas). A “democracia formal” é instituída por um processo histórico, mas desse regime se torna parte um processo de violência simbólica, que se disfarça em convencimento pelo “melhor argumento” e pela prevalência do “debate civilizado” – parlamentar e civil. Em teoria, toda a sociedade organizada e regulada, a “sociedade civil”, participa desse “debate civilizado” (“civil”, “cidadão” e “civilizado” têm a mesma raiz, o vocábulo latino “civis” – a cidade política). Só que cabe, neste momento, perguntar quais são os canais de manifestação de que dispõem as categorias periféricas, os grupos cuja cidadania se expressa mais em deveres do que em direitos. Via de regra, os movimentos sociais são demonizados em suas reivindicações (um exemplo? Lembram-se do MST?..) ou mesmo criminalizados.

Tal violência simbólica só consegue vigir porque os tais 1 por cento aparelham e usam as estruturas políticas – a tal “democracia formal, liberal e parlamentar”, para controlar todas as estruturas, não apenas do poder “de vara” – estruturas judiciárias. militares e policiais –, mas também – e talvez principalmente, diria eu – da produção de conhecimento, de formação da população e da informação. A construção da sociedade política em um regime como o nosso, a construção da exclusão, inclusive da classe média. Os detentores dos privilégios monopolizam recursos que deveriam estar ao alcance de todos, como, por exemplo, o acesso à educação básica de qualidade, enquanto escamoteiam a questão da qualidade da educação. Como fachada programática disseminam a ideia de que “a educação resolverá todos os problemas” e, num futuro perdido no tempo mítico, instituirá a meritocracia – enquanto o que a realidade do tempo presente mostra que a “educação de qualidade” nunca é posta a disposição das classes periféricas. Outro ponto onde tal violência simbólica fica evidente é o que tenta apresentar nossa sociedade como “sem racismo”. Não é que os intelectuais acreditem nisso, mas Ali Kamel e William Waack, que disseminam essa ideia através das Organizações Globo, contam com a colaboração involuntária de milhares de professores universitários que, meio envergonhadamente, dizem que “as cotas vão acabar com a universidade pública”.

Discursos como os que temos visto nos meios de comunicação, que legitimam tamanha violência simbólica, só são possíveis em função do “sequestro” (eu diria “desapropriação”, mas já e outro debate…)  de boa parte da inteligência brasileira que, mesmo sem saber, são postos a trabalhar em prol do 1% de detentores de bens e recursos, sejam materiais ou simbólicos. A tal “democracia formal” é o sistema que permite a manutenção da exploração do trabalho sob a capa de um “estado de direito”, “liberdade de expressão”, “direitos individuais” e outras belas construções erguidas ao longo da trajetória da sociedade ocidental, que o sistema político liberal transformou em meras falácias. Esse sistema mostra sua face cheia de dentes toda vez que suas bases são, de alguma forma – mesmo que inócua – postas em questão. Ou dizendo de outra forma – toda vez que um Lula aparece e tenta arranhar os privilégios seculares que nos mantém a beira do pântano que no momento vemos transbordar.

O livro está à venda na amazon.com.br por 29 reais, e em e-book por 25. Diria que é uma leitura indispensável.

Para quem estiver disposto a saber um pouco mais sobre o pensamento de Souza, uma entrevista com o autor publicada em 11 de março de 2016 pelo jornal Gazeta do Povo, e uma resenha muito mais completa que o texto acima, recolhida no Cidadania e cultura, do professor Fernando Nogueira da Costa.

Divirtam-se! E pensem no assunto::

 

 

 

Sobre crises e projetos::

Segundo estamos cansados de saber, o Brasil está passando por uma séria crise econômica. Até aí, nada de novo. Temos passado, ao longo dos últimos 500 anos, por crise atrás de crise. As crises vêm, e depois de algum tempo, surge uma solução que, todos sabem, não irá dar certo por muito tempo. E surgem aqueles que dizem que a solução do momento é a única salvação.

Pergunto-me que lições, nós, brasileiros, já poderíamos ter tirado dessa “vida na crise” (além do fato de que os salários e pensões saem  de cada uma delas cada vez mais achatados, e o capital financeiro ganha em toda e qualquer crise…)? Nossos projetos estratégicos, estabelecidos durante os períodos de bonança, geralmente são os primeiros – junto com os projetos culturais – a ir para o saco. Tenho em mente alguns, em particular: a aquisição dos caças suecos Gripen NG, concluída em 2014, a aquisição, pela FAB, de um novo avião de transporte tático/reabatecimento em vôo, o EMBRAER KC-390, e a construção do SBN, o submarino nuclear nacional.

Com exceção do KC-390, já falei muito nos outros dois projetos, nos velhos tempos do causa::. Sei que a defesa nacional não é propriamente um tema que atravesse as preocupações de nossas instituições e de nossos formadores de opinião.  Pelo contrário, boa parte dessas instituições considera projetos de defesa nacional como desperdício de dinheiro. Em épocas de crise aguda, ouvimos dos próprios governantes que o país não precisa deles e que nossas FFAA seriam melhor utilizadas em funções de policiamento urbano e “luta contra o contrabando de armas”, o que, em última análise, implica enorme desconhecimento sobre as funções exercidas pelas FFAA no mundo contemporâneo.

E para os equivocados que acham que “somos parte do Ocidente”, e que isto nos asseguraria contra qualquer problema, um episódio bem marcante estará, em 2017, completando 35 anos – a Guerra das Malvinas.

Foi o último conflito assimétrico para valer que envolveu forças armadas formalmente institucionalizadas, fora de um contexto de alianças, em um teatro estratégico altamente específico, num panorama ainda bipolar. Não conheço nenhum estudo (deve haver, eu é que não encontrei) sobre a influência do contexto estratégico e do panorama bipolar no desenrolar da guerra, mas o fato é que a Argentina poderia ter vencido. Não venceu exclusivamente pelas sandices militares cometidas pela ditadura argentina – que tinha se entupido de armamento, moderno, mas tendo em vista uma possível guerra contra o Chile, em função da contenda do canal de Beagle – que quase aconteceu, em 1978, mas , se tivesse acontecido, seria basicamente um conflito de teatro terrestre, onde as marinhas não teriam contado grande coisa. Só que, contra uma potência de primeira linha (e isso a Inglaterra ainda era, na época) o armamento adquirido pela Argentina era “meia-boca”: caças táticos norte-americanos dos anos 1950, versões xumbrega dos Mirage V fabricadas pelos israelenses (um caça chamado “Dagger”, que nem radar tinha), todos operando armamentos “burros”.

Não era, evidentemente, o caso da Inglaterra. Um dos pilares da OTAN, tinha FFAA muito bem organizadas e aprestadas. Mas não em número suficiente para manter seus compromissos com a aliança ocidental e montar uma expedição do porte da que montou – envolveu dois terços da Marinha Real, que era de primeira linha.

Não é o caso de examinar a guerra, aqui – existem livros que o  fazem muito melhor do que eu seria capaz. Vale apontar apenas o seguinte: foi uma guerra de teatro estratégico, e neste caso, uma marinha conta, e muito (primeiro); contra um potência, o que conta é a dissuasão (segundo) e (terceiro), as potências se alinham automaticamente, dentro de suas alianças – foi este ponto que tirou da Argentina qualquer possibilidade de vitória.

Neste caso, a dissuasão teria sido a única possibilidade da Argentina pelo menos tornar a balança menos desequilibrada – digamos: tivessem eles uns dez ou doze submarinos convencionais, certamente a Marinha britânica não teria como montar divisões capazes de prover escolta para os transportes de tropas e equipamentos – não tinham navios suficientes para isso.

Tivessem eles um par de submarinos nucleares de ataque (equipados com torpedos), os ingleses provavelmente nem sairiam de suas bases. E aí entra a história do projeto “SBN BR”, que boa parte dos formadores de opinião consideram “desperdício de dinheiro”.

A Marinha Brasileira começou a se interessar por esse tipo de coisa no início dos anos 1970, ainda na época do “Brasil Potência”. Desde os anos 1950, o país buscava  domínio do ciclo atômico, com a instalação de laboratórios de pesquisa nuclear nas principais universidades do país (USP, UFRJ e UFMG), a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Laboratório Nacional de Pesquisas Físicas, dentre outras iniciativas que constituiram os primeiros passos nessa direção.

Não se pode esquecer do Almirante Álvaro Alberto da Motta Silva, pioneiro nas pesquisas brasileiras sobre energia nuclear, no início  dos anos 1940. O almirante representou o Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU, numa época em que os EUA pressionavam para que as reservas de tório e urânio, não importa em que país estivessem, fossem colocadas sob controle da entidade, proposta consubstanciada no chamado “Plano Baruch”, de 1946. O almirante qualificou essa proposição dos EUA de “tentativa de desapropriação”, e foi apoiado pelos representantes russo e da França.

Não tenho ideia se Álvaro Alberto chegou a estudar o papel estratégico dos submarinos nucleares – suponho que sim, na medida em que sua carreira, entre o fim dos anos 1940 e os final dos 1960, correu paralela ao desenvolvimento dessa arma. No entanto, já temos pensadores de ponta sobre o tema: os almirantes de esquadra Maximiano da Fonseca e Mário Jorge da Fonseca Hermes, o contra-almirante Mário Cezar Flores, e, mais recentemente, o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Os três primeiros são pensadores estratégicos, que estiveram muito ativos durante a ditadura; o último é um cientista, e foi, nos anos 1970 e 1980, responsável pelos programas de pesquisa militar que buscaram dar ao país o controle do ciclo de produção de combustível nuclear. Boa parte das informações geradas, e da trajetória desses programas (na época havia um da Marinha, mais genérico, e um do Exército, mais voltado para produzir explosivo nuclear) continua cercada de segredo, e nem poderia ser diferente: perguntem a qualquer um se os EUA divulgam suas pesquisas militares nos jornais…

Independente de qualquer juízo de valor (a conjuntura estratégica e política da época, nacional e internacional, tem de ser avaliada cientificamente, por historiadores e cientistas políticos especializados), o Brasil é hoje um dos poucos países do mundo (ao todo, são 11) a dominar todo o ciclo do combustível atômico. É também um dos três que possuem reservas de urânio (os outros dois são Estados Unidos e Rússia) conhecidas em seu território. Nosso país tem, identificadas, jazidas de mais de 300 mil toneladas, das quais um terço já teve atestada a viabilidade econômica. Temos autonomia para uns 100 anos, caso nosso consumo se mantenha nos níveis atuais e o resto se revele inviável.

Ao longo de trinta anos, e a um custo estimado em 3 bilhões de dólares, o Brasil aperfeiçoou um método de enriquecimento de urânio que se mostrou eficaz e barato (alguma coisa chamada “centrífugas em cascata”). Boa parte das necessidades de materiais radioativos para uso industrial, científico e de pesquisa já são atendidas no próprio país, em plantas estatais. Por isso, na década passada começou a se falar, novamente, em energia elétrica produzida em plantas acionadas a combustível nuclear. E, curiosamente, nas últimas duas décadas, pressões internacionais lideradas pelos EUA tentam fazer que o país assine um tal “protocolo adicional” ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que coloca sob controle da ONU não apenas a produção de combustível nuclear em escala industrial, como também submete a controle internacional a pesquisa científica para criação das tecnologias que permitam tal produção em qualquer escala. O “império” e seus “duques” passariam a nos dizer não apenas o que fazer, mas o que pensar em fazer. Isso nos significaria um controle incontornável da ONU (ou seja, dos EUA) dentro do próprio território nacional. Como nenhum país do mundo fornece ou vende tecnologia nuclear a terceiros, continuaríamos a receber combustível nuclear pronto, a conta-gotas e passível de controle estrito sobre o uso. E a “ganhar de presente” – como certa vez escreveu um comentarista – tecnologias obsoletas (como a sujíssima usina de Angra I, dos EUA) ou pagar rios de dinheiro pelas que não deram em nada (ou o detentor achava que não iam  dar em nada, como foi o caso do acordo com a Alemanha, na década de 1970).

Não que o Brasil não deva assinar tratados de salvaguarda – de fato, não precisamos de bombas atômicas. Nos anos 1970, dentro da conjuntura estratégica e política de então – a chamada “abordagem geopolítica” – o país se recusou a aderir ao TNP, mas, na década seguinte assinou uma “versão regional” com a Argentina, considerada muito bem construída do ponto de vista das relações com nosso vizinho, prevendo de forma muito detalhada obrigações e reciprocidades. Nos anos 1990, o governo FHC (sempre ele…), doido para conseguir dinheiro e vantagens econômicas, aceitou “aderir” ao TNP, por pressão norte-americana e contra a posição de diplomatas e militares.  O tal tratado se revelou uma arapuca estratégica sem saída, e colocou todos os programas – militares ou não – sob supervisão da Agência de Energia Nuclear da ONU – e nos obriga, periodicamente, a convencer inspetores estrangeiros que submarinos de propulsão nuclear não são “armas atômicas”. Por sinal, graças ao “príncipe dos sociólogos”, quase nos comprometemos a não produzir mísseis antiaéreos e não podemos, por lei, produzir mísseis balísticos com alcance superior a 300 quilômetros…

Durante a ditadura militar, o país buscou adquirir outras tecnologias sensíveis de caráter militar: aeronaves, carros de combate, mísseis e navios de superfície. E submarinos, que, a duras penas, adquirimos, incompleta, da Alemanha. Em 2010, já debaixo do cobertor da Estratégia de Defesa Nacional e do conceito de “Amazônia Azul”, um acordo assinado com os franceses foi além: a aquisição de tecnologia completa para projetar submarinos, e a aquisição de um casco para o primeiro SSN.

Construir submarinos convencionais não é grande coisa, a não ser que o interessado os construa às dúzias – coisa que ninguém faz. Um submarino convencional (SSK) é movido a motor diesel e baterias. Numa tal embarcação, o curso imerso é impulsionado por motores elétricos, cuja força é provida por grandes grupos de baterias. Na velocidade máxima (que, no caso dos modelos mais modernos, é de uns 20 nós – 35 km/h) a carga se esgota em quatro horas. Numa velocidade mediana (uns 8 nós), se esgota em 24 horas. Esgotadas as baterias, o submersível tem de usar o “snort” (ou “schnorkel”), um mecanismo que permite, submerso, acionar os motores a diesel. Mas este mecanismo, além de detectável com certa facilidade, por causa do barulho e do calor, torna a vida da tripulação um inferno. Ou então, sobe à superfície e fica lá por pelo menos 6 horas, navegando em velocidade máxima (no caso uns 11 nós) para que os motores a dieses acionem dínamos que recarregam os conjuntos de baterias.

Um SSN não tem nenhum desses problemas. Visto que não tem motores a diesel, mas uma turbina acionada por vapor produzido pelo reator nuclear (em suma é miniusina termonuclear e móvel), pode ficar meses embaixo da água, enquanto a tripulação aguentar. Em função de não  ter motores elétricos, baterias e outros quetais, tem mais espaço a bordo para a tripulação, equipamentos e armamento. E é muito mais rápido: os modelos mais modernos alcançam 35 nós (70 km/h) em imersão. Uma arma dessas é quase absoluta: nos anos 1970, apesar dos esforços da OTAN, 80 por cento dos submarinos nucleares soviéticos deixavam suas bases no Mar Báltico e ganhavam o Atlântico sem serem detectados pelos piquetes aeronavais no Mar do Norte. E os SSBNs soviéticos iam se posicionar em suas estações ao longo da costa norte-americana, cada um com oito mísseis balísticos, onde ficavam por cerca de 4 meses (eram frequentemente fotografados na superfície). Dá, então, para entender a opção da END: dissuasão.

Ainda assim, construir um submarino não é coisa fácil. A engenharia é extremamente complexa e o sistema incorpora sensores e armamentos que nosso aparelho produtivo ainda não domina. Um nuclear, mesmo sem mísseis balísticos, é muito mais cavernoso. Somente cinco países os constroem: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França, sendo que os dois últimos o fazem em doses homeopáticas, apenas para continuar achando que contam alguma coisa, como potências. Alguns outros poucos, como Israel e Alemanha reúnem condições tecnológicas de realizar tal projeto, mas não o fazem por restrições orçamentárias ou políticas. Recentemente, a Rússia alugou dois SSNs para a Índia. Este último país fez tal opção exatamente pelas restrições orçamentarias: a preços de hoje, um SSN novo custaria cerca de 2 bilhões de dólares por unidade. A MB provavelmente pagará um pouco mais barato, já que os custos para montar os sistemas do SSN BR serão em boa parte pagos por tabelas nacionais, bem mais baratas que as estrangeiras, e os sensores e sistemas de armas não serão de última geração. Segundo especialistas, um SSN “top de linha”, como os 6 que a Rússia está construindo, sairiam por uns 3 bilhões de dólares cada.

A parte mais importante do projeto, mas que estava bastante adiantada até 2013, era o desenvolvimento do reator – que implica em diminuir seu tamanho ao ponto de faze-lo caber nas dimensões de um submarino. Um reator nuclear em miniatura, no dizer  de um técnico. Segundo foi divulgado, o projeto, desenvolvido pelo IPqM (Instituto de Pesquisas da Marinha) em Aramar, São Paulo, já se encontra em fase de testes. Também estão sendo desenhados, com apoio francês, mísseis de cruzeiro adaptados para serem lançados através dos tubos lançatorpedos. Já existe um sistema de datalink naval em fase de testes e um sistema de análise de dados táticos em funcionamento.

Pós escrito::

Rascunhei o texto acima uns anos atrás, quando a Guerra das Malvinas estava fazendo 30 anos. Agora, me surpreendo ao encontrar, na Internet, o texto de autoria do juiz federal, doutor Narciso Alvarenga Monteiro de Castro – que prova que nem toda a Justiça Federal tem a cara do doutor Sérgio Moro. Os textos são basicamente a mesma coisa, já que existe muita gente preocupada com os rumos da “Operação Lava-Jato e suas coadjuvantes. Acho que os dois textos poderiam ser lidos um após o outro (o do juiz, primeiro).  Sua argumentação central é nada menos que excelente, mas merecia algumas ressalvas especializadas, que, respeitosamente, achei que poderia fazer.

Para concluir, peço licença ao autor do excelente artigo O desmonte de nossos programas estratégicos em que me inspirei para reapresentar o que acabou se ser lido, e usar a conclusão dele.

“É inconcebível que um suposto combate à corrupção possa conduzir ao desmonte em programas estratégicos da nação. Seria até risível se pensar que americanos, russos ou franceses encarcerariam seus heróis, seus cientistas mais proeminentes, ainda que acusados de supostos desvios.

Portanto, somente aos estrangeiros ou seus prepostos no país, pode interessar o atraso ou o fim dos programas estratégicos brasileiros. É mais que hora de uma intervenção do governo ou, no mínimo, uma supervisão bem próxima da nossa Contra Inteligência para a verificação do que realmente está por trás das investigações da PF (FBI? CIA?), MPF e dos processos a cargo da 13a Vara Federal de Curitiba.”::

Decisões estratégicas e de grande estratégia::O tapa-buracos aponta o futuro?::parte2

Umas duas semanas atrás iniciamos um comentário sobre a desativação dos Mirage 2000 que constituem, atualmente, a principal aeronave de interceptação/superioridade aérea da FAB, e os problemas que essa situação pode ocasionar, em função da interminável indefinição do programa F-X2 e da possível substituição do modelo a ser desativado por uma “solução de contingência”, o modernizado F5EM. Nesta segunda parte, vamos tentar estabelecer se se trata de uma boa ideia e quais seriam as alternativas disponíveis e – na minha opinião, a melhor parte – tentar entender como a situação chegou a tal ponto::

parte2Já vimos que o F5E “Mike”, embora tenha dotado a FAB de um caça com características de 4ª geração, não pode ser nada mais do  que uma solução de contingência, e não para longo prazo. É um projeto interessante, mas que dificilmente se sustentaria diante de nossos vizinhos mais bem fornidos. Entretanto, quero crer que temos algumas vantagens sobre esses vizinhos: por exemplo, o avanço seguro e sistemático no domínio, técnico e operacional, da doutrina de combate em rede. Usarei este aspecto como case study (para os que gostam de uma expressão tipicamente acadêmica…), mas poderia levantar outros – por exemplo, a crescente capacidade da indústria nacional em fabricar equipamentos – inclusive alguns tipos de armamentos – de razoável grau de sofisticação. O que quero levantar aqui é que, quando se pensa em termos de “grande estratégia”, não se pode (pelo menos não se deve) pensar apenas “no caça”, “no tanque” ou “na fragata”, mas em um conjunto de fatores que permitem projetar as demandas e a capacidade de supri-las, no médio e no longo prazo. A esta altura, alguns dos dezessete assíduos já deve estar pensando “este cara bebeu”. Esclareço – nem bebo nem tenho a tendência em pensar cor-de-rosa. Por este motivo escolhi a  “guerra centrada em rede”, ou Network Centric Warfare.

Não importa ir fundo em definir do que isto se trata. De forma geral, é o uso dos recursos disponibilizados, na modernidade, pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação, principalmente as redes de computadores, em cenários de conflito armado, não importa a intensidade. A GCR eleva de forma exponencial a consciência situacional tanto do combatente quanto da cadeia de comando, agilizando as tomadas de decisão e aumentando a possibilidade de que as decisões sejam corretamente implementadas e adaptadas às demandas apresentadas pela natural fluidez do combate.  A GCR é um ambiente teórico, no qual são construídas as “doutrinas”, quer dizer, as formas sobre como utilizar, de forma lógica e organizada, as forças militares. Os “aspectos físicos” da GCR são diversos, mas apontam todos para o  “enlace de dados militares” (a expressão em português para military datalink). Trata-se de um conjunto de meios que permitem processar e compartilhar de forma segura e em tempo real, as informações dos sensores das unidades em operação (aeronaves, veículos terrestres, navios e bases). O que um vê e/ou escuta é o que todos vêem e/ou escutam. A “rede” daí resultante aloca os comandos operacionais e os sistemas de armas disponíveis através de uma imagem comum do teatro tático – o campo de batalha -, daí o aumento da tal “consciência situacional” de todos os envolvidos. As “agências” (combinação de elementos humanos e equipamentos) em terra, no ar ou no mar, sejam essas plataformas móveis ou estações estáticas, tornam-se “nós de rede”, em condições de influir (embora nem todos possam decidir) na condução do combate.

As três forças brasileiras singulares se encontram pesquisando a GCR e os sistemas adequados às suas necessidades. Na FAB o que está atualmente disponível é baseado no que é identificado pelo acrônimo SISCENDA (“Sistema de Comunicações por Enlaces Digitais da Aeronáutica”). O uso do “enlace de dados” pela FAB remonta a um projeto, iniciado em 1998, destinado a criar um sistema de comunicações de combate entre os caças leves Embraer A-29A/B “Super Tucano” – então ainda em fase de projeto – com os Embraer ERJ145 AEW/C E-99A (então conhecido como R-99A e até hoje carinhosamente tratado, na FAB, por “grampeador”, de tão esquisito que é…). A ideia foi colocada a partir das necessidades surgidas do projeto SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), o amplo conjunto de sistemas e estruturas de vigilância aérea e comunicações que abrange a “Amazônia Verde”. Essa infraestrutura implica, para começo de conversa, em sistemas de radar, de comunicação e de apoio eletrônico, e inclui as aeronaves  E-99A, planejados para serem estações móveis de vigilância e controle, e o “Super Tucano”, este concebido para ser o “braço armado do sistema”.  O hardware do sistema é um rádio transceptor VHF/UHF desenvolvido pela empresa alemã Röhde & Schwarz. O software destinado a interligar os ST, que não são equipados com radar, ao  sistema de controle dos E-99A (este centrado em um poderoso radar AESA de origem sueca, o Erieye) foi desenvolvido de forma autóctone.

O projeto foi conduzido pela Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Espaço Aéreo (CISCEA), que coordenou instituições de pesquisa responsáveis pelo desenvolvimento do software – o ITA e Centro de Telecomunicações (CETUC) daPUC-RJ. Até então, a FAB utilizava um software de origem suíça, desenvolvido pela empresa Crypto AG, comprado na segunda metade dos anos 1990 sob a forma de “pacote fechado”. Já nas últimas etapas do Projeto SIVAM, na segunda metade de 2003, a FAB se viu diante do fato de que as comunicações militares da defesa aérea, para serem eficazes, tinham de ser invioláveis, e não eram. O equipamento em uso nos A1A e A1B (os AMX ítalo-brasileiros) não incorporava a técnica de “salto de frequência” nem encriptação em tempo real no momento do compartilhamento de dados, já que eram  de uma geração anterior. Após uma série de seminários internos, decidiu-se incorporar de uma vez o sistema de datalink, que vinha se tornando padrão nas principais forças aéreas, e já estava sendo pesquisado pela Marinha. O hardware que os alemães ofereciam para o SIVAM incluía duas características que eram o que a FAB queria: “salto de frequência” e criptografia em tempo real. Para fechar o contrato, foi feita a exigência da inclusão de transferência de tecnologia. Este foi o “pulo do gato” – a exigência foi jogada na mesa quando a venda estava quase fechada. Os alemães concordaram, já que se tratava de um venda potencial de mais de cem unidades físicas, além de um grande contrato de manutenção. Pesquisadores civis e militares brasileiros foram despachados para a Alemanha, onde foram capacitados para iniciar o desenvolvimento de um software que nos permitisse alterar a matriz das comunicações militares em território brasileiro, tornando-as seguras contra interceptação e análise.

O “protocolo” (conjunto de instruções responsável pela formação e controle de aplicações da rede de computadores, bem como pelas características de  funcionamento e pela segurança da rede) foi denominado LinkBR 1. Tinha diversas limitações e, de fato, pode ser considerado uma espécie de “versão beta do produto”:  permitia enlaces ponto-a-ponto e, de forma mais limitada, em rede, que operava em frequência fixa e sem proteção criptográfica. Nas comunicações “ida-e-volta”, os rádios que nas aeronaves e em terra transmitem os dados empregam a técnica de “salto de frequência” para se proteger de interceptação: em intervalos de tempo muito curtos buscam a banda mais próxima que não esteja sendo utilizada e, quando encontra, “salta” (hop) de uma para outra, “escondendo” assim o conteúdo da mensagem, que já foi encriptado. Como já está “em código”, o conteúdo é assegurado contra análise.

Inicialmente, o LinkBR1 esteve operacional apenas nos E-99A e nos A-29. É preciso frisar esta característica: para as outras aeronaves de combate, que não são capazes de troca direta de dados entre si, nem diretamente com estações de controle no solo, as comunicações são “intermediadas” pela aeronave de controle, que é capaz de encriptar os dados em tempo real e operá-los sem comprometer a própria posição e a das pontas (uma interessante visão geral do sistema, aqui). Essa limitação – que na prática torna a operação em condições reais bastante problemática – será resolvida com a nova versão do sistema, atualmente em fase de testes. Entretanto, isso é o futuro, em que a troca de dados entre aeronaves, diretamente, permitirá aos “Mike” (ou qualquer outra aeronave) compartilhar os dados do radar dos E-99A ou dos próprios radares Grifo F/BR.

Isso se tornará possível com a próxima versão do datalink: a LinkBR 2. Esta utilizará o protocolo TDMA (Time Division Multiple Access – simplificando, um tipo de administração de tempo de computador que atribui a vários usuários um fatia de tempo para introduzir e  ter seus dados processados e direcionar num único sistema central, responsável pela administração do conjunto). Isto permite comunicações seguras entre vários participantes, no ar e em terra. A rede passará a ser a principal característica do sistema, o que não é ainda o caso.

O LinkBR 2 está programado para ser testado na versão modernizada dos caças táticos A-1M e em seguida deve ser incorporado aos restante do inventário da FAB – inclusive ao transporte tático-reabastecedor Embraer KC-390, que entrará em serviço em 2016. Entretanto, não existem notícias consistentes sobre a quantas anda o desenvolvimento do sistema. Em 2012 foi assinado contrato com a empresa de defesa Mectron.

Deve-se dizer que nossos vizinhos também dispõem desses sistemas – notadamente a Colômbia e o Chile os têm plenamente integrados a operação das forças singulares, mas ou são sistemas desenvolvidos nos exterior, ou não funcionam plenamente. Os da Colômbia são desenvolvidos pela empresa israelense Rafael, e não “conversam” entre si plenamente; também existem contratos voltados para “comunicações seguras”, administrados pela empresa norte-americana Motorola. O Chile desenvolve sistemas autóctones através da empresa local SISDEF, com diferentes graus de sucesso. Ainda assim, continuo dizendo que estamos em vantagem. Porque? Porque processos autóctones de cabo a rabo dão ao país certa autonomia com relação a nossos potenciais “aliados” de primeira linha. A “vantagem” brasileira, segundo especialistas, é o país ter estabelecido, ao longo dos últimos cinquenta anos, um ecossistema robusto de pesquisa e desenvolvimento, composto por institutos de pesquisa aplicada avançada (como, por exemplo o ITA, o IME e o LPqM, além dos institutos das universidades federais), capaz de formar pessoal altamente capacitado, e uma indústria de defesa que pode absorver esse pessoal. A situação de penúria em que vivem as FFAA pode ser considerada, hoje, diversa daquelas vividas no final do século 19 ou nos anos anteriores à 2ª GM. Não é o caso de nossos vizinhos, pois o sistema produtivo aqui implantado não tem comparação possível com os do Chile ou da Colômbia.

Nosso problema é bem outro: em nosso país, ter um programa qualquer em desenvolvimento não tem significado, de fato, que ele vá ser concluído no prazo estipulado. Basta olhar para a construção da corveta “Barroso” (que levou mais de dez anos para ser completada) ou para o programa da “Missão Espacial Completa Brasileira” (que se arrasta desde os anos 1960).

De toda forma, os que se completam apontam o fato de que o Brasil se distingue na América Latina (mas de forma alguma entre os BRICs) pela “massa crítica”. O resultado é que produzimos sistemas de defesa que, se não são de primeira linha, também não são quinta. Vale dizer: se o “Mike” não é o top-de-linha, por ora é o possível, é um ganho e quebra um galho. Entretanto, o Governo Federal parece considerar que isto é o suficiente, “pelo menos por enquanto”. Aí mora o perigo, com relação aos programas de reaparelhamento e modernização das FFAA.

Fico por aqui. Num próximo posto, concluirei com uma reflexão sobre a encruzilhada do FX-2, seus motivos e possíveis alternativas. Como se dizia antigamente – fiquem sintonizados::

Decisões estratégicas e de grande estratégia::O tapa-buracos aponta o futuro?::parte1

Se há uma coisa que realmente gosto de fazer, quando sobra tempo, esta coisa é ler as caixas de comentários do blogue Poder Aéreo. Como todo blogue que soube se torna indispensável, o P.A. abre espaço para seguidores que são verdadeiras enciclopédias sobre o tema específico. Claro que também se torna uma plataforma para tudo quanto é sandice política possível, e para caras que parecem ter grande prazer em insultar-se uns em particular a outros, e ao governo, em geral. Mas, tolices pequeno-burguesas aparte, o fato é que já aprendi muita coisa interessante e útil gastando um par de horas percorrendo os postos do P.A. Também recomendo fortemente os outros blogues do sítio (não sei se posso classifica-lo assim, mas vá lá…) Forças de Defesa – Poder Naval e ForTe, e também a  revista que a turma produz, Forças de Defesa. Quanto a esta, é um excelente órgão de divulgação técnico-científica, embora a distribuição deixe muito a desejar (ou talvez eu é que tenha dado azar, até aqui…).

Estou esperando ansiosamente pelo posto do Galante, do Poggio e do “Nunão” (imagino o tamanho deste cara…) sobre a baixa dos Mirage 2000C do inventário da FAB, que está por acontecer – parece que em outubro. Será a consequência mais imediata (e por enquanto, a única) do até aqui malfadado programa FX-2, se bem que o que dela decorrerá, só os deuses da guerra podem saber. Já falamos bastante sobre os programas FX e FX-2 por aqui, de modo que os interessados podem dar uma forcinha cá pro blogue e ir até lá (ou aqui, aqui e aqui) olhar. Também já comentamos que, mesmo tendo sido uma gambiarra, a aquisição do F2000 (a notação do MIR2000 na FAB) fez alguma diferença para a força, introduzindo-a na era dos radares multimodo e dos mísseis BVR. As células (como os profissionais da área, civis e militares, chamam a estrutura das aeronaves, limpas, sem motores, aviônicos e armamentos), quando da aquisição, em 2005, datavam de meados dos anos 1980 (mais exatamente, de 1985-86) e estavam estocadas na França desde meados nos anos 1990. Na época, essa aquisição, feita às pressas, destinava-se a resolver, emergencialmente, o problema de que a suspensão do programa FX, logo no início do primeiro governo Lula, resultaria, em pouco tempo: a virtual desativação do 1° Grupamento de Defesa Aérea (GDA) , a principal unidade de superioridade aérea do país – o que, por sinal, é exatamente o que irá acontecer agora.

Segundo especialistas, a desativação dos F2000 não tem, em princípio, razões técnicas, pois as células, embora já bastante rodadas, não estão ainda no limite da vida útil – quando a fadiga estrutural se torna uma ameaça incontornável à integridade da aeronave, do piloto e do ambiente. Segundo posto já bem antigo do blogue Poder Aéreo, o problema é meramente econômico: o governo não estaria disposto a gastar 4 milhões-de-qualquer-coisa (a moeda não foi especificada pelo redator) para adquirir as peças de reposição necessárias para manter as aeronaves em condições de voo por mais alguns anos. Este problema, aparentemente, remete a outro, que talvez seja o problema de fundo: a hora de voo do F2000 é bastante cara – situa-se, segundo estimativas especializadas, acima de R$ 40.000. É de pleno conhecimento de todo mundo que pelo menos lê jornal diário, que os cortes de verbas para as FFAA têm chegado ao limite do tolerável, e a situação de aprestamento já passou do nível “preocupante”, atingindo, segundo alguns milicos com os quais converso regularmente, o buraco “desesperadora”.

Segundo tem sido dito, a solução “gap filler” (a tradução livre para o português usual seria “solução de contingência”, mas no caso, é “tapa-buraco”, mesmo) deverá ser a transferência de alguns F5EM, atual “orgulho da esquadra”, dados como capazes de cumprir de modo satisfatório, certas funções de defesa do espaço aéreo, desde que não exijam enfrentamento com aeronaves de quarta geração – que, na América Latina, existem apenas nos inventários do Chile e da Venezuela.

A história do F5M é curiosa, mas bastante reveladora das mazelas de nossas políticas de defesa ao longo dos últimos 50 anos. Ao longo da segunda metade da década de 1990, apesar do babaovismo descarado do governo FHC (como por exemplo, assinar, contra o parecer do Itamaraty, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), o Brasil não tinha se tornado “parceiro preferencial” dos EUA. Dentre outras “demonstrações de apreço”, Tio Sam recusava-se terminantemente a liberar equipamento para as FFAA, dentre as quais a FAB, que necessitava, dentre outros parangolés, de misseis Sidewinder de uma versão mais atualizada, para equipar os F5E. Juntava-se a isto a procrastinação do governo em relação à modernização do inventário de combate da força, que se manifestava sobretudo na enrolação do concurso F-X.

O concurso F-X (o primeiro…) foi proposto durante o primeiro governo FHC para escolher a aeronave de caça que iria substituir os Mirage F103, que em 1996 embora ainda tivessem algum tempo de vida útil pela frente, já estavam muito obsoletos. A aquisição deveria ser de doze aeronaves, dez monopostos e dois bipostos, que seriam alocados no GDA. Só que, passados alguns anos, diante da situação já bastante indeterminada, e antevendo o fim da vida útil de sua principal aeronave de combate, no final dos anos 1990 as esferas superiores da força começaram a discutir “aquisições de oportunidade”, como a MB e o Exército vinham fazendo, com resultados questionáveis. “Aquisições de oportunidade” se mostraram complicadas: ou não existiam aviões disponíveis ao preço que o governo federal se dispunha a pagar, ou, quando encontrados, eram quase sucata. A busca procurava identificar, preferencialmente, F5E/F usados.

Pode-se dizer que a FAB se entendia bem com o F5E. O caça tático era considerado fácil de pilotar, de manter, robusto e, sobretudo, barato – tanto que os pilotos de caça voavam adoidado. O PAMA/SP (acrônimo de “Parque de Manutenção de Material Aeronáutico” – enormes oficinas industriais de manutenção e reparos de aeronaves, estabelecidas pela FAB depois da 2ª GM), o “parque central” do tipo, já tinha desenvolvido uma sistemática prá lá de testada para revisar e manter as células, e lograva resolver problemas cascudos que eventualmente apareciam. O problema é que os F5E/B, se em 1975 não eram grande coisa, ainda quebravam um galho, na segunda metade dos anos 1990 já estavam perigosamente obsolescentes. Como a concepção do F-X nunca cogitou trocar toda a frota, o retrofitting (trata-se do termo correto a ser usado) tornou-se uma opção a ser considerada, já que as revisões das aeronaves disponíveis mostrava que o estado das células existentes (na época, pouco mais de 40 unidades) podia considerado de razoável a bom. Dadas as qualidades de voo da aeronave, sua alta capacidade de manobra e, sobretudo, a simplicidade de construção e robustez (qualidades que, de fato, seduziam os militares e civis da FAB com relação aos equipamentos norte-americanos), os técnicos indicaram pela manutenção das características aerodinâmicas, visto que qualquer mudança neste aspecto implicaria em reconstruir a célula. A modernização teria de ser nos sistemas de voo (“aviônicos”) e nos sistemas de armas. A Embraer foi consultada sobre a possibilidade de executar o projeto.

A requisição da FAB pareceu grande demais para a empresa brasileira, que entrou em contato com os israelenses da empresa de tecnologia militar Elbit. Havia motivos para tal: a Elbit participava da modernização de uns quarenta F5E/F da Força Aérea de Singapura, iniciada em 1996 e então ainda em curso. Este projeto foi a base para o realizado nos F5E/F da FAB, inclusive a escolha do radar de controle de fogo, o FIAR Galileo (empresa do supergrupo italiano Finmeccanica) Grifo-F. Os israelenses, inicialmente, ofereceram um produto local, o EL/M-2032, da empresa Elta, que não foi aceito pois sua instalação exigiria modificações extensas nas células – como aconteceu com o programa “Tiger III”, executado pela Elbit para o Chile. Na época, a indústria brasileira também visava seduzir os italianos para um projeto de modernização planejado para os AMX (que acabou dando em nada). Ainda assim, o programa dos F5E/F revelou-se interessante aos israelenses: a FAB possuía pelos menos 100 aeronaves que, a longo prazo, poderiam ser modernizadas. Em função do projeto, “Seu Isaac” não perdeu tempo: assinou uma parceria com a empresa nacional Aereletrônica, de Porto Alegre, e a tornou integradora de sistemas concebidos em Israel e indicados para a retrofitagem dos aviões da FAB.

O custo do projeto foi calculado em uns 300 milhões de dólares, sem incluir a aquisição de armamento de quarta geração, que a FAB não tinha – os mísseis ar-ar do inventário ainda eram os AIM9B que tinham vindo em 1976, e os Matra R530, chegados com os Mirage. Como era de se esperar, entretanto, o governo FHC tratou o projeto como vinha tratando o FX – cozinhando a paciência dos milicos em banho-maria. Iniciado o governo Lula, em 2002, e com o surpreendente engavetamento do projeto FX, e, ainda por cima com o fim da vida útil dos F103 agora em tela, o governo federal acenou à FAB com a execução do programa. Este começou em 2003, com o envio pela FAB de oito células completamente revisadas para a planta industrial da Embraer em Gavião Peixoto, SP. A coisa toda correu surpreendentemente bem, e as primeiras unidades foram entregues à FAB para avaliação no mesmo ano. A entrega dos primeiros exemplares aos esquadrões começou em 2005. Atualmente o programa está completo, e os “F5EModernizado” (ou “M”, “Mike”, na linguagem internacional de rádio, como passou a ser chamado na FAB) têm se saído muito bem em atividade, para surpresa até mesmo da FAB.

Já ouvi gente dizendo que o “Mike” pode ser considerado um caça da “geração 3,5” (não sei se existe esta classificação, mas se não existe, tratemos de inventá-la…). Projetado ao longo da segunda metade dos anos 1950 como F5A, a versão F5E tornou-se plenamente operacional no início dos anos 1970 e entrou em serviço na FAB em 1975. A adoção do radar multimodo Grifo-F/BR (versão com modificações na antena, desenvolvida para atender às especificações dos militares brasileiros) foi o centro do conjunto de modificações tecnológicas implementadas. De modo muito simplificado (porque tomaria páginas e mais páginas explicar com detalhes, e não é este meu objetivo), pode-se dizer que o radar torna-se centro de um sistema de armas apoiado no conceito “glass cockpit” (“cabine de vidro”, em tradução livre), uma ambiência visando a diminuição do esforço de pilotagem. Através de três telas multifuncionais, do controle dos sistemas de voo e de armas através de teclas integradas ao manche e ao manete de potência (sistema conhecido como HOTAS – acrônimo de Hands On Throttle And Stick – “Mãos no Manete e no Manche”) e do visualizador de parâmetros HUD (Head Up Display – algo como “Mostrador elevado à altura da cabeça”), a cabine se torna uma interface homem-máquina que diminui notavelmente o trabalho físico do piloto, trabalho que (pelo menos em teoria) com o treinamento, torna-se intuitivo.  Esses sistemas agregam o uso de HMD (Helmet Mounted Display – “visor montado no capacete”)e NVG (night vision googles, “óculos de visão noturna”), que também visam diminuir o estresse de missão. Diversas funções do piloto passam a ser cumpridas por computadores de missão redundantes (funcionam ao mesmo tempo e um serve de backup para o outro), que compilam informações obtidas através dos diversos sensores (a começar pelo radar), e tornam a aeronave capaz de voar e combater de dia e de noite e em qualquer condição de tempo. Os computadores também coordenam um sistema de navegação INS (“navegação inercial”)/GPS que permite o controle de voo autônomo. Sobretudo, foi adicionada certa capacidade de troca de dados (“enlace de dados”) encriptados em tempo real entre aeronaves, por enquanto só as do mesmo tipo.  Os “Mike” passaram a ser capazes de operar misseis de quarta geração, tais como os Python 4 e Derby (este um BVR considerado bastante avançado, embora não “estado da arte”), bem como os “meia boca” nacionais MAA1A e MAA1B e o futuro A-Darter (este sim  uma geringonça de primeira linha).

Claro que, como não poderia deixar de ser, o programa não deixou (e deixa) de envolver um monte de polêmica. Alguns especialistas dizem que a aeronave adquiriu capacidades de caça da 4ª geração; outros tantos dizem que se trata de uma falácia. Ainda que tenha se saído bem em exercícios recentes (inclusive no decantado Red Flag de 2008), o “Mike” guarda, desde sua origem, um desempenho geral bastante pobre, e que não poderia ser modificado, a não ser com modificações estruturais que equivaleriam a construir uma aeronave nova. Sua velocidade em voo nivelado é, “molhado” (ou seja, em regime de pós-combustão) de uns 1700 km/h. Isto se deve às pequenas dimensões da aeronave, que, somadas ao desenho (característico do que seria uma “geração 2,5” das aeronaves de caça, do final dos anos 1950), carrega pouco combustível no tanque interno. Também são pífios sua razão de subida, 176 m/m  e teto máximo, de uns 15000 m . Ou seja: não é um caça de superioridade aérea, a não ser que a superioridade seja sobre vizinhos como a Bolívia ou o Uruguai.

Mesmo considerando a excelente qualidade da formação dos pilotos de caça brasileiros (que sucessivos governos pós-regime militar não conseguiram detonar… ainda) e a qualidade da organização e administração da FAB, dificilmente os caçadores brasileiros se aguentariam em combate real contra um adversário que medianamente saiba o que faz montado em material “estado da arte”, a não ser que tivessem um superioridade numérica esmagadora – coisa que não é o caso.

Bem, já vimos então que o “Mike” é um tapa-buracos. Bem bom, mas não passa disto. No entanto, ele não nasce tão morto assim, e pode ser, quem sabe, fonte de boas idéias. Na próxima e última parte desta pesquisa, veremos porquê::

A DAAe do EB chega ao presente::Uma geringonça de primeira linha no inventário, afinal::

parte1Não se trata de notícia nova – até pelo contrário: em fevereiro último, o governo brasileiro decidiu pela aquisição, em um primeiro momento, de cinco baterias AAe de origem russa. Duas são do tipo Igla-S, de defesa de ponto (curto alcance) e três são do tipo Pantsir S-1.

A “carta de intenções” entre brasileiros e russos foi assinada em fevereiro, e é apenas o começo da discussão visando estabelecer o preço final da aquisição e conseguir maiores vantagens da parte dos russos. A assinatura do contrato definitivo deve acontecer em julho e as primeiras entregas, dezoito meses depois. O produto pode ser customizado segundo exigências pontuais do comprador: no caso brasileiro podem ser adotados alguns componentes fabricados por aqui, como as carretas blindadas, que têm um equivalente nacional, fabricado pela Avibrás para o sistema Astros-2. Já a adoção do radar nacional Saber 200, citada em alguns informes da imprensa, parece muito pouco provável pois implicaria em modificações de sistema que dificilmente os russos (ou qualquer outro fabricante) estariam dispostos a fazer. De toda forma, estimativas especializadas colocam o valor do pacote completo em pelo menos US$ 1 bilhão.

São ambos sistemas antiaéreos “estado da arte”. Pode-se dizer que o Igla já existe por aqui, e é conhecido tanto pelo EB quanto pela FAB – numa versão considerada ultrapassada, embora ainda eficaz, e que desperta um bocado de controvérsia (causa:: falou do assunto recentemente). A linhagem Igla faz parte dos sistemas conhecidos genericamente como MANPADS (acrônimo, em inglês de MAN Portable Air Defense  System – “Sistema de Defesa Antiaérea Portável por Homem”). O conceito surgiu como desdobramento da ideia, datada da 2ª GM, de armamentos de infantaria operados por pequenas equipes (dois ou três elementos), apontados a partir do ombro de um deles. O alcance dessas armas é “visual” – o operador tem de colocar o lançador mais ou menos na direção do alvo –, e o elemento-vetor é um foguete ou míssil de pequeno porte (no máximo dois metros de comprimento e 12-15 kg de peso).

O MANPADS típico é dividido em duas partes. Uma peça chamada, em inglês, handgrip (“empunhadura”) é considerada por alguns especialistas como o armamento, de fato: contém os sistemas de pontaria e (dependendo do modelo) guiagem, os sistemas eletrônicos e mecânicos que acionam a “munição” (em seguida explico por que as aspas), a bateria e a unidade “esfriadora” (no caso dos “buscadores de calor”); nesta peça, que pesa entre seis e dez quilos, dependendo do modelo considerado, é alojada a “munição”, um míssil auto ou teleguiado a combustível sólido, com uma cabeça de guerra de alto explosivo pesando entre um e três quilos. O míssil, pesando entre 8 e 12 quilos, é contido num tubo descartável, que, em alguns casos, pode ser reutilizado. Parte da literatura técnica considera a bateria e a “unidade esfriadora” como uma “terceira parte” do conjunto, pois têm de ser trocadas após certo tempo, ou após o disparo de uma “carga de munição”. Aqui no causa::, tendo a considerar a geringonça toda como um “sistema de armas”, visto que um não serve para nada sem o outro.

A quase totalidade dos MANPADS adota um entre dois tipos de sistema de guiagem: o primeiro, mais comum, é chamado “guiagem passiva” (passive homing em inglês): não emitem ondas eletromagnéticas de qualquer tipo, mas captam emissões dessas por alguma fonte externa relativamente próxima. Esses sistemas são colocados no próprio míssil, de modo que o operador, depois do lançamento, não tem mais controle sobre a trajetória. Estes sistemas de armas são os mais comuns: setenta por cento dos que estão ativos, o adotam. O segundo é menos comum: numa tradução livre, podemos chama-los de “guiagem de comando” (em inglês, command guidance). A trajetória do míssil é determinada por uma fonte externa, comandada pelo operador e captada por um receptor instalado no míssil. Um terceiro sistema é bem mais raro nesse tipo de arma: guiagem semi-ativa (semi-active homing, em inglês). Nesta, uma fonte externa “ilumina” o alvo através de uma fonte emissora de ondas, e míssil “percebe” a posição da interferência.

Os Igla são a terceira geração dos sistemas de guiagem passiva. Estes sistemas de armas se tornaram possíveis a partir do desenvolvimento, durante os anos 1950, de aparelhos de guiagem “buscadores de calor” (tradução livre da expressão heat-seekers). São equipamentos “passivos” porque não emitem ondas eletromagnéticas de qualquer tipo, mas captam emissões dessas por alguma fonte externa relativamente próxima. No caso, radiação do espectro eletromagnético em amplitudes de ondas que geram calor, mas são invisíveis aos olhos, conhecidas como “infravermelhas” (IR, do inglês infrared). O princípio é relativamente simples: a impulsão proporcionada por motores à reação baseia-se na emissão de jatos de gás em alta velocidade, numa única direção. O atrito provocado pelo movimento do gás gera “calor”, ou seja, uma súbita emissão de micro-ondas que se concentra em grande quantidade junto à cauda da aeronave, antes de se dispersar (por sinal, muitos corpos físicos têm essa propriedade de emitir, concentrar e dispersar calor). A cabeça de guiagem “buscadora de calor” possuí pequena quantidade de uma substância semicondutora (na primeira geração, sulfeto de chumbo II – PbS –, ou “galena”; nos mais modernos, antimoneto de índio – InSb – ou mercúrio-cádmio-telurídio – HdCdTe), todos elementos minerais com a propriedade de “medir” emissões de fótons em sequência (fotocorrente ou corrente fotelétrica). Essas emissões causam alteração no comportamento físico da substância, alteração que gera energia suficiente ser repassada a uma unidade de comando e controle eletrônica. Na primeira geração e em alguns tipos da segunda, essas unidades de controle eram analógicas; em partes da segunda e na terceira geração, digitais. A unidade de comando e controle interpreta os dados e aciona controles mecânicos dos aerofólios móveis, que mudam a direção de vôo do míssil.

Esse processo foi aplicado pela primeira vez no míssil ar-ar AIM9 Sidewinder, que começou a ser desenvolvido em 1949 e entrou em serviço em 1956. Nos final dos anos 1950 o sistema foi diminuído o suficiente para ser colocado em uma arma portátil, no caso o FIM- 43 Redeye, da empresa Convair (depois General Dynamics), que entrou em serviço em 1965, abrindo a primeira geração de MANPADS. Pouco depois, apareceu uma versão soviética, o sistema 9K32, desenvolvido pelo escritório de projetos (em russo, OKB) 134, dirigido pelo engenheiro Turopov nas proximidades da cidade de Tushino. Estreou em 1968, apelidado pelos soviéticos Strela e foi referenciado pela OTAN como SA-7 Grail. O SA-7 é geralmente tratado pela bibliografia especializada como cópia do Redeye obtida através de engenharia reversa, embora a história nunca tenha sido definitivamente provada.

Um problema dos MANPADS que não existia nos armamentos de ombro até então era o jato de chamas gerado pelo propelente do míssil, que poderia torrar o operador. A solução imaginada foi introduzir uma carga menos potente, chamada “de ejeção”, situada na extremidade posterior do míssil. Esta serve apenas para fazer o vetor deixar o tubo de lançamento, gerando um bocado de fumaça, inócua para o operador. Alguns segundos após o acionamento da “carga de ejeção” é acionado o “motor de vôo”, um motor-foguete que rapidamente acelera o vetor até velocidades que podem chegar até 1200 m/s, nos modelos mais modernos (para uma visão geral dos sistemas MANPADS, clique aqui).

Os MANPADS da primeira geração não eram lá muito eficientes: tinham de ser colocados pelo operador diretamente na direção da fonte de calor, ou seja, da cauda da aeronave e, ainda assim, o tempo de reação do míssil era geralmente menor do que a velocidade da aeronave, de modo que eram plenamente eficazes apenas contra helicópteros ou aeronaves voando em velocidades relativamente baixas, ou que passassem diretamente sobre a posição do míssil. Ainda por cima, as primeiras cabeças de guiagem não conseguiam distinguir faixas muitos amplas do espectro de micro-ondas, de modo que podiam ser “enganadas” por outras fontes próximas. Assim, não demorou a aparecerem contramedidas altamente eficazes, conhecidas como flares – uma cápsula ejetada por uma aeronave que, ao ser ativada gera, por reação química e sem explosão, uma grande quantidade de luz e calor durante um período que varia entre cinco e dez segundos.

A estreia em combate real do MANPADS deu-se na Guerra do Yom Kippur (1973), em grande estilo: a vantagem inicial egípcia deveu-se, em grande parte, à anulação da eficiente aviação israelense por sistemas de defesa AAe repassados às forças árabes pela União Soviética. A tática israelense de voar baixo com caças-bombardeiros A-4 Skyhawk, de modo a evitar a vigilância de radar foi anulada pela presença de 2000 SA-7 Strela-2, responsáveis pela derrubada de doze aeronaves, e por danos incapacitantes em outros dezoito (algumas fontes elevam este número para 45 baixas). A presença desse armamento acabou obrigando os israelenses a mudarem parcialmente suas táticas, passando a voar em altitudes médias, e assim entrando na faixa de alcance dos sistemas Tunguska (o avô do Pantsir S-1, mas disso a gente fala depois…) e dos SAMs convencionais. O melhor treinamento dos pilotos egípcios de caça (dentre os quais o mal fadado Hosni Mubarak) fez o resto, de forma que a guerra aérea, naquele conflito, pode ser considerada quese um empate.

As segunda e terceira gerações de MANPADS têm seus principais representantes no Stinger dos EUA, no SA-14 Strela-3 soviético, FN-6 chinês, Mistral francês e Blowpipe, da Grã Bretanha. O uso de cabeças de guiagem baseadas em antimoneto de índio e mercúrio-cádmio-telurídio aumentou a eficiência da leitura do espectro de cores IR, e as mais atualizadas conseguem distinguir faixas do espectro ultravioleta (UV), o que possibilitou que os mísseis passassem a distinguir entre o emissor primário e os secundários e, desta forma, adquirissem o alvo de forma correta, evitando interferência. Um aspecto decisivo que aumentou exponencialmente a eficácia dos MANPADS da segunda geração foi a introdução de “baterias termais”, unidades geradoras de eletricidade de maior eficiência, e “unidades resfriadoras de bateria” (em inglês, BCU – battery coolant unity), também conhecidas  como. Essas unidades abaixam a temperatura do buscador IR até cerca de -200°, aumentando a sensibilidade do semicondutor da cabeça de guiagem e, por consequência, a eficácia do sistema.

Entretanto, a partir da segunda geração começaram a surgir – ou ser retomados – métodos de guiagem ativa, a tal ”guiagem de comando”. Em última análise, é a releitura de um sistema usado na 2ª GM, pelos alemães, em bombas planadoras e mísseis antiaéreos. O operador dirige o vetor utilizando a combinação de um visor e um pequeno manche (em inglês, joystick). É o sistema utilizado pelo MANPADS britânico Blowpipe (“zarabatana”). Este adota uma variação do sistema denominado MCLOS (abreviatura, em inglês, de Manual Command Line Of Sight, ou “Comando Manual por Linha de Visada”).  Através de emissões de rádio estimuladas pelo movimento do joystick, a trajetória do vetor é corrigida até alcançar o alvo. O operador tem de colocar o míssil na direção do alvo, dispara-lo e, após três segundos, passa a dirigir a trajetória movimentando um pequeno joystick com o polegar, até conseguir o impacto. Parece fácil? Tente faze-lo com uma geringonça de sete quilos apoiada no ombro. Tratava-se de um processo complexo, que exigia equipes muito bem treinadas e conhecedoras do sistema, o que rompia a filosofia básica do conceito MANPADS. Em 1985 a arma foi descontinuada pelos britânicos. Umas cinquenta unidades foram vendidas aos argentinos no final dos anos 1970, de modo que, durante a Guerra das Falklands, ironicamente, os dois lados estavam armados com o produto britânico. Os britânicos afirmam ter derrubado nove aeronaves argentinas por meio dessa arma e os argentinos dizem ter abatido dois helicópteros e uma aeronave VSTOL Harrier.

Também foi nos anos 1980 que a entrega, pela CIA, de 1000 FIM-92 Stinger aos guerrilheiros afegãos fez deste sistema de armas um verdadeiro astro da guerra de guerrilha contra os soviéticos. Segundo informações distribuídas pela agência de inteligência norte-americana, entre 400 e 500 aeronaves soviéticas e afegãs, aviões e helicópteros foram abatidos em pouco mais de cinco anos. No Afeganistão, o conceito de MANPADS chegou à maturidade e tornou-se motivo para que tanto soviéticos quanto, posteriormente, os próprios norte-americanos mudassem, suas táticas de apoio aéreo aproximado, passando a evitar perfis de ataque muito próximos do solo. A eficiência dos MANPADS contra aeronaves voando em altitudes ultrabaixas, em solo acidentado, as tornava alvos fáceis para irregulares com baixo nível de treinamento, alta consciência do terreno e altamente motivados. Em função do curto alcance dos mísseis “buscadores de calor”, as incursões soviéticas passaram a ser feitas de altitudes médias e altas, que, dada a alta mobilidade das unidades de guerrilheiros, eram muito pouco efetivas. Posteriormente, em sua guerra afegã “contra o terrorismo”, os norte-americanos passaram a usar ataques de uma única aeronave em grande altitude e usando armamento inteligente – também sem grande eficiência e com alto número de baixas colaterais.

Desde meados dos anos 1990, o Brasil tem adquirido alguns lotes do SA-18 Grouse. Os SA-18 são a versão anterior do sistema de armas adquirido agora, este referenciado pela OTAN como SA-24 Grinch (um tipo de duende que rouba motivos de satisfação alheia – no caso, dos pilotos de aeronaves…) e apresentado pelos fabricantes em 2008. Com relação à versão usada pelas FFAA brasileiras, o SA-24 tem maior alcance (6 km contra 4,5 km) e maior eficiência noturna. Esta é provida pela combinação de um rastreador de alvos baseado em amplificador de luz passivo (instalado na empunhadura), que se combina ao tradicional, baseado no buscador de emissões IR. Segundo os fabricantes, é plenamente eficaz contra alvos em vôo em altitudes de até 3500 m, mas ainda se destina-se principalmente a opor alvos em velocidade subsônica: helicópteros, mísseis de cruzeiro e aeronaves não tripuladas. Contra aeronaves em velocidades transônicas, sua eficácia decai exponencialmente. Ainda assim, o Igla-S é bastante versátil, podendo ser adaptado para vários tipos de plataformas estáticas, em navios e em helicópteros.

A aquisição de duas baterias faz sentido em função do fato de uma complementar a outra.  Os Igla-S, instalados em lançadores duplos operados por um único homem, podem ser rapidamente transportados e postos em bateria, em locais bastante discretos, como topo de prédios ou mesmo em pequenos veículos do porte de um pequeno caminhão. A outra parte da compra, o Pantsir S-1, é bem mais complexa, e constitui um sistema pelo menos em princípio mais eficiente, voltado para a aquisição de alvos em distâncias médias. Combina mísseis e armamento de tubo, orientados por radar. Falaremos deste em outra hora, para termos uma visão ampla da aquisição brasileira, suas possíveis vantagens e desvantagens::

causa::também tem saudades::Flakpanzer Gepard::Uma boa idéia?::

Em 2012 começaram a circular rumores de que se desenhava outra “compra de oportunidade” pelo EB. Desta vez, o objetivo seria parte das ações previstas no PEE DAAe (Projeto Estratégico do Exército Defesa Antiaérea), um dos projetos estratégicos de longo prazo do EB. O projeto foi apresentado recentemente como tendo concluída sua “primeira fase”, cujo objetivo geral é atualizar o Sistema de Defesa Antiaérea da Força Terrestre (SDAAe/FT). Os trabalhos começaram há mais de doze meses e foram produzidas cerca de quatro mil especificações  detalhando os sistemas que irão compor a Defesa Antiaérea, como, por exemplo, o de armamentos, equipamentos de comunicações e de logística . A proposta está no âmbito da Estratégia Nacional de Defesa, e tem orçamento previsto de R$ 2,3 bilhões (o que, sabemos muito bem nós, cristãos, poderia ser 23 ou 230 bilhões, pois isso não significa que o dinheiro vá, de fato, ser disponibilizado…). Caso sejam de fato incluídos no orçamento da República, os recursos servirão para financiar o planejamento e aquisição dos meios adequados a proteger estruturas consideradas estratégicas para o país: usinas hidrelétricas e nucleares, aeroportos, portos e instalações de comunicações.

Os rumores, ressoados histericamente na Internet, na ocasião foram amplificados pela necessidade criada em função da proximidade dos eventos internacionais de grande porte que o país tinha se comprometido a receber – os torneios de futebol de 2013 e 2014 e as Olimpíadas de 2016. A segurança desses eventos implica em criar uma espéciede “domo” sobre os locais de realização, e o fato é que nenhuma das “forças singulares” tem tal capacidade. No apagar das luzes do ano (mais exatamente em novembro) o EB anunciou ter fechado a aquisição de um lote de blindados Krauss-Maffei-Wegmann “Flakpanzer Gepard”, equipamento alemão baseado no chassi do Leopard 1 e com mais de trinta anos de serviço ativo no exército da República Federal da Alemanha.

Trata-se de um veículo bastante interessante, destinado a fornecer defesa aproximada para colunas blindadas e motorizadas em movimento, concentrações de tropas e pontos de interesse, dentro do conceito conhecido como SPAAG (acrônimo de Self Propelled Anti Air Gun, “canhão anti-aéreo autopropulsado”). Basicamente, é um canhão de pequeno calibre, automático, montado sobre uma plataforma móvel, capaz de disparar em movimento contra alvos aéreos voando a baixa altitude num raio relativamente pequeno com relação ao ponto de emprego. O conceito não é novo, ao contrario do que se pode pensar: já na 1ª GM, ingleses, franceses e alemães experimentaram montar canhões de pequeno e médio calibres na carroceria de caminhões. Na 2ª GM, SPAAGs montados sobre chassis de tanques dos quais a torreta havia sido retirada já eram conhecidos e também já era claro que plataformas montadas sobre esteiras eram mais efetivas do que os caminhões, em função do problema da estabilidade da plataforma no momento do tiro; outro motivo era a maior habilidade dos veículos sobre esteiras em negociar com terrenos acidentados. Ao longo da guerra, a tendência foi que os SPAAGS fossem concebidos em torno  de armas automáticas nos calibres 11,7 mm, 20 mm, 30 mm, 37 mm e 40 mm. Após a 2ª GM, se consolidaram os SPAAGs instalados em veículos sobre esteiras, assim como o uso de canhões automáticos bitubo ou quadritubo. O salto foi, de fato, nos sistemas de pontaria: os sistemas óticos de busca de alvos foram paulatinamente substituídos por sistemas baseados em radar. O Flakpanzer Gepard é tributário desse conjunto de desenvolvimentos, e também da consolidação da Alemanha Federal como parceiro político e militar do Ocidente no período da Gerra Fria contra a União Soviética.  

Após a reconstituição política da República Federal da Alemanha (RFA), em 1955, o recém formado Bundeswehr (“Forças Armadas da Federação”, em tradução livre: Bundesheer – “Exército da Federação”, Kriegsmarine – “Marinha de Guerra” e Bundesluftwaffe –“Arma Aérea da Federação” ) começou a ser equipado com material de procedência norte-americana, que se mostrou pouco adequado para o papel reservado a Alemanha na defesa da Europa Ocidental. Em 1956, os requisitos de um tanque pesado (em inglês Main Battle Tank – MBT) foram apresentados pelo Bundesheer. Em 1957 RFA e França assinaram um acordo para desenvolverem em conjunto um novo tanque pesado. Divergências entre os dois países fizeram com que o acordo tivesse o destino que tiveram vários outros: foi desfeito e cada pais seguiu o próprio projeto. A França desenvolveu o AMX-30; a Alemanha, o Leopard.  O projeto foi um marco para a  RFA: pela primeira vez desde a guerra uma iniciativa de grande porte, envolvendo diversas empresas era conduzida de forma totalmente independente. O novo veículo começou a ser distribuído em 1965.

Com o Leopard ainda em desenvolvimento, em 1963, a OTAN apresentou a requisição de um sistema de defesa anti-aérea de ponto de alta mobilidade para as forças armadas de seus países membros. Essa requisição deveu-se à constatação do crescimento do poderio aéreo soviético. As aeronaves e táticas vinham se mostrando capazes de realizar penetrações bem sucedidas em baixo nível. Logo ficou decidido que o sistema deveria ser desenhado em torno do canhão Oerlikon 35 mm/90 calibres KDA, concebido na segunda metade dos anos 1950 para combater incursões de perfil lo-lo-lo (de low-low-low, “baixo-baixo-baixo” – um tipo de perfil de missão em que a aeronave busca manter-se abaixo da cobertura do radar inimigo e só é percebida quando está quase sobre o alvo). Os alemães consideraram imediatamente a possibilidade de usar o chassi do Leopard. Embora o novo blindado tenha se saído muito bem nos testes ao longo do ano de 1964, o desenvolvimento da plataforma anti-aérea mostrou-se lento em função de problemas com o sistema diretor de tiro. O radar móvel suíço Superfledermaus foi posto em serviço em 1963 pela empresa Contraves, mas levou muito mais tempo que o esperado integra-lo ao veículo alemão. O resultado é que as primeiras unidades de linha só entraram em serviço na primeira metade dos anos setenta. Em 1976 e 1977, Bélgica e Holanda adquiriram o sistema. O belga era idêntico ao alemão; já o holandês foi equipado com sistemas locais de direção de tiro instalados em uma torre totalmente redesenhada.

Quando foi posto em operação, a principal função do Gepard tinha se tornado o enfrentamento contra helicópteros “canhoneiros” (gunships). Estes tinham se tornado “moda” depois da Guerra do Vietnam e, naquela época (entre 1973 e 1975) as forças armadas soviéticas estavam cheias deles, principalmente o “tanque voador” MI24 Hind, distribuído em sucessivas versões a partir de 1972. O campo de batalha, naquele momento estava ocupado por mísseis superficie-ar que passaram a ser a principal oposição contra aeronaves.

O Gepard, que em última análise pode ser considerado conceito resultante da soma do chassi do Leopard-1 A1 com o canhão Oerlikon KDA e o Diretor de Tiro Superfledermaus, foi considerado durante muitos anos o mais eficiente sistema de canhões antiaéreos móveis disponível no Ocidente. No final dos anos 1970, os norte-americanos tentaram reproduzir o conceito no sistema DIVAD (acrônimo de Division Air Defense) juntando o chassi de um tanque M-48 Patton, descontinuado pelo Exército, uma versão local do canhão Bofors de 40mm L/70 e um Diretor de Tiro extremamente complexo, baseado no radar aéreo Westinghouse AN/APG-66, além de um sistema de telêmetro optrônico. O projeto acabou cancelado por dificuldades de desenvolvimento e pelos custos astronômicos. Outro projeto semelhante, porém mais bem sucedido foi o sistema soviético anti-aéreo 9K22, cujo desenvolvimento se deu ao longo dos anos 1970. Montado sobre lagartas, o sistema combina um canhão automático bitubo 30 mm com mísseis superfície-ar, apontados ambos por radar e tendo as informações processadas por computador analógico. Conhecido pelo codinome Tunguska, o sistema teve sua formatação baseada na experiência recolhida pelos egípcios durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, e ainda se encontra em serviço, em versões aperfeiçoadas. O sistema Pantsir S-1, recentemente adquirido pelo Brasil, pode ser considerado uma versão muito aperfeiçoada do 9K22.

O armamento usado no Gepard é composto por um sistema bitubo de fogo rápido KDA (esta sigla significa que a arma é alimentada com munição montada em correias de elos de metal), de 35 mm/90 calibres. Utiliza um projétil de 35X228 mm, cuja velocidade de boca é algo em torno de 1400 m/s. Cada tubo corresponde a um canhão completo, operado por recuperação de gás – o bloco de culatra é rearmado aproveitando parte da energia do disparo, recuperada sob a forma de parte do gás gerado pela explosão do propelente, como qualquer arma automática). A cadência de tiro é de 550 salvas por minuto. Como os dois canhões são articulados eletricamente, a cadência do sistema é, teoricamente, de pelo menos 1100 tiros por minuto. O alcance máximo é de uns 5500 m, e o efetivo, contra alvos aéreos, utilizando em geral munição de fragmentação acionada por espoleta de proximidade, de 4000 m. Os tubos elevam-se até 92 graus com relação ao eixo do carro, e são acionados eletricamente por servomotores de alto desempenho.

O processo de modernização do Gepard, iniciado no final dos anos 1990 implicou numa mudança de conceito. Segundo estudos norte americanos realizados nos anos 1980, canhões bitubo ou quadritubo, embora continuassem a ser eficazes contra helicópteros, tinham se tornado perigosamente ineficazes contra aeronaves. Não seria suficiente, então, aperfeiçoar o radar Superfledermaus – aquela altura, já muito ultrapassado, visto que constituía-se num sistema analógico. O conjunto de sensores usados no Gepard foi atualizados. Foi introduzido um novo radar de busca operando na banda S, capaz de cobrir um cone invertido com 15 km de raio e até 7 km de altura. Determinada a altitude e direção do alvo, entra em funcionamento o radar de acompanhamento, montado a vante da torreta, entre os dois tubos. Operando na banda K, determina a velocidade do alvo. A operação dos sistemas é coordenada por um computador, que analisa em tempo real as informações obtidas através do princípio pulso Doppler. Com um alcance de 15 km, esse sistema recebeu o acrônimo (tipicamente alemão, por não formar nenhuma palavra pronunciável nem ter graça alguma) HFlaAFüSys, ou seja, Heeres FlugabwehrAufklarungsFührungSystem, algo como “Sistema de Direção e Reconhecimento Anti-aéreo do Exército”. A renovação incluiu capacidades de contramedidas eletrônicas, decodificador IFF (Identification of Friend oor Foe – “identificação de amigo ou inimigo”, uma emissão de rádio que, decodificado pelo atacante, caso reconhecido como “amigo”, alerta o piloto e trava temporariamente o armamento) e visor termal junto aos optrônicos.

O armamento teria de ser muito melhorado, ao ponto de ser realizada uma verdadeira mudança de conceito, baseada no exame do desempenho do sistema russo Tunguska.  O Tunguska utilizava (como hoje em dia utiliza o Pantsir S-1) uma configuração de canhões de fogo rápido e mísseis superfície-ar, que foi adotada pelos usuários do Gepard.  O armamento foi acrescido do sistema de mísseis Raytheon FIM-92D Stinger,montados em lançadores duplos junto dos canhões. O Stinger utilizado é uma versão aperfeiçoada, derivada do MANPADS que adquiriu fama contra helicópteros e aeronaves soviéticas no Afeganistão. Com alcance de uns 8 km, o modelo utilizado,  também conhecido como Stinger RMP (Reprogrammable Microprocessor) foi desenvolvido no final dos anos 1980 para corrigir falhas observadas nas versões anteriores. Introduzia a  capacidade de ser rapidamente reprogramado, conforme a missão designada (o que podia ser feito, dependendo do software empregado, em 10 minutos). Posteriormente, uma versão mais aperfeiçoada, a 92E POST (Passive Optical Seeker Technique – “técnica de buscador ótico passivo”) foi introduzida. Nesta, o míssil passou a ser apontado por um visor totalmente passivo, anulando medidas contra IR, o que diminuia a possibilidade de detecção do lançador. Estes mísseis possuem um alcance de 8 km.

O programa revelou-se complicado em função mais do contexto político pós-Guerra Fria, do que por dificuldades técnicas, e foi concluído em 2004-2005. Os cortes de orçamento que alcançaram todas as forças armadas européias fizeram com que apenas 110 Gepards, de um total de cerca de 300, fossem modernizados. As 45 unidades belgas tiveram completado apenas parte do projeto, e acabaram descontinuadas antes de estarem totalmente operacionais. Nesta época, os usuários já estavam cogitando se não seria mais barato substituí-lo de uma vez. Em 2009 a Bundeswehr resolveu desativar os três regimentos equipados com o Gepard, que será substituído por um sistema mais leve, mais moderno e mais barato. Pouco mais de cem unidades do Gepard “quase zero-bala” ficaram disponíveis.

O equipamento de um regimento completo – 36 carros revisados e modernizados – foi disponibilizado ao EB em 2011. O pacote oferecido incluiu peças sobressalentes, suporte técnico e treinamento de pessoal militar. O governo alemão liberou a KWM para dar suporte ao veículo durante pelo menos dez anos, bem como a  transferência de tecnologia visando a nacionalização de alguns itens, através da sede da empresa, localizada no Rio Grande do Sul. Um exemplar foi enviado ao Brasil em outubro de 2011, para ser testado durante exercício anual da artilharia AAe, no campo de instrução de Formosa, nas proximidades de Brasília. Segundo foi dito, os militares brasileiros ficaram impressionados com a capacidade do veículo.

Tem sido dito que a aquisição do sistema alemão trará grandes vantagens para a Força Terrestre brasileira, a começar por constituir um sistema ainda atualizado e de alta capacidade operacional. Alguns especialistas dizem que a unidade EDT desses veículos é capaz de “conversar” com as FILA operadas pelo EB. Alguns dos desenvolvimentos introduzidos anos atrás no produto brasileiro estão presentes no HflaAFüSys alemão, e este que poderia, eventualmente, servir como base para a modernização das unidades nacionais, bastante defasadas tecnologicamente. A virtude pode, por outro lado, ser um problema, visto que não se sabe como será o acordo de off set (transferência de tecnologia) assinado com os alemães, e estes não costumam a ser lá muito colaborativos, nesta direção. Evidentemente que muitos itens deverão passar a ser produzidos pela indústria nacional, sob pena de inviabilizar, a médio prazo, a operação dos veículos no Brasil: peças mecânicas, alguns dos itens relativos ao armamento e, quase certamente, a munição (segundo tem sido dito, apesar do armamento ser basicamente o mesmo que os GDF001 operados pelo EB, a comunalidade entre as munições utilizadas não é total).

Como vantagens, tem sido apresentados o alto índice de comunalidade com o Leopard 1 A5 e a relação já estabelecida com o fabricante alemão, a empresa KMW. Mecanicamente, o Gepard constitui com o “Leo” uma “familia de veículos” (FoV): utilizam o mesmo chassi, motor (da empresa Motoren und Turbinen Union –MTU – MB 838 de 10 cilindros, gerando 830 hp de potência), transmissão e sistema de tração. Também são comuns a blindagem. Este aspecto certamente facilitará a logística, visto que serão utilizadas as plantas de manutenção já existentes e os procesos, quanto à parte mecánica, são os mesmos.

Tudo isso posto, o que se pode dizer é que a aquisição do Gepard, apesar das vantagens que pode representar, em termos, inclusive, de melhoria da capacidade anti-aérea do EB, de forma alguma pode ser considerada isoladamente. É, no máximo, um passo. Outras providências têm de ser tomadas, como a aquisição de mísseis de médio alcance (o que foi feito, recentemente) e a melhoria do controle do espaço aéreo, no foco tático e estratégico (o que teria de incluir a aviação civil). O futuro próximo dirá se estamos diante de um salto ou de um mico. Eventualmente, voltaremos ao assunto::  

Causa também tem saudades::Para complementar, alguns assuntos relevantes::Parte 1::

Faz alguns meses que causa:: está meio largado às traças devido a meus projetos prioritários. Mas como não é, para mim, possível ficar afastado dos assuntos relevantes, e estes são muitos, resolvi eleger um deles e tecer algumas considerações em torno – como sempre. Um dentre os que realmente parecem interessantes é a revitalização da artilharia AAe de nosso sofrida Força Terrestre::

Algumas observações gerais (e nem precisam ser muito aprofundadas…) nos mostram que, como todo o resto, a capacidade AAe da Força Terrestre nacional é pífia.  Pode-se dizer que esta especialização da arma de artilharia foi introduzida no Brasil nos anos 1930, com a criação de um centro de instrução nas dependencias da Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos, Rio de janeiro. Em 1938 foi criado o “Núcleo da Bateria de Metralhadores AAe”, em torno de alguns canhões AAe Madsen de 20 mm. Na mesma ápoca, a artilharia antiaérea (cuja sigla, para os militares é AAAe) veria uma expansão notável com a aquisição, em 1939, de alguns canhões Krupp modelo 18 (este mesmo – o primeiro da linhagem do fabuloso acht-acht). Em função da época complicada, o contrato mostrou-se muito difícil de ser concretizado – a Europa vivía a abertura das hostilidades da Segunda Guerra Mundial.  Apenas parte da encomenda original foi honrada pelos alemães, que acabaram por incorporar à Wehrmacht os equipamentos originalmente destinados ao Brasil.

O surgimento, de fato, da arma AAe em nosso país teria de esperar até o alinhamento com os aliados, a partir de 1942. Foi então que começaram a ser recebidas peças de origem norte-americana: canhões de 37 mm automáticos e 90 mm, contra alvos em média/alta altitude. No final dos anos1950 certa quantidade de canhões automáticos Bofors C/60 foi disponibilizada para o EB. Ao longo dos anos 1960 e 1970, foram adquiridos os Bofors C/70. Este é, basicamente, o mesmo C/60 (isto significa “60 calibres” – 40 mmX60 –, ou seja, o comprimento do tubo-alma entre o fim da cámara e a boca) com diversos melhoramentos, inclusive uma cadencia de fogo – TPM, no jargão militar – de até 300 salvas por minuto. Estes forma distribuídos entre o EB e os Fuzileiros Navais. O controle de fogo (“direção de tiro”, para o EB) ainda era baseado em sistemas óticos e calculadores analógicos, chamados de “preditores”, no jargão militar.

O grande problema do Brasil era, de toda forma, a dependência quase total de fornecedores externos, notadamente os EUA. Visto que estes se recusavam a disponibilizar armamento de tecnologia avançada, durante os anos 1960 a obsolescência material das FA era crítica: a totalidade do equipamento disponível era coisa que chegava no máximo aos meados dos anos 1950. Na final da década dos sessenta, após ter sucessivos pedidos de equipamento atualizado negados, o governo militar resolveu mandar os EUA às favas e foi às compras na Europa. Foi adquirida uma esquadra “zero bala” na Inglaterra e aeronaves “estado da arte” na França. Mas não foi só: também foi adquirido um sistema de controle do espaço aéreo baseado em radares franceses que, na época, eram o melhor disponível fora dos EUA. A estruturação do sistema incluiu o Controle de Trafego Aéreo e um sistema de orientação de aeronaves militares.

A Força Terrestre entrou nessa “festa tecnológica” com a aquisição dos canhões automáticos bitubos de tiro rápido Oerlikon GDF 001 de 35 mm/90 calibres. Foi um verdadeiro “choque de modernidade”. Na época era o que havia de mais avançado em termos de armamento de tubo para defesa de ponto, inclusive por terem vindo acompanhados por algumas unidades de controle de fogo Skyguard. Este era o descendente, muito melhorado, da EDT Superfledermaus (algo como “Supermorcego”, em alemão), um sistema de radar e optrônicos para localização,  acompanhamento e marcação de alvos, instalado num container autorrebocado. O container, quando posto em posição, apoia-se em quatro sapatas com regulagem coordenada de precisão, capazes de manter o conjunto totalmente estabilizado – requisito básico para um sistema de radar móvel.  A unidade de antena contém o radar de busca (search radar, em inglês) o radar de acompanhamento (tracking radar) e uma câmera de televisão coaxial (acoplada ao radar de rastreamento). A unidade recolhe-se para dentro de um compartimento no container, quando em deslocamento e é automaticamente colocada em posição quando o sistema é ligado. Tanto o radar busca quanto o de rastreamento (acompanhamento de alvos) operam pelo princípio pulso Doppler, capaz de fornecer rapidamente a direção, altitude e velocidade de deslocamento do alvo. O sistema é capaz de avaliar e selecionar automaticamente os alvos. O equipamento de TV coaxial (“optrônico”) dá ao conjuto certa capacidade de oposição à Contramedidas Eletrônicas (ECM), pois é acionado logo que alguma interferência antirradar é detectada e permite que o alvo seja acompanhado e enquadrado visualmente, embora em distâncias menores.  O alcance máximo é de 20 quilômetros, e cada sistema é capaz de adquirir diversos alvos e coordenar o fogo de duas unidades de duplo cano, cada uma com cadência de fogo de até 1100 disparos por minuto. É uma arma extremamente eficaz contra aeronaves voando a baixa altitude a uma distancia de até 4000 metros.

Desde essa época a arma antiaérea do EB foi reorganizada, sendo formados cinco Grupos de Artilharia AAe e nove baterías ligadas à principais brigadas. A essa reorganização correspondeu a desativação do equipamento de origem norte americana e a introdução de novas unidades Bofors C/70.

Paralelamente, entre meados dos anos 1970 e o início da década de 1990 foram feitos esfprços, baseados principalmente no Centro de Tecnológico do Exército (CTEx) e no ITA, da Força Aérea para desenvolver tecnologia militar autóctone. O processo, estrategicamente bem elaborado, tropeçava em alguns obstáculos. O primeiro era a baixa capacitação dos laboratórios brasileiros no que tange à pesquisa aplicada. Isto quer dizer que, embora os princípios fundamentais fossem dominados, não havia quem soubesse aplicá-los direito ao desenvolvimento de geringonças do tipo descrito. O segundo problema, que englobava o primeiro, era o modelo de desenvolvimento brasileiro: os militares esperavam que a indústria nacional – não apenas a indústria de defesa – pudesse se expandir copiando tecnologias ultrapassadas disponibilizadas pelas potências centrais. Essa proposta se desdobrou do sucesso obtido aqui em certos ramos da indústria metal-mecânica, particularmente a automobilística. Quando se tentou fazer a mesma coisa com ramos mais complexos, como a eletrônica e a aeronáutica, o projeto deu gloriosamente com os burros n´água. Ainda assim, certos casos de sucesso contribuíram para estender o equívoco: foi o que se deu com experiências do tipo da Engesa, que chegou a ser um dos grandes fabricantes de blindados sobre rodas do Ocidente. O problema é que o oba-oba da época ocultou o fato de que os produtos fabricados eram tecnologicamente defasados (hoje se sabe que o Cascavel, por exemplo, estava no patamar do final dos anos 1950, e até o canhão era cópia de um modelo belga já então ultrapassado). O sucesso internacional baseava-se no fato de que, como o país copiava tecnologias ultrapassadas e o modelo político mantinha os custos gerais baixos, o preço final acabava sendo muito competitivo. Para piorar as coisas, as forças armadas nacionais, que em todos os países do mundo são o principal cliente da indústria de defesa local, por aqui não pareciam dispostas a comprar os produtos nacionais. Não que não quisessem: o governo militar é que investia relativamente pouco em pesquisa e desenvolvimento, deixando claro que o complexo industrial militar local devia se virar com exportações. Foi assim que países como a Líbia e o Iraque se entupiram de Cascavéis e Urutus, trocados por créditos em petróleo, sem chegar a contribuir para aperfeiçoar os produtos e as doutrinas de uso.

Foi nesse contexto que, em 1978, o Brasil adquiriu uma bateria do sistema franco-germânico Roland II, na época um produto tecnologicamente avançadíssimo. A aquisição chegou a quatro lançadores duplos e 50 mísseis e foi dito que o objetivo era prover a capital federal de um sistema eficaz de defesa antiaérea. A explicação fazia sentido, já que essa função era cumprida por uma bateria de canhões AAe Bofors L/70. Entretanto, os militares brasileiros imaginavam que, aplicando engenharia reversa, conseguiriam copiar o míssil, o lançador e (talvez) os sistemas de guiagem. A história toda até hoje não foi bem contada, mas parece que o fabricante, a empresa franco-germânica Euromissile, começou a desconfiar da quantidade de pequenas encomendas de peças específicas sob o selo “reposição”. Em 1984, o CTEx tentou desenvolver uma plataforma (“shelter”, no jargão técnico) autorrebocada, cujo mockup (espécie de modelo em escala 1/1 e usando os materiais do produto real) chegou a ser divulgado na imprensa especializada. Só que fazer uma espécie de maquete é bem mais simples que fazer a coisa real, e não é possível dizer se teria funcionado como protótipo. Mas nessa época o fabricante europeu já tinha cortado o fornecimento de peças totalmente, e como o objetivo brasileiro não era, de fato, constituir um sistema de defesa AAe de ponto expandido (defesa de alvos de grande porte, como aeroportos bases  e depósitos militares), as unidades não chegaram a se tornar totalmente operacionais e foram abandonadas, sendo uma delas mantida durante alguns anos no CTEx.

Também na década de 1980  a empresa privada Avibrás conseguiu – desta vez com assitência da Contraves – produzir um sistema semelhante ao Skyguard, só que, na época, um pouco mais aperfeiçoado. Mantidas as características do Skyguard, a versão brasileira apresentava0 certos aperfeiçoamento, como a introdução da “banda Ka” de micro ondas, de maior potência, unidade de antena aperfeiçoada, um telêmetro a laser e analizador de dados digital. Falamos aqui da EDT FILA. A palavra é o acrônimo de Fighting Intruders Low Altitude – “combatendo incursores a baixa altitude” -, nome que indica a filosofía da época: uma palavra que pudesse ser lida mais ou menos da mesma forma nas principais línguas, já que o objetivo principal era exportar a geringonça. Foi um processo bem sucedido, principalmente em função da quantidade de recursos injetados no proceso: quem pagava eram os iraquianos. A EDT FILA destinava-se, inicialmente, a funcionar como sistema de guiagem para as baterías de saturação ASTROS II, cujo desenvolvimento, na primeira metade dos anos 1980, foi totalmente financiado pelo (na época) altamente confiável governo iraquiano. As traquinagens de Saddam Hussein, no início dos anos noventa, acabaram com a parceria e resultaram num calote iraquiano, mas, ainda assim, o EB viu no FILA a possibilidade de dotar os canhões de cano singelo Bofors C/70 de 40 mm de um EDT atualizado. O FILA deveria colocar a Força Terrestre em novo patamar tecnológico, mas o fato é que as 100 unidades pretendidas nunca chegaram a ser entregues, em função dos sucessivos contingenciamentos e cortes de verbas ocorridos ao longo dos anos 1980 e 1990. Atualmente, o EB dispõe de 13 unidades, em variados estados de disponibilidade.

Em 1994, outro “choque de modernidade”: o EB recebeu 50 conjuntos  do MANPADS (acrônimo em inglês de man portable air defense system) 9M38 Igla (“ferrão”, em russo) referenciado pela OTAN como SA-18 Grouse (“perdiz”), que foram distribuídos também à FAB. Um “choque” talvez nem tão chocante: até hoje a eficácia do Igla é fator de controvérsia, e não são poucos os comentaristas, militares ou não, que afirmam ter o Brasil comprado gato por lebre.

O SA-18 é uma versão mais sofisticada do SA-16, conhecido como Gimlet pela OTAN. O equipamento disponível pelo EB e pela FAB utiliza o míssil 9M39, bem mais avançado que as versões anteriores e colocado em serviço no final dos anos 1980. Este pode ser usado contra aeronaves em vôo transônico de baixo nível, helicópteros, mísseis de cruzeiro e VANTS. Entrega uma cabeça de guerra com aproximadamente 400 g de alto explosivo (HE), detonada por uma espoleta de proximidade acionada a laser. Com a velocidade final, adquirida em poucos segundos, de 502 m/s, o 9M39 pode atingir um alvo voando a até 5200 m de distância, adquirido por um sensor termal capaz de distinguir entre o alvo e contramedidas baseadas em flares.

O sistema, cujo peso total é de pouco mais de 17 kg, sendo que mais de 10 kg são do míssil, é tido como de uso muito simples, exigindo quase nenhuma manutenção e relativamente pouco treinamento por parte do operador. O problema é que não há unanimidade em torno da eficácia, e boa parte dos analistas diz que se trata de um sistema ultrapassado. Os sistemas do tipo MANPADS adquirem o alvo através de sensores de calor, mas têm de ser colocados pelo operador na direção do alvo, ainda que este esteja na direção contrária do ponto de emprego. Isto significa que a capacidade dessas armas de atuar a noite é limitada. Existem sistemas eletrônicos que auxiliam a aquisição do alvo, mas o Brasil não os adquiriu.

A chegada do Igla apontou, antes de mais nada, para a forte desmobilização da indústria de defesa nacional e para a falta de um programa estratégico de renovação das FA brasileiras. Tratou-se de outra “compra de oportunidade”, tipo de transação baseado na capacidade das Forças Armadas em identificar chances de adquirir material barato e relativamente atualizado, descontinuado pelos países centrais, então às voltas com o fim da Guerra Fria. Tem sido a principal forma de aquisição de equipamento pelo Brasil, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Não que não tenham sido feitas, de lá para cá, diversas tentativas para criar armas e equipamentos autóctones. No ramo AAe, uma relativamente interessante (por reveladora das mazelas nacionais) é a tentativa de criar um equivalente ao norte-americano Chaparral (uma versão superfície-ar do míssil ar-ar AIM9 Sidewinder) baseado míssil MAA1A “Piranha”, denominado SIMDABA (acrônimo de “Sistema de Mísseis de Defesa Antiaérea de Baixa Altitude”). O MAA1A, resultante de um projeto que levou quase trinta anos para ser completado, nasceu obsoleto, mas era para ser assim mesmo (um excelente histórico do projeto pode ser encontrado aqui). Os projetistas, alocados no CTA da FAB e em diversas empresas privadas tocaram o projeto para adquirir conhecimentos sobre a tecnologia de mísseis. Atualmente em serviço em sua versão “1A”, é considerado pelos especialistas como, no máximo, uma plataforma de desenvolvimento e treinamento. Assim, o projeto de tornar esse produto base de uma “família de armamentos” não chegou a ir para a frente, embora volta e meia o assunto volte à baila. Também voltaremos à baila, porque atualmente, embora a artilharia AAe do EB tenha se expandido de forma notável, não existe a menor concordância entre os analistas se essa expansão significa, de fato, um avanço cosistente::

biblioteca básica de causa::2ª GM, parte1::

Conforme foi esclarecido no post de ontem, fiquei de acionar o blogue das boas causas, de tempos em tempos, com postagens curtas, de modo a não deixa-lo totalmente inativo. Como foram publicados, ao longo do tempo de existência dele, 302 artigos, imaginei se não seria interessante elaborar “bibliotecas”, ou seja, algumas relações de artigos, arranjados por temáticas. Nunca fiz uma estatística, mas suponho que artigos sobre a 2ª GM sejam a maior parte do material disponível neste espaço. Portanto, começo por este tema, em duas partes. Espero que venha a ser de alguma utilidade para todos os atuais e futuros frequentadores::

Biblioteca básica::2ª GM::1ª parte::2007-2008-2009

62 anos, esta noite::Okinawa, o moedor de carne (25/07/2007)

Aos famosos poucos, uma satisfação::Isto não é “adeus”, é “até logo”::

Faz uns quatro meses, publiquei o último post deste blogue, por sinal atualização de um dos primeiros textos colocados aqui, em 2007. Cinco anos atrás. Ao longo deste tempo, causa:: tem sido, dentre as atividades que mantenho, uma das que mais me dá prazer. Só que as outras atividades, que nem sempre me dão assim tanta satisfação, têm tomado boa parte de meu tempo. A maior parte, dizendo melhor. Ultimamente, embarquei em algo que tem me parecido mais uma aventura: escrever um livro sobre a 2ª GM. No início, pareceu fácil: conheço bastante sobre o tema, tenho uma boa biblioteca específica (uns mil títulos, entre livros convencionais e eletrônicos), e já escrevi bastante sobre o assunto – aqui no blogue das boas causas. Só pareceu: bastou iniciar o esboço do projeto para que ficasse claro as dificuldades envolvidas nele. A maior delas: como conceituar o assunto?

Enquanto dava cabeçadas nessa questão, atraquei-me com dois calhamaços recentemente descobertos: “The Second World War”, do historiador militar inglês Antony Beevor (para a página do autor, com uma ótima resenha sobre o livro, aqui; para o blogue de Beevor, aqui), na edição para Kindle, e “A Guerra e a Paz na História Moderna”, do jurista norte americano Philip Bobbitt (uma entrevista sobre o livro e seus temas, aqui). Não sei dizer quantas paginas tem o livro, já que não tentei aprender a contar páginas em e-books, mas o livro é grande. Beevor é um ex aluno da Real Academia militar de Sandhurst, e discípulo de outro grande nome do ramo: John Keegan (espero que não seja preciso dizer que Keegan é o mais renomado historiador militar da atualidade, falecido recentemente). Na esteira de Keegan, Beevor faz parte de uma fornada de “novos historiadores militares” (dentre os quais podemos citar sir Max Hastings, Andrew Roberts e o norte americano Steven Ambrose, dentre os mais conhecidos) que abandonaram a abordagem estritamente técnica da guerra e a inseriram em contextos mais amplos, onde a política e a sociedade são partes integrantes não do pano de fundo, mas do desenrolar do conflito. Esses “novos historiadores” mobilizam, com grande intensidade fontes dentre as que são atualmente chamadas pelos historiadores profissionais de “alternativas”: história oral colhida a partir de militares e civis, fontes jornalísticas e literárias. Para o leitor, esta nova forma de explicar os conflitos torna a leitura menos árida. Só que Beevor tem um ponto interessante: sua “história da Segunda Guerra Mundial” recua, entre idas e vindas, a 1931, com a tentativa de expansão japonesa para a China e a guerra daí resultante. De fato, essa visão mais ampla das origens da guerra, colocando suas raízes nos problemas políticos resultantes da paz de Versalhes, em 1919, não era novidade: diversos autores especializados apelam para essa periodização, mas dificilmente as “histórias da 2ª GM” entram em detalhes sobre os antecedentes do conflito. O próprio Beevor desce a detalhes com relação à problemática militar, mas não chegava a aprofundar sobre os antecedentes. Ao estabelecer o projeto do livro, decidi que, se pretendo fazer algo minimamente original, não poderia apenas “contar a guerra” – gente muito competente e capaz já havia cumprido tal tarefa, e eu poderia, se tanto, copiá-los. Caso eu pretendesse fazer algo que valesse o trabalho, teria de encontrar um “gancho”. E esse “gancho”estava no livro de Bobbitt, e em seu conceito de “longa guerra”.

Não explicarei em detalhes – pretendo que, dentro de alguns anos, as pessoas se animem a comprar o livro (se é que vai sair…) para descobrir. mas adianto: Bobbitt oferece um interessante conceito, que coloca a 2ª GM numa perpectiva mais ampla: uma luta entre fascismo, comunismo e democracia representativa pelo espólio dos i´mpérios europeus constituidos ao longo da Idade Moderna. Melhor ainda: a 2ª GM teria sido apenas uma das “campanhas” da “Longa Guerra dos Estados-nações”, guerra que teria se prolongado até os anos 1990.

Pretendo que meu texto gire em torno desse conceito e, de fato, vários dos pequenos textos que já publiquei no blogue apontam nessa direção. O próprio desenvolvimento técnico do “fazer a guerra”, abordado anos atrás, de forma magistral em “Uma história da guerra” de John Keegan (se não é um livro definitivo, é quase…) é um indicativo da amplitude dos acontecimentos e de sua temporalidade estendida. Claro que não tenho a menor intenção de chegar até a Guerra Fria e muito menos recuar até a Guerra dos Trinta Anos, como Bobbitt faz. Mas reconhecer a articulação da 2ª GM com os acontecimentos mundiais que se iniciam na segunda metade dos Oitocentos. Qualquer estudant de história entenderá do que estou falando. Os assíduos de causa:: também.

Assim, resolvi comunicar aos meus dez leitores contadinhos que estou decretando um recesso do blogue. Esses “famosos poucos”, que me tem dado o prazer da companhia ao longo desses cinco anos, sabem que cada um dos textos que coloco aqui demanda, por vezes, semanas de pesquisa. Sem problema: gosto de pesquisar, é parte de meu trabalho e algo que faço bem. Mas não sei se conseguirei manter o blogue em atividade diante da pesquisa bibliográfica e do projeto de redação que tenho diante de mim. Vou tentar publicar alguma coisa no causa:: de tempos em tempos, para não deixar o blogue totalmente inativo. Mas certamente essas postagens não terão o volume e o cuidado que tenho feito questão de que sejam a característica desta “ferramenta de pesquisa”.

Então, é isto. Como eu disse acima, não é um “adeus”, mas um “até logo”. E podem esperar – o pior que pode acontecer é, caso eu não conseguir levar o projeto do livro adiante, o texto aparecer aqui no causa::, dentro de uns dois anos, como se fosse um folhetim. O futuro dirá::